Em 2016, uma resolução da ANCINE tornava obrigatório que todas as redes de cinema adaptassem suas salas ao público com deficiência auditiva e visual. De lá pra cá, no entanto, praticamente nada andou e poucas foram as mudanças vistas neste sentido nas salas de cinema. Hoje, em 2019, o circuito das redes brasileiras passou a seguir com mais afinco este importante processo de acessibilidade a um público que representa cerca de 45 milhões de pessoas (de acordo com o Censo publicado em 2010).
Com exceção de microempresas e empresas de pequeno porte que não podem arcar com os equipamentos necessários no momento, até o dia 01 de janeiro de 2020 todas as salas dos complexos de cinema no Brasil precisam estar equipadas e prontas com alternativas específicas para deficientes auditivos e visuais. Tal medida inclui um visor portátil feito para surdos, com tradução feita em libras, e um fone com tradução e audiodescrição do filme escolhido para cegos, assim como áudio-assistência.
A MUDANÇA JÁ ESTÁ ACONTECENDO, MAS AOS POUCOS
Ainda que não sejam todos os filmes que possuam tal opção, a mudança está ganhando maiores proporções em complexos e algumas distribuidoras de filmes – e muito disso se dá graças ao trabalho que a empresa ETC Filmes faz com o auxílio de profissionais em libras, proporcionando a experiência cinematográfica para milhares de deficientes auditivos no país sem qualquer tipo de interferência (pois seus aparelhos funcionam sem Wi-Fi e com o auxílio de infravermelho para que não haja delay nem interrupção de sinal).
Ronaldo Bettini Junior e Thais Ortega, da ETC Filmes, conversaram com o AdoroCinema sobre no que implica as leis da ANCINE no mercado cinematográfico brasileiro. "O primeiro contato do mercado audiovisual com a acessibilidade foi extremamente negativo. Muitos agentes se referem à determinação da ANCINE como “uma bomba”, “um abacaxi”, “um beco sem saída”. Apesar de a agência ter realizado uma Análise de Impacto em 2015, não se preocupou em apresentá-la ao mercado para salientar os benefícios da conquista desse novo público para distribuidores, produtores e exibidores. A Instrução Normativa nº 128, publicada em 13 de setembro de 2016, caiu literalmente no colo do mercado. O que poderia ser visto como fomento de público, como oportunidade de crescimento para um mercado que sofre cada vez mais com a falta de telespectadores nas salas de cinema, foi interpretado como uma imposição onerosa sem retorno de investimento, mas isso não é inteiramente verdade", explicam.
Esta grande parcela da população já está totalmente inserida no mercado, o que pode indicar grande potencial de consumo para o mercado. Porém, Ronaldo e Thais apontam que o mesmo mercado ainda não está plenamente interessado em aderir à inclusão, e que a solução é simplesmente querer fazer essa jornada acontecer. "O melhor caminho seria o engajamento. Uma inclusão verdadeira, pensada e bem executada. Hoje, a Instrução Normativa nº 145 dispensa a obrigatoriedade de acessibilização para filmes que sejam exibidos em, no máximo, vinte salas simultaneamente, e a resposta das distribuidoras tem sido limitar a exibição de seus títulos a esse número de salas para reduzir custos. Que tipo de inclusão é essa que limita a oferta? O consumidor com deficiência não poderá escolher livremente a qual filme assistir, mas ficará limitado aos títulos de maior propagação", analisam.
EXPERIÊNCIA NO CINEMA
O AdoroCinema teve a oportunidade de visitar uma sala totalmente preparada e equipada para receber espectadores com qualquer tipo de deficiência visual ou auditiva (incluindo pessoas de mais idade que não têm a audição completa). Em uma das salas do complexo de cinemas Itaú do Shopping Frei Caneca, em São Paulo, assistimos a trechos do filme O Rei Leão com o auxílio dos equipamentos de vídeo (com tradução em libras cuja produção foi feita inteiramente pela ETC Filmes) e áudio (um pequeno instrumento que auxilia o espectador a ouvir a áudio-descrição juntamente com a dublagem do filme).
ADAPTAÇÃO GRADATIVA
Para Ronaldo e Thais, ainda não se sabe se haverá uma espécie de autuação para as empresas que não cumprirem com as exigências determinadas até o prazo limite, pois a aquisição da tecnologia acessível não garante seu uso imediato. A divergência de tipos de trabalhos para cada lançamento de filme (que faz variar até mesmo o equipamento utilizado, não sendo todos os cinemas que utilizam os produtos da ETC Filmes) ainda soa muito forte, e ambos sabem que o caminho a ser trilhado ainda é longo.
"A Lei Brasileira de Inclusão, sancionada em 6 de julho de 2015, representa um marco regulatório e legislativo para o Brasil, uma vez que nenhuma outra lei foi desenvolvida de forma tão aberta e democrática, podendo influenciar outras nações a entenderem que pleitos como inclusão e acessibilidade devem ser tratados como prioritários nas políticas públicas. E a Instrução Normativa nº 128, baseada no artigo 42 da LBI que diz: 'A pessoa com deficiência tem direito a programas de televisão, cinema, teatro e outras atividades culturais e desportivas em formato acessível', carrega o mesmo potencial", explicam.
Segundo os profissionais, o Brasil é o primeiro país no mundo a desenvolver uma tecnologia que permite a fruição individual de recursos de acessibilidade dentro das salas de cinema. "Esta é uma conquista digna de manchete de primeira página, mas que continua anônima a seus próprios beneficiários", refletem. Mas, no que a lei está permitindo e movimentando, é visível que a acessibilidade não tardará a alcançar seu público de maneira mais ampla, digna e respeitável com o passar dos próximos meses.
Abaixo, confira os materiais exclusivos feitos pela ETC Filmes, com o trailer acessível e a apresentação dos personagens de O Rei Leão para a comunidade surda: