Um dos destaques na seleção brasileira que marcou presença no Festival de Toronto deste ano, Três Verões talvez seja o primeiro filme brasileiro a abordar a Operação Lava-Jato sem necessariamente ser sobre ela, como o recente Polícia Federal - A Lei é para Todos. A ideia aqui não é propriamente esmiuçar os meandros da investigação, mas acompanhar o quanto ela afetou quem está em torno dos envolvidos, em especial pessoas de classe mais baixa. Confira nossa crítica!
O AdoroCinema conversou com a diretora Sandra Kogut em meio à cobertura do Festival de Toronto, no qual ela comentou sobre seus interesses neste novo filme e como ele anteviu o atual momento social do Brasil. Confira!
ADOROCINEMA: Como foi a decisão em abordar a Operação Lava-Jato e a forma como afetou a sociedade em geral?
SANDRA KOGUT: Foi uma junção de coisas. Estava trabalhando em um filme que eu queria fazer, no qual as estrelas dele eram figurantes. Então, os figurantes desse filme seriam atores conhecidos e a gente mudaria o eixo que de onde iríamos olhar, era uma história assim. Ao mesmo tempo, a gente começou a viver no Brasil esse momento muito intenso, com essas operações, porém também muito espetacular, com todos colados nessas histórias. Acho que as duas coisas foram amadurecendo na minha cabeça e me deu muita vontade de falar sobre esse momento, mas o que eu queria realmente era falar sobre o que a gente não via [na Lava-Jato]. A gente só via essas histórias e não as pessoas que estavam em volta delas. Então, começou com a pergunta: o que acontece com essas pessoas que estão em torno desses que são presos? Os empregados, as pessoas que circulam em volta… Como isso os afeta? E, ao fazer essa pergunta para mim mesma, eu fui desenvolvendo e criando o filme.
AC: Você chegou a fazer alguma pesquisa com quem foi realmente afetado com essa onda de prisões?
SANDRA: Fiz pesquisas, entrevistei um advogado… Queria entender melhor como essas situações acontecem, porque normalmente a gente tende a estereotipar tudo quando a gente não conhece.
AC: O filme se passa ao longo de três anos, com elipses entre cada ano onde muito acontece sem que o filme, necessariamente, mostre tais situações. Como você chegou na construção desta narrativa?
SANDRA: Isso também é um projeto antigo meu. Tinha vontade de fazer um filme que se passasse numa casa secundária, que no início não era na praia, era nas montanhas, e que a gente já visse que as pessoas moravam nessa casa. É algo que narrativamente me interessa. No cinema, se demora para fazer um filme, você normalmente vai tendo aqueles desejos que ficam amadurecendo e, às vezes, vão se encaixando. Então, isso era um desejo meu… Porém, quando você está lidando com uma coisa da realidade, que está muito ali presente e que as pessoas acompanham naturalmente, você precisa considerar que elas vão assistir ao filme com tudo que já têm na cabeça. Isso é uma coisa que gosto muito no Cinema, quando ele te dá espaços de projeção, que você pode completar e que está tudo dado para você, ou que você também entra em um túnel, não pode olhar pro lado. São coisas que vem do gosto pessoal e gosto disso no Cinema, então foi tudo se encaixando.
AC: Algo que chama muito a atenção é como os empregados são influenciados pelos gostos e o próprio cotidiano desta família de patrões. Como foi encontrar estas influências que, de acerta forma, atingem a classe média em geral?
SANDRA: A gente convive com essas situações e presta atenção nelas, mas acho que tem ali, nos valores, sinais do momento que estamos vivendo. Porque, se você pensar bem, todo mundo que está ali está falando de dinheiro o tempo todo, os empregados, os patrões… É meio “salve-se quem puder”, é cada um por si, valores muitos materialistas. O único personagem que é um professor, humanista, que gosta de livros, não tem mais lugar para ele no mundo.
Acho que nessa situação, nesse projeto neoliberal onde acabou o pensamento coletivo, é um sinal dos tempos que estamos vivendo e faz com que a gente perceba que perdemos valores super importantes para se viver em sociedade.
AC: Três Verões traz a defesa do coletivo e de uma classe mais pobre, o que lhe traz um impacto ainda maior diante do atual governo. Como você acredita que o filme será recebido, no Brasil?
SANDRA: Quando você faz um filme, você espera e deseja que ele seja recebido pelo maior número possível de pessoas. Acho que tem uma chance boa desse filme fazer isso. Quando olho para ele agora, isso era uma coisa que eu não podia saber na época que estávamos filmando, eu vejo claramente que ele é um retrato daquele momento de “antes”. Como, por exemplo, filmes que aconteceram antes dos momentos históricos que mudaram a vida de todo mundo. Você olha e percebe que os sinais estão ali, mas ninguém está vendo. Acho que isso deu uma dimensão até muito importante para o filme, que não tínhamos como prever quando estávamos filmando. Agora eu olho para esse filme e vejo muita coisa que me diz assim: “Ah é! Isso aqui estava cozinhando, se preparando…”
AC: O filme é estrelado pela Regina Casé que, apesar de interpretar uma empregada como em Que Horas Ela Volta?, trata-se de uma personagem muito diferente. Como foi a escalação da Regina e de que forma você lidou com esta inevitável comparação ao filme da Anna Muylaert?
SANDRA: Conheço a Regina já há 30 anos. A gente é amiga e parceira também, fiz um curta-metragem com ela em 1995, chamava Lá e Cá. Já tinha alguns anos que a gente falava que queríamos fazer um filme juntas, mas ainda não tínhamos achado o projeto certo e esse filme, em particular, pareceu ser o projeto certo. Quanto ao personagem de Que Horas Ela Volta?, também nos perguntamos por ter sido um papel muito importante na história dela, muito marcante. Porém, para mim é super claro que é muito diferente, para ela também.
Essa personagem da Madá está entre dois mundos, porque ela dá ordens aos empregados, como se fosse a patroa deles, mas, ainda sim, ela é a empregada dos patrões. Ela está ali no meio. Você vê que é ela quem manda, muito pelo fato de também ser uma casa secundária, na qual os patrões não moram. Na maior parte do ano aquilo é a casa dela, ela conhece todo mundo, ela sabe onde está tudo. Essa relação é uma coisa que me interessava muito, é como se ela fosse essa pessoa com muita atitude e personalidade mas que está no lugar errado, sabe? Ela nasceu em outro lugar e ela está no papel errado. Sair da adequação é uma coisa central desse personagem.
AC: Quanto tempo levou para conseguir o orçamento necessário para o filme?
SANDRA: A gente foi super rápido e com pouquíssimo dinheiro. Era uma situação que nós ou fazíamos desse jeito ou demoraria para acontecer. Tinha uma energia muito boa, era um filme que se relacionava com o momento que estávamos vivendo, então foi uma opção.
Foi muito rápido, filmamos em quatro semanas, bem diferente do jeito que eu trabalhava antes. Costumava trabalhar em um longo processo: oficina, preparação… Acho que o tempo é muito valioso. Isso acabou sendo bom para mim também, porque você acaba saindo da sua zona de conforto. E, além disso, eu também acho que cada filme tem seu jeito de ser feito, não tem uma fórmula que vale para tudo.
AC: E com relação ao lançamento? O filme estreia neste ano, vai para 2020, tem alguma previsão?
SANDRA: O momento do Brasil está com muitas perguntas no ar, está tudo muito indefinido e sem sabermos direito o que vai acontecer. A gente tinha pensado em lançar em dezembro, pela associação com o filme. Não sei se vamos conseguir, mas seria bacana.