Na última quinta-feira, 12 de setembro, chegou aos cinemas brasileiros o novo filme protagonizado por Juliette Binoche, Quem Você Pensa que Sou. Dirigido por Safy Nebbou, o longa, uma mistura de drama e suspense, foi exibido no 69º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro deste ano.
A trama acompanha Claire Millaud (Binoche), uma escritora de 50 anos que se apaixona por um garoto muito mais novo (François Civil) pela Internet. O problema é que eles jamais se encontraram, e o rapaz acredita estar conversando com uma mulher muito mais nova, já que a protagonista mantém um perfil falso nas redes sociais.
"O filme começa a brincar com a noção de ficção: qual seria o problema em criar uma versão fictícia de si mesma se criamos versões de nossas próprias histórias na literatura, por exemplo? A escritora, enquanto artista, não seria equivalente da mulher criadora de seu avatar-personagem? O roteiro compara habilmente as narrativas virtuais com as narrativas literárias, percebendo o mundo virtual enquanto ato de criação". Leia nossa crítica completa.
Durante a cobertura do festival, o AdoroCinema conversou com exclusividade com Juliette Binoche, que foi presidente do júri nesta edição, e Safy Nebbou. Confira!
Por que você quis fazer esse filme? O que aguçou a sua imaginação?
Juliette Binoche: Eu acho que o problema do abandono é a grande questão que temos que enfrentar na vida até o fim. Então, o fato de que essa mulher está sendo deixada pelo marido no início da história, e que o amor mais jovem dela a deixa em uma posição de se sentir desprezada, é interessante para ver como ela vai se redefinir e encontrar uma identidade em que ela possa sentir dignidade. É claro que é só uma ilusão, porque em certo ponto não funciona mais.
Você trabalhou as diferenças de interpretar Clara e Claire? Existe uma abordagem diferente?
Juliette Binoche: Sim, tem uma abordagem diferente, as crenças. Se você acredita que está sendo deixado ou se você acredita que está sendo amado, as crenças funcionam diferente, o exterior é diferente. Ela vai se transformando, e o diretor deu um passo de cada vez para mostrar a transformação através de pequenos detalhes para que seja crível. Então, sim, as crenças são diferentes.
Quais você acredita que sejam os aspectos positivos e negativos das novas tecnologias nas relações?
Juliette Binoche: Depende de como você usa, não existe bom ou mau na tecnologia, só o médio. Como você usa é a grande questão.
Você tem instagram?
Juliette Binoche: Sim, eu tenho.
Você já fantasiou em ter um perfil falso e não ser Juliette Binoche?
Juliette Binoche: Eu não sou Juliette Binoche em muitos filmes, então, para isso, não preciso de mais um.
Eu estava refletindo sobre o que é virar uma pessoa pública, uma super estrela de cinema. Existem muitas fotos que não parecem você mesma, isso não é uma espécie de propaganda?
Juliette Binoche: De certa forma, sim, as representações das atrizes são muito específicas, é um personagem em si. Eu me lembro de quando eu estava colocando roupas de princesa na casa da minha amiga, gostando de ser outra pessoa e de entrar em um mundo encantado, você sabe que esse sonho de menina é uma brincadeira. Agora, quando eu estou na minha cozinha, no banheiro, em casa com meus filhos, ainda sou eu, mas eu tenho um papel diferente, sou uma mãe. Eu não nasci mãe, mas como ser verdadeira em todas as circunstâncias? Existe uma pessoa pública em todos nós. Você é um jornalista, mas como ser você mesmo ao invés desse papel? Isso é interessante e te desafia.
Atores e atrizes chamam atuar de jogo. Você acha que esse jogo ficou mais difícil?
Juliette Binoche: Não, o que importa é a intenção que você coloca por trás da atuação, isso realmente faz a diferença. De certa forma, tudo é uma ferramenta, mas a intenção vem de dentro para fora. Se a intenção é verdadeira com o que você está sentindo, você pode fazer qualquer trabalho, o seu envolvimento é o que importa. No fim do dia, isso vai ser o que você constrói, isso é o que você vai ter no fim da vida, a verdade da sua intenção. É o que eu acredito.
Você sempre foi uma atriz corajosa, mas, quando eu te vejo em filmes hoje em dia, te vejo mais experimental, mais ousada.
Juliette Binoche: Sim, porque a idade traz isso, é uma libertação e também a urgência de expressar coisas para o mundo, enquanto há tempo. No começo, existe o medo de não ser aceita pelo mundo externo, pela sua família, e tem um momento que vai além disso, você não liga mais para as consequências. Você está sendo você mesma e não existe maneira de ser melhor que ser você.
Mas alguns dos seus colegas ficam ainda mais cuidadosos com certa idade.
Juliette Binoche: Isso também é porque eu sou privilegiada em poder escolher o que quero fazer, existe uma liberdade, eu sou destemida por causa disso. Se eu não tivesse tantos trabalhos, talvez eu fosse mais consciente. Eu sei que posso fazer muitas coisas, não dependo da indústria cinematográfica. Eu poderia pintar, por exemplo. Não sou dependente, por mais que eu não tenha ninguém com quem eu possa contar para me sustentar. Tenho meus pais, meus filhos, é muita coisa, mas existe uma confiança no que a vida está te dando.
Você é muito otimista como sua personagem?
Juliette Binoche: Depende. Enquanto o mundo está em crise, não sou tão otimista, mas eu acho que precisamos mudar e levar as coisas a sério. O mundo está mudando, o clima está mudando e eu fico muito preocupada com isso. O quanto antes eu puder falar sobre isso, é o que eu farei, porque acho que os governos não estão se mobilizando o bastante. Eles fazem seus grandes encontros, mas nada está mudando de verdade, no que diz respeito à poluição. Isso tem a ver com as mudanças de cada cidadão, mas também com cada país e sua política de se comprometer de verdade. Eu estou na França e acho que esse é o momento, não daqui a vinte anos.
Falando em França, eu estava perto do palácio presidencial e vi que ele estava cercado por "coletes amarelos". Agora é a primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial que a França convoca seu embaixador na Itália. O que você pensa sobre o que está acontecendo?
Juliette Binoche: Não quero entrar muito no assunto político, mas o que eu vou te dizer sobre os "coletes amarelos" é que as mudanças precisam ser feitas. Existe uma dicotomia entre os pobres e os ricos. Isso precisa ser repensado e rearranjado com os mais pobres, a partilha tem que acontecer de forma séria. Em grande escala, Paris é o centro, as cidades do interior precisam ser mais independentes, de alguma forma. O fato é que eles eles tornaram o diesel mais caro sem avisar as pessoas, sem ajudá-las com as consequências disso e você não pode colocar pessoas em situação financeira frágil em situações ainda mais difíceis. Eu acho que a raiva estava certa, era verdadeira e por isso durou muito, mas a violência não foi boa porque isso deixou pessoas desabrigadas e trouxe danos. Os políticos precisam antecipar as consequências e pensar no que estão fazendo. Na minha opinião, não fazer nada é um problema, porque as consequências para as próximas gerações serão drásticas.
O que você pensa sobre o conceito de namoro na internet?
Juliette Binoche: Eu ouvi histórias de pessoas namorando assim e sendo felizes, então eu acho que vai de cada um se responsabilizar por esse jogo.
Como você se preparou com o François Civil? Porque ele é invisível por uma hora no filme. Vocês prepararam os dois personagens juntos ou ele gravou a voz sem te conhecer?
Juliette Binoche: Exatamente. Esse era o jogo que o Safy [Nebbou] queria que a gente jogasse, em que eu não veria o François e ele não me veria antes da gente se encontrar pela primeira vez, quando ele está tirando fotos de mim. Eu o conhecia de outro filme, porque ele interpretou meu filho, e ele estava surtando por causa disso, mas eu não sabia por que.
Você se sentiu aliviada por finalmente encontrá-lo naquela cena?
Juliette Binoche: Não, eu tive que brincar com ele. Quando eu o vi, disse: “Nossa, você está crescendo tão rápido”.
Claire está sempre apavorada por envelhecer, esse é um medo que você também sente?
Juliette Binoche: Bom, eu tenho que me entregar à câmera, então, se eu sentir isso, preciso aproveitar esse medo porque está aqui de qualquer jeito. Não é fácil para ninguém, mas se você está onde deveria estar e se entrega, então aproveite o desafio. Não é fácil, claro, nós sabemos, mas eu não voltaria aos meus vinte anos.
Por que não?
Juliette Binoche: Porque é muito difícil, são anos difíceis. Você está aprendendo sobre as grandes emoções, os primeiros relacionamentos, a montanha russa de sentimentos, aprender a se sustentar, é quase uma guerra interna, não é tão fácil.
Você acha que é mais difícil hoje em dia do que era antes?
Juliette Binoche: Não sei. Para começar, não tenho vinte anos hoje em dia. Não tenho certeza. As pessoas dizem que é, mas eu lembro que era muito competitivo, muito difícil quando eu tinha vinte anos. Sinto que ainda é.
Era um tipo diferente de competição?
Juliette Binoche: Eu acho que depende, claro. Os jovens têm esse medo legítimo do futuro e a necessidade de mudar as coisas inspira. Existe uma coisa de: "Ok, a tensão está pesada? Nós vamos lutar de outro jeito, nós vamos viver de outro jeito". Essa necessidade de mudar as coisas é linda.
Como você acha que o mundo digital mudou sua profissão? Ser uma atriz é mais difícil hoje em dia? Pela exposição, pelas redes sociais...
Juliette Binoche: De alguma forma, com a internet e Instagram, existe mais independência. Nós podemos postar e ter uma relação direta com as pessoas ao redor do mundo, e para nós isso é liberdade. Se você quer colocar uma ideia para fora, você pode.
Se você pintasse hoje em dia, o que você pintaria?
Juliette Binoche: Eu não pinto porque eu não tenho tempo. Queria ter, mas não é o caso.
Uma coisa que eu gostei no filme, digo isso como um homem, é que vemos uma mulher jovem com um homem mais jovem ainda. Um clichê que conhecemos, especialmente na França, é o homem com a mulher mais jovem. Isso foi uma coisa que você também gostou no filme?
Juliette Binoche: É uma história antiga, pelo fato de o poder estar com o homem. Nós fomos educados ou inconscientemente educados com esses filmes americanos tendo um homem mais velho e uma linda menina mais nova. Eles foram feitos por produtores que, adivinha só, são homens. É uma mentalidade, por isso você tem que se distanciar um pouco e repensar as coisas.
Como você decidiu fazer esse filme? O que te atraiu para essa história?
Safy Nebbou: Eu tinha escrito um romance sobre uma mulher de meia idade, professora de literatura, que vai nessa jornada de fingir ser outra pessoa. Quando eu escrevi, achei complexo e que se encaixava muito bem em uma versão cinematográfica. Ter um filme em rede social já é interessante para mim, e a estrutura do romance era bem cinematográfica.
A relação do cinema com as redes sociais é uma coisa da nova geração. Aqui temos uma mulher de cinquenta anos, você pode falar sobre esse aspecto?
Safy Nebbou: É por isso que eu estava interessado na história. Eu tenho cinquenta anos agora e não faço parte da geração que está vivendo em redes sociais. Eu acho que essa perspectiva foi particularmente interessante, o filme não foi feito diretamente para adolescentes, pelo contrário. Essa mulher é uma professora madura, capaz de usar as redes sociais do seu jeito e está construindo um muro à sua volta nesse mundo de fantasias.
Você teve que explicar Instagram para a Juliette Binoche?
Safy Nebbou: Não, ela sabe melhor que eu, ela realmente aprendeu, só estava desconectada. Agora eu acho que ela está se divertindo no instagram.
Você queria que Juliette Binoche interpretasse essa personagem desde o início? Ela foi sua primeira escolha?
Safy Nebbou: Sim, eu pensei nela antes mesmo de escrever o romance. Eu não consigo pensar em outra atriz dessa geração que seja capaz de comunicar as múltiplas personalidades dessa mulher. Eu a conheci, nos demos muito bem, fiz o convite e ela aceitou.
Ela é muito corajosa e não se importa com desafios, o que é muito diferente das outras atrizes francesas, eu acho.
Safy Nebbou: Sim, eu concordo com você. Muitas vezes nós tínhamos close-ups e ela não pediu para retocar nada. Eu pedi autorização a ela antes e ela me deixou fazer o que eu queria. Isso é muito bom porque existe confiança, ela pensa no ganho para o filme.
Você acha que existem mais narradores por causa da internet, por eles escolherem o que fornecer, as fotos, as informações? Você acha que os usuários de rede social são os contadores de história modernos?
Safy Nebbou: Sim, de fato. Esse filme não seria possível há dez anos. Claro que existem escritores e romancistas que usam redes sociais, mas nós somos todos escritores, somos todos atores no Instagram. Quando eu filmei meus primeiros filmes, em 35mm, tive que carregar a câmera, assistir às imagens do rolo. Hoje em dia, posso fazer um filme com meu celular.
As cores que você escolheu para a fotografia me fizeram lembrar de erotismo e algumas vezes uma prostituição neon. Foi algo que só eu senti ou era uma escolha consciente?
Safy Nebbou: Ele [Gilles Porte, diretor de fotografia] ponderou bastante as cores do filme, ele pensou nas cores dos celulares e em ter cores elétricas, imagens virtuais, reflexos e transparência. Dedicamos muito tempo a isso. Eu não queria um filme naturalista.
Há muitas referências literárias nesse filme, você teve alguma cinematográfica?
Safy Nebbou: Sim, com certeza. Sobre o tema do filme, Noite de Estréia, do John Cassavetes, e muitos outros. O problema foi que eu não me estabeleci em Paris, porque a arquitetura não tinha nada a ver com a fotografia, com o aroma do filme. Por isso fui para grandes cidades, como Toronto, que tinham esse tipo de prédio.
O filme é baseado em um romance, você fez alguma pesquisa como, por exemplo, conversar com psicólogos?
Safy Nebbou: Sim, claro. Para criar essa relação da Claire com o psicólogo eu li muito, assisti a filmes, conversei com pessoas, para tentar me imaginar nessa situação complexa. Há também o fato de eu ter feito anos de terapia.
Você teve alguma surpresa durante essa pesquisa? Você é um homem dirigindo um filme muito feminino e delicado, você descobriu alguma coisa que não esperava durante as pesquisas?
Safy Nebbou: Eu adoro a ideia de ser um homem dirigindo esse tipo de filme. Mesmo que não fosse eu, gostaria de um homem dirigindo. Eu amei o meu jeito de olhar para essa mulher, com bondade, com o amor que sinto por essa personagem. Eu não iria querer um filme feminista, teria sido demais, redutivo e inapropriado. Eu fiz esse filme com mulheres e homens, claro, mas para mulheres, porque eu acredito que o medo do tempo estar passando, medo da morte, de ser abandonada, vai além.
O quão difícil foi administrar esses múltiplos finais em termos visuais ou de narração?
Safy Nebbou: Primeiramente, esse não era o final que eu tinha escrito, era um final diferente. O final que eu tinha escrito era com ela escrevendo ao psicólogo, e então você escuta ele chamando ela, como no começo do filme. Então, ela abre os olhos e está na sala do psicólogo, mas é um psicólogo homem. Talvez eu tivesse gostado mais desse final.