Em meio às incertezas que rondam a Ancine e seu papel no fomento e regulação dos filmes nacionais - que incluem a possível extinção ou perda de autonomia - a instituição se vê cerceada quanto à imposição de censura por parte do governo.
O presidente Jair Bolsonaro já havia demonstrado a intenção de barrar a possibilidade de captação de recursos por certas obras, utilizando como exemplo Bruna Surfistinha (2011). Durante um pronunciamento durante o dia 16 de agosto, ele mirou especificamente projetos relacionados à pluralidade sexual e de gênero, mencionando nominalmente as obras que seriam vetadas.
Entre elas estão Afronte, versão em longa-metragem do premiado curta-metragem de Bruno Victor Santos e Marcus Azevedo, sobre a vida de jovens homossexuais negros no Distrito Federal. Transversais, série de Allan Deberton sobre a vida de cinco transexuais no Ceará, Religare Queer e O Sexo Reverso também foram mencionadas.
"A vida particular de quem quer que seja, ninguém tem nada a ver com isso, mas fazer um filme mostrando a realidade vivida por negros homossexuais no DF, não dá para entender. Mais um filme que foi para o saco", afirmou Bolsonaro, conforme relatado pela Folha de São Paulo. "Se não houvesse mandatos, já tinha degolado tudo", completou.
Embora o governo utilize o termo "intervenção", o veto pessoal do presidente corresponde à definição de censura, de acordo com o dicionário: "Restrição, proibição ou modificação de obras informativas, literárias, teatrais, cinematográficas, de artes plásticas ou de cultura de massa segundo critérios morais, políticos, religiosos".
A API, Associação de Produtores Independentes do Audiovisual, emitiu uma nota a respeito: "Repudiamos tal atitude pois entendemos que não cabe a ninguém, especialmente ao presidente de uma república democrática, censurar arte, projetos audiovisuais e filmes". Os diretores e produtores dos projetos mencionados por Bolsonaro também emitiram notas abertas de repúdio à decisão.
Bruno Victor Santos afirmou ao Correio Braziliense: "Ele é extremamente ignorante ao pensar que filmes como esse, que falam sobre nós, não deveriam ser produzidos. [...] Se o racismo fosse levado a sério no Brasil não teríamos um presidente como esse. Falta ele estudar. O cinema está aí para refletir todas as realidades”.
Entre os filmes brasileiros já concluídos, com lançamento previsto até o fim de 2019, encontram-se diversos projetos que pensam a questão racial, de gênero e sexualidade, como Bacurau, O Corpo É Nosso, Carta para Além dos Muros, Sócrates, Greta, A Vida Invisível e Marighella.