O cineasta norte-americano James Gray idealizou, escreveu e dirigiu o drama Ad Astra - Rumo às Estrelas, sobre um astronauta (Brad Pitt) que segue em missão para os confins do sistema solar para reencontrar seu pai (Tommy Lee Jones), que ele achava estar morto. É uma jornada emotiva de persistência, redenção e acerto de contas, protagonizada quase solitariamente por um dedicado Pitt e dirigida com precisão cirurgica por Gray, em seu trabalho mais ambicioso e superlativo desde Z – A Cidade Perdida.
De sua casa em Los Angeles, Gray conversou com o AdoroCinema e esclareceu alguns dos mitos em torno de Ad Astra, que esteve em desenvolvimento desde 2013 e conta com a produção do brasileiro Rodrigo Teixeira. Confira abaixo trechos da entrevista (contém leves spoilers do filme) – e leia também a crítica de Ad Astra do AdoroCinema.
O personagem de Brad Pitt não é autista conforme apontava a sinopse inicial
“Bem, eu nunca quis dizer que o personagem era 'levemente autista'. Eu só expliquei em uma entrevista que a NASA costuma procurar pessoas específicas para suas longas jornadas – pessoas que não precisam de interação social. Isso é o que chamam de transtorno de personalidade esquizóide. Só que essa é apenas uma informação contextual [sobre Roy McBride, o personagem de Brad Pitt]. Eu só estava explicando sobre as informações que utilizei para elaborar a trama, e não sobre algo em que o público deveria prestar atenção, como se esse fosse um filme sobre alguém com um problema real. Era um detalhe que fazia parte da pesquisa que fiz sobre astronautas, e eu nem pretendia que essa informação fosse aparente.
Eu acho que deturpamos a idéia do que é um filme de herói. Os heróis podem ser muito falíveis, cometer erros terríveis e deveríamos questionar suas vulnerabilidades. O que acontece é que, por causa dos recentes filmes de super-heróis, agora pensamos que heróis não possuem problemas nem falham. Mas essa não é a idéia mítica de um herói. Quando você conta a jornada de um herói, é preciso abraçar as vulnerabilidades e falhas. E nós sentimos que isso seria expressado lindamente por alguém como Brad Pitt, que é uma pessoa que você jamais espera que vá fazer algo de errado. Você espera que ele seja impecável. E queremos subverter isso e dizer que ele é uma pessoa como todo mundo, não tem superpoderes, e tudo bem. É isso o que significa ser dessa espécie e estar nesse mundo.”
Ad Astra foi filmado fora de ordem – e isso “dificultou” o trabalho de Brad Pitt
“Bem, como você sabe, um longa não é filmado na ordem dos acontecimentos. Embora talvez às vezes seja feito assim, eu certamente nunca o fiz. Então, sabendo que o filme basicamente teria que ser filmado em uma ordem muito estranha, foi meu trabalho lembrar onde ele [Brad Pitt] deveria estar, emocionalmente, em cada cena. Meu maior desafio foi descobrir uma maneira de explicar que esse personagem está se abrindo lenta e repentinamente ao longo da história. E fazer isso gravando um filme fora de ordem já é bem difícil. A única coisa que eu continuava fazendo era tentar lembrá-lo onde Roy se encontrava emocionalmente em cada cena que filmávamos.”
A viagem à lua determinou a ideia de futuro de Ad Astra
“[Como cineasta,] Você não quer que seu filme apresente uma visão distópica do futuro, e [também] não quer que apresente uma visão utópica. Porque na verdade, o futuro provavelmente será um pouco desses dois casos. Quando estávamos tentando conceber os diferentes estágios da jornada do personagem, o primeiro estágio era seguir até a Lua. Daí pensamos que ele deveria ir para lá em um voo comercial, do mesmo modo como hoje funciona uma viagem aérea – porque provavelmente é assim que será no futuro. Tentamos usar essa cena como nosso barômetro. Mas quando se trata do espaço, as dinâmicas não mudam, a falta de aerodinâmica não muda, as distâncias, a necessidade de certos materiais, nada disso muda. Então, tentamos basear o filme na ciência da melhor maneira possível, mas também com um olho no aspecto estético.”
A história de Ad Astra jamais teve alienígenas
”Bom, eu amo filmes com alienígenas, mas eles já existem aos montes, e tenho de dizer que nunca foi a nossa ambição fazer um desses. E tantos filmes assim já foram feitos: se eles forem alienígenas 'do bem', eles vão nos salvar; se eles forem 'do mal', isso ajudará a sociedade a se unir para que possamos derrotá-los. Basicamente, nossa intenção era fazer um filme que mostrasse o que significa estar sozinho no universo. Então não queríamos cair na armadilha de fazer mais um filme sobre alienígenas.
O que queríamos era mostrar a ciência por trás disso -- ou seja, se existem aliens, eles certamente não se comunicaram conosco, o que significa que: 1. Eles querem que a gente ache que eles não tem essa capacidade; ou 2. Talvez eles tenham enviado a mensagem, mas estão tão longe que ainda não a recebemos -- sem contar o fato de estamos tão longe que não conseguiríamos nos comunicar com eles, então, qual a diferença? Mas foi essa a ideia inicial, e sentimos que era importante nos mantermos fiéis a isso: a de que não há nada lá fora e que a Terra é tudo o que temos.
Eu não posso fazer um filme baseado no que as pessoas esperam. Se eu fizesse isso talvez eu fosse mais bem-sucedido comercialmente ou conseguisse grandes bilheterias, porque estaria dando somente o que o público quer. Mas se elas esperam por outro tipo de filme, não há nada que eu possa fazer. Porque não é esse o filme que eu fiz. Estou tentando dar outra coisa. Agora, se isso é bom ou ruim, essa é uma história diferente. Sinto que é o meu trabalho contar a história mais pessoal que puder, da maneira mais honesta e comprometida possível, e não copiar os outros.”
Ad Astra sempre foi sobre um filho em busca do pai
“Essa sempre foi a ideia inicial. Eu estava lendo muito Joseph Campbell e senti que esse era o caminho. E decidi que queria contar uma história quase elementar: pais e filhos, o pai que abandona o filho... Fazendo isso, esperava criar uma história clara e mítica que pudesse ter um peso emocional real. Porque é o tipo de conexão entre pessoas que compreendemos completamente. Seria mais complicado se eu estivesse fazendo um filme sobre dois bons amigos. Eu teria de gastar muito tempo explicando sobre a natureza do relacionamento deles. Mas, pai e filho, mãe e filha, mãe e filho… esse tipo de coisa nós entendemos muito bem. Eu tentei fazer algo claro e mítico. Sempre foi o meu desafio.”
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