Nos últimos anos, Marco Nanini tem sido visto principalmente em séries e telenovelas, mas a partir do dia 10 de outubro, o ator estará também nos cinemas com Greta, drama dirigido por Armando Praça.
Depois de ser selecionado no Festival de Berlim, o filme foi exibido na mostra competitiva do 29º Cine Ceará - Festival Ibero-Americano de Cinema, levando ao público de Fortaleza a história de um enfermeiro gay de 70 anos de idade (Nanini), solitário e obcecado pela atriz Greta Garbo. Quando ajuda um criminoso (Démick Lopes) a fugir do hospital, para liberar o leito a uma amiga doente (Denise Weinberg), acaba acolhendo o desconhecido em sua casa e iniciando uma história de amor.
O AdoroCinema conversou com Nanini durante a primeira exibição do filme, na Berlinale. Às vésperas da premiação - onde Greta desponta como um dos favoritos - e do lançamento nos cinemas, você descobre o ponto de vista do ator sobre este projeto ousado no retrato da sexualidade e dos afetos:
O que te atraiu neste personagem?
Marco Nanini: Bom, este projeto tem mais de dez anos, eu não acompanhei desde o princípio. Quando eu descobri, já existia data para começar a filmar. O Armando [Praça] foi até a minha casa e me mostrou rapidamente o panorama do que queria fazer. Percebi que ele era homem muito interessante, um diretor muito organizado, e só então li o roteiro, que era ótimo. Aceitei imediatamente, pelo desafio. Eu nunca tive uma oportunidade como esta antes, e buscava um desafio assim.
Existem poucos personagens de setenta anos de idade disponíveis, principalmente em um roteiro com essa temática. O desafio também valia a pena porque o Armando despertou em mim uma confiança imediata. Fui para Fortaleza, filmei, e tudo correu muito bem, como eu esperava.
Eu também queria muito conhecer o polo de cinema no Nordeste, naquela região de Pernambuco e Ceará. Fiquei impressionado com a qualidade dos artistas locais e com a estrutura disponível. Então, para mim, foi uma experiência dupla, de participar do polo e encontrar meus colegas de cena Démick Lopes, Denise Weinberg e Gretta Sttar.
Como construiu a intimidade com Démick Lopes?
Marco Nanini: Eu ainda não o conhecia pessoalmente. Nós nos encontramos em Fortaleza e fizemos várias leituras do roteiro, quase diariamente, junto da Denise [Weinberg]. Descobri que Démick é um ator excepcional. Quando você encontra um colega que sabe jogar, que te oferece tanto material para a troca, o trabalho fica muito mais fácil para o ator. A atuação é um jogo, e quando isso acontece, 80% do caminho está assegurado. Resta apenas lapidar os personagens até ficar pronto para a cena. Foi isso que aconteceu.
Como descreveria a fascinação de Pedro por Greta Garbo?
Marco Nanini: Muitas interpretações são possíveis a partir desta metáfora. Esta é uma verdadeira veneração do Pedro pela figura, pela imagem da Greta Garbo, e também pela frase épica I want to be alone ("Eu quero ficar sozinha"). Isso é algo que Pedro possui enraizado dentro dele, por causa da solidão imensa que atravessa. Então esta referência se torna ambígua: Pedro venera Greta Garbo, mas não a imita. No final, ele é uma pessoa transexual, mas Greta Garbo serve como inspiração e se torna, de alguma maneira, uma amiga oculta. Esta é uma amizade imaginária, uma correspondência afetiva dele, porque Pedro tem pouquíssimos amigos.
A frase "I want to be alone" não seria irônica? Tudo o que Pedro quer é a companhia de alguém.
Marco Nanini: Normalmente, a vida já é cheia de armadilhas normais. A vida de um gay de setenta anos, pobre, tem ainda mais armadilhas. Por isso, Pedro não tem muito em quem confiar, a não ser em amizades já adquiridas, e que ele vai perdendo ao longo do tempo. Então aparece Jean para aliviar um pouco essa solidão. O sentimento final nutrido em relação a Jean pode significar muitas coisas. Enquanto ator, eu não quis definir exatamente o que seria, para não limitar este leque de possibilidades. Eu quis fazer um panorama amplo mesmo, para que a relação com Jean pudesse ao mesmo tempo se alimentar de nostalgia, dor e alegria.
Qual é a importância de lançar um filme com esta temática no Brasil de 2019?
Marco Nanini: Devido a essa história, no momento que o Brasil está atravessando, Greta passa a ser um filme político. Ele já o seria de qualquer maneira, mas a vertente política se torma muito mais forte dentro de um dos países onde mais se mata homossexuais no mundo. Esta violência se torna uma banalidade horrorosa, é algo de ficar pasmado. Então, Greta passa a ser fortemente político por resistir a isso e ao presidente de falas homofóbicas, que afirma preferir um filho morto a um filho homossexual. Esta é uma homofobia explícita, aterrorizante e ignorante.
Ultimamente, diversos filmes brasileiros têm sido defendidos ou repudiados pelo tema, antes mesmos de serem vistos. Como vê este tipo de reações?
Marco Nanini: Caso isso ocorra conosco, não será por culpa do Armando [Praça], nem nossa. Nós não temos a intenção de despertar uma onda enorme com este trabalho. O filme é uma peça de resistência, mas também é um projeto muito elegante. Não é um filme que defenda uma bandeira explícita, porém através da ficção, consegue efetuar questionamentos de maneira ainda mais forte.
Tudo pode acontecer daqui para frente, do jeito que as coisas estão caminhando. Isso está vindo desde o próprio governo Lula, no segundo governo, quando as coisas foram meio que ficando soltas. Depois veio o governo da Dilma, que foi catastrófico economicamente e culturalmente, e agora chegamos ao ápice com uma figura como Jair Bolsonaro, fruto da própria política do PT. Não sei para onde correr. Toda forma de resistência será válida agora, porque um país do tamanho do Brasil não pode viver sem cultura.