Os cinéfilos talvez não se lembrem do período em que o faroeste era um dos gêneros mais populares dos cinemas. Os anos 1940 a 1970, em especial, trouxeram dezenas de westerns clássicos opondo o mundo ocidental ao oriental, os "homens civilizados" aos índios e estrangeiros que resolviam suas diferenças em duelos.
Os "bang-bangs" mais conhecidos ainda são os americanos e italianos, mas o Brasil produziu uma boa quantidade de faroestes adaptados à nossa realidade, muitas vezes transpondo as regras do gênero ao sertão nordestino e fundindo a figura do caubói com o cangaceiro e/ou justiceiro à brasileira.
O cinema brasileiro possui faroestes cômicos, sombrios, e muitas produções críticas em relação ao colonialismo, o machismo e a oposição do Nordeste ao Sul-Sudeste. Dia 29 de agosto, os cinemas recebem a estreia de Bacurau, uma releitura bastante contemporânea do western que desponta como uma das produções brasileiras mais aguardadas de 2019.
Esta é uma boa oportunidade de relembrar a diversidade do faroeste brasileiro, desde os clássicos até os raros filmes do século XXI que se arriscam pelo gênero:
1. Bacurau (2019)
O faroeste é apenas um dos gêneros da curiosa obra dirigida por Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho. O filme, vencedor de um inédito Prêmio do Júri no Festival de Cannes, navega entre a fábula social, o terror e a sátira corrosiva ao cinema de ação norte-americano, enquanto faz uma crítica à atual política brasileira. Um dos aspectos mais interessantes desta narrativa labiríntica é a defesa da coletividade como arma para desafiar os poderosos e promover as verdadeiras revoluções. Até por isso não existe um protagonista único na trama que divide atenções entre vários atores, incluindo Sônia Braga, Udo Kier, Karine Teles e Bárbara Colen.
2. Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964)
Frequentemente considerado um dos melhores filmes nacionais de todos os tempos, o projeto de Glauber Rocha traça uma espécie de resumo do imaginário social brasileiro, confrontando vaqueiros a coronéis, céticos a religiosos, matadores fora da lei a justiceiros amparados pelas forças de ordem. As questões de gênero, classes sociais e reforma agrária são abordadas com a visceralidade típica do diretor, que também criou outros filmes de cangaço, como O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969).
3. O Matador (2017)
A primeira produção original da Netflix no Brasil foi o faroeste dirigido por Marcelo Galvão. A história se situa nos anos 1940, quando um homem procura por suas raízes e descobre que o pai foi um famoso assassino. Logo, Cabeleira (Diogo Morgado) decide seguir os passos do pai. A produção não conquistou críticas muito elogiosas (vide o nosso texto), mas serviu a consolidar a carreira do cineasta, que já tinha demonstrado interesse nos filmes policiais e de ação com Bellini e o Demônio (2008).
4. Rifle (2017)
Partindo de um gênero historicamente popular, o diretor Davi Pretto privilegiou uma abordagem mais autoral e sensorial do que propriamente de ação. Na trama, um jovem começa a andar armado após as tentativas constantes de invasão de seu território. Mas o resultado é prejudicado pelo ritmo, de acordo com a crítica do AdoroCinema: "uma saga intimista de revide, onde a revolta por uma situação inevitável resulta em consequências súbitas e, de certa forma, impiedosas. Tudo em ritmo bastante lento, o que por vezes se torna um problema para a narrativa".
5. Comeback (2017)
Em fim de carreira, o veterano Nelson Xavier (que já tinha interpretado o Lampião e feito uma participação em O Cangaceiro Trapalhão) encarna a figura do assassino aposentado, que aceita guiar um novato para seguir seus passos. Mas diante do descontentamento do pupilo, o pistoleiro volta à ativa. Segundo a crítica do AdoroCinema, os elementos que mais chamam a atenção dizem respeito ao tratamento do tempo e do espaço: "Um local perdido no tempo, onde tudo caminha vagarosamente de forma que os sobreviventes tentem se adequar à nova realidade. Assim também é Amador, o tal matador".
6. A Luneta do Tempo (2016)
Entre as diversas leituras sobre Lampião e Maria Bonita no cinema brasileiro, uma obra recente muito bem-sucedida foi o filme dirigido por Alceu Valença. Irandhir Santos interpreta o papel principal, ao lado de Hermila Guedes. "Há uma vibração inerente que contagia, atrai o espectador para este universo tão próximo e, ao mesmo tempo, onírico. Trata-se não apenas de um mero faroeste, mas [...] um faroeste em tom de cordel, simples assim". Leia a crítica.
7. Matar ou Correr (1954)
Entre os faroestes cômicos, um dos mais famosos é esta paródia de Matar ou Morrer, que se tornou sucesso de bilheteria dois anos antes. Carlos Manga, diretor especialista das chanchadas, dirige Oscarito e Grande Otelo na trama de um homem que acidentalmente vence uma briga de bar e recebe o título de xerife, apesar de não ter a menor aptidão para executar o cargo. Este foi um dos maiores sucessos de público dos estúdios Atlântida Cinematográfica.
8. A Filha do Padre (1975)
Outro faroeste de grande sucesso foi a empreitada do diretor e ator Tony Vieira, assumindo o papel principal na trama sobre um caçador de recompensas que socorre a filha do padre (Claudete Joubert). O forasteiro acaba se envolvendo na busca pelo líder de uma gangue de ladrões que acabam de saquear uma cidadezinha. Ao invés dos tradicionais cenários do sertão, o filme se passa em São Paulo e Rio de Janeiro.
9. Cano Serrado (2018)
De volta aos filmes contemporâneos, uma produção ainda inédita no circuito brasileiro é o faroeste dirigido por Erik de Castro, com Fernando Eiras, Paulo Miklos, Rubens Caribé, Milhem Cortaz e Jonathan Haagensen nos papéis principais. O projeto comprova que nem só de releituras críticas se faz o faroeste contemporâneo: este filme aproveita para retomar o ideal dos tiroteios e competições de virilidade entre os protagonistas, tendo a corrupção policial como motor de conflito. Leia a nossa crítica.
10. O Cangaceiro (1953)
Talvez o primeiro faroeste / filme de cangaço que realmente popularizou o gênero no Brasil tenha sido o projeto do diretor Lima Barreto, inspirado na história de Lampião. A história apresenta um triângulo amoroso entre os cangaceiros Teodoro (Alberto Ruschel) e Galdino (Milton Ribeiro) pelo coração da professora Olívia (Marisa Prado), sequestrada pelos dois homens. Esta foi uma das primeiras produções nacionais premiada nos principais festivais do mundo, levando os troféus de melhor filme de aventura e melhor trilha sonora no Festival de Cannes.