Na noite que encerrou a exibição dos filmes das mostras competitivas no Cine PE 2019, neste sábado (03), a atriz Drica Moraes recebeu o prêmio máximo do festival: o troféu Calunga de Ouro pelo conjunto de sua vasta carreira.
Com um Cinema São Luiz completamente cheio (como de costume ao longo da programação dos últimos dias), Moraes subiu ao palco enquanto era ovacionada pelo público, e começou seu discurso agradecendo por estar viva para testemunhar tamanho carinho das pessoas. "É muito importante este prêmio estar acontecendo através do cinema, minha paixão", disse, antes de agradecer a cada diretor/diretora com quem trabalhou e demonstrar sua admiração pelo cinema pernambucano, o qual considera autoral e que carrega "uma humanidade tremenda e um senso crítico aguçado".
Drica também deu o seu recado com relação ao rumo que o cinema brasileiro está tomando diante de ameaças do Governo relacionadas à Ancine. Em mensagem clara ao presidente Jair Bolsonaro, a atriz se posicionou: "Apesar de você, vamos continuar. Haverá festa com o que restar". Com as palavras "resistir" e "liberdade" ao fim de seu discurso, foi ainda mais aplaudida pelos que estavam ali presentes.
Mais cedo no mesmo dia, a atriz participou de uma coletiva aberta ao público e a imprensa para falar com mais tempo sobre sua carreira. Moraes se considera cria do teatro, mas encontrou no cinema e na TV outras grandes paixões. Logo no início da coletiva, citou um de seus filmes, Bruna Surfistinha, reafirmando que este projeto foi "um trabalho seríssimo e árduo que mobilizou uma equipe enorme".
Ao falar sobre suas personagens mais marcantes, a atriz afirmou que o papel de sua vida é um que ainda não foi lançado ao público. "Eu estou com um filme do Murilo Benício, seu segundo filme, que ainda não possui data de lançamento. Ele fez uma adaptação da peça Pérola, de Mauro Rasi, que é a história de uma matriarca. Eu, como boa mãe, posso dizer que esse filme que está por vir é um dos mais importantes da minha carreira. Eu pude encarnar essa mãe, que eu acho que é meu melhor personagem da vida real. Faço uma mãe super protetora que criou todo um plano de vida para o filho, mas acaba sendo atravessada pelo destino e é muito bonito tudo o que acontece. É o filme da minha vida", garantiu.
Ainda sobre sua carreira, Drica refletiu sobre a presença de mulheres com mais de 40 anos na dramaturgia e o espaço que elas possuem nos roteiros criados. "A maioria da dramaturgia é feita para atrizes entre 20 e 40 anos. Quando você entra nos 50 anos, você entra numa fase muito estranha. A gente sabe que tem muito mercado de consumo, e essa mulher chega a essa fase onde está tudo meio que construído, consolidado e, ainda assim, você continua uma pessoa complexa, cheia de desejos, de esperança e medo... Mas as pessoas escrevem pouco para essa faixa", disse.
No entanto, afirmou que teve muita sorte profissionalmente: "Tive boas oportunidades nos últimos cinco anos e insisto com meus colegas e diretores para que a gente continue estimulando a pesquisa para essa mulher de 50, 60, 70 e 80 anos, para que se fale da complexidade do mundo interior delas. Tem-se falado muito de feminicídio, de abuso sexual, mas eu ainda acho que existe outra camada, que não é só da tragédia que acontece com a mulher, mas de coisas que são muito potentes para serem ditas também."
Fã de Big Little Lies e das trajetórias específicas de cada personagem na série, Moraes continou sua reflexão sobre o papel da mulher na dramaturgia: "As mulheres vivem sob muitos estigmas e pressão, padrões que temos que cumprir. Sobre ter filhos ou não - isso é uma escolha de cada uma. É muito legal falar do 'não padrão'. Precisamos falar sobre a possibilidade de escolha o tempo todo. A mulher está o tempo todo escolhendo o seu caminho para legitimar isso; e é bom que haja uma narrativa, um cinema falando disso."
Sobre seu período de tratamento contra o câncer, a atriz afirmou que aprendeu a se autoconhecer melhor. "Eu acho que o sofrimento te leva para um grau de estabilidade de suas fragilidades. Você bate no fundo, você volta, e isso te dá uma selvageria interna. Quando abrem uma câmera, uma cena onde eu tenha que me colocar emocionalmente, esse turbilhão aparece. Eu aprendi a mostrar, abrir um pouco do meu sofrimento e emprestar essa selvageria da dor, que eu acho que é um lugar bem perturbador, mas quando você não morre você aprende a organizar isso. Eu organizo isso hoje, eu trabalho com muita consciência e muito estudo - mas com muito improviso também. A proximidade que tive com a morte me fez uma atriz mais voraz", disse, antes de completar que interpretar a médica Vera na série Sob Pressão, da Globo, é algo muito prazeroso.