Primeiro filme brasileiro premiado na mostra competitiva do Festival de Cannes desde Linha de Passe, exibido em 2008, Bacurau foi o grande acontecimento de Gramado neste início de festival. Não só pelo protesto feito pelo diretor Kleber Mendonça Filho, pedindo respeito aos profissionais da cultura no país, mas tambem pela boa recepção que o filme teve junto ao público local. Logo, nada mais natural que a coletiva de imprensa do longa-metragem, realizada neste sábado pela manhã, tivesse uma plateia abarrotada.
Ressaltando sempre a importância do trabalho coletivo, tanto Kleber quanto o também diretor Juliano Dornelles exaltaram a equipe que tinham em mãos, especialmente o elenco formado por atores de diferentes etnias e regiões do país. Ícone do cinema brasileiro, graças a papéis memoráveis em filmes como Dona Flor e Seus Dois Maridos e Aquarius, Sonia Braga aproveitou a oportunidade para falar um pouco de Domingas, sua personagem em Bacurau, bem distante do habitual glamour exibido pela atriz no cinema nacional.
"Preciso antes entender a personagem, de onde ela brota. Foi muito mais simples fazer este personagem porque a vejo dentro desta história coletiva. Quero dizer também que dediquei esta personagem a Marielle [Franco] e que também quero saber quem matou Marielle", sentenciou, seguida por longos aplausos.
Os diversos simbolismos presentes em Bacurau percorreram toda a coletiva de imprensa, por mais que Kleber repetidas vezes tenha dito que não queria explicar seu filme, preferindo deixar que o público o decodificasse por conta própria. "Você não acorda um dia e diz que hoje o roteiro terá várias simbologias, você vai escrevendo e ele vai se desenvolvendo muito naturalmente", disse o diretor. "Hoje, é fantástico ouvir que a escola e o museu são fortalezas da comunidade. Inclusive, o museu é um lugar onde duas vezes personagens oferecerem a visita a outros personagens, e ouso dizer que essa é uma coisa muito brasileira, eles negam e dizem estar sem tempo, não têm interesse. Talvez tivesse sido útil a eles ter ido naquele museu, esta é a ironia."
Questionados de onde vinha tamanho ódio, refletido no filme e na própria realidade brasileira tão polarizada, os diretores ressaltaram que sua maior inspiração ao escrever o roteiro não foi o momento atual do país, mas a Guerra do Vietnã e o Gueto de Varsóvia. "A gente se inspirou muito no Vietnã como resistência", disse Dornelles. "A resistência dentro do Gueto [de Varsóvia] era simplesmente tentar sobreviver, usando violência porque era uma situação extrema", complementou Kleber. "Vale dizer que a violência por vezes transforma, mexe com os instintos [..] O problema é que a violência sai do controle, mas não é revanche. É resistência", finalizou Dornelles.
Com estreia nos cinemas brasileiros agendada para 29 de agosto, Bacurau é um dos candidatos à vaga brasileira ao próximo Oscar de melhor filme estrangeiro. Confira nossa crítica!