Derrapada: Filme inspirado em obra de Nick Hornby retrata ocupação das escolas de 2016 (Visita a set)

Dirigido por Pedro Amorim (Divórcio), produção acompanha skatista que descobre que namorada, líder estudantil, está grávida.

Helena Barreto

Parque Madureira, Rio de Janeiro. O local foi o foco das filmagens de Derrapada, novo filme de Pedro Amorim, conhecido por comandar produções como Mato Sem CachorroDivórcio e Eu Sou Mais Eu. Apesar de ambientado em Madureira, o longa-metragem foi gravado em Cataguases, Minas Gerais, cujas locações são bastante similares ao bairro carioca.

O AdoroCinema visitou o set do filme em abril deste ano, acompanhando uma cena do início do roteiro, quando o casal protagonista, Samuca e Alicia, se conhece (ou re-conhece, como a atriz Heslaine Vieira deixou escapar) no Parque Madureira, após o rapaz levar literalmente uma derrapada na pista de skate.

Inspirado no livro "SLAM", do escritor e roteirista Nick Hornby, o filme acompanha Samuca (Matheus Costa), um skatista de 17 anos cuja namorada descobre que está grávida — repetindo o fato, a "derrapada" que também aconteceu com a mãe (Nanda Costa) quando engravidou dele. A partir daí, o longa trata de assuntos delicados, como família, gravidez na adolescência, preconceito e vai além, trazendo como pano de fundo as ocupações das escolas em 2015 e 2016.

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Adaptação literária

Apesar de ser baseado na obra literária de Nick Hornby, Derrapada passou por uma série de mudanças em sua trama, para adaptar para a versão brasileira. Conhecido por roteirizar os filmes LivreEducação e Brooklyn, e teve as obras literárias "Alta Fidelidade", "Febre de Bola" e "Um Grande Garoto" adaptadas para as telonas, o autor aprovou a primeira versão do roteiro logo após a compra dos direitos de adaptação de "SLAM". Mas, desde então, muita coisa mudou.

O enredo do filme levou três anos para chegar ao que será visto nas telas. De acordo com a roteirista e produtora executiva Izabella Faya, da 3 Tabela Filmes, inicialmente "ela era muito parecida [com o livro], quase literal. E, então, começamos a receber algumas críticas, principalmente quando o Fernando Meirelles entrou no projeto", disse Izabella em entrevista ao AdoroCinema, comentando que o cineasta atuou como consultor durante cerca de quatro meses e apontou que a trama não parecia muito brasileira.

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Abrasileirado

Algumas das principais mudanças foram a etnia da protagonista Alicia e a ocupação das escolas como pano de fundo da história. "[O filme] foi ficando muito mais parecido com nossa realidade, minha e do [diretor] Pedro [Amorim], e foi até as ocupações de 2016", disse a roteirista. "Na história original no livro, a Alicia é uma menina meio tola, muito bonita, que quer ser modelo e ela conhece o Samuca", continuou Izabella. "Então, começamos a falar: 'Não, a mulher mudou, vamos colocar essa menina uma líder estudantil negra, de uma família negra, empoderada, super bem-sucedida', isso tudo sem mudar uma palavra no roteiro", afirmou, explicando que Derrapada buscar inverter o preconceito. "[Essas mudanças] dão uma entretida nessas expectativas, porque [os pais negros e bem sucedidos] chegam na casa da mãe branca [pobre] e acham que o menino engravidou de propósito a filha deles, porque ela é uma pessoa incrível, uma mulher que tem um super futuro. A história é dessa família que conseguiu 'vencer' e não quer que a filha perca tudo isso por causa de uma gravidez adolescente."

Para o diretor Pedro Amorim, que também contribuiu para o roteiro, adaptar a trama para o Brasil foi fácil. "Achamos que ia ser um mega desafio e vimos que dá para adaptar uma história tão universal. Estamos falando sobre gravidez na adolescência que é um fato recorrente no mundo inteiro, no Brasil principalmente. É um assunto sério, que gera muito polêmica. Que decisões tomar? Aborta ou não aborta? E adaptar ele aqui pro brasil que está neste momento meio conturbado, onde essas questões estão tão inflamadas e acesas, acho que é um momento propício para gerar discussão a respeito do assunto." Segundo ele, não foi pelo dinheiro mas pela responsabilidade de trazer um tema como esse à tona, e por se identificar com o protagonista Samuca. O cineasta revela que costumava andar de skate na juventude e também viveu com o medo de sua namorada ter engravidado na adolescência (mas foi alarme falso).

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A produção ainda trata de temas delicados como amor, família, a questão do pai ausente, o empoderamento tanto da mulher quanto da família, o direito de a mulher escolher ter ou não seu filho, e como seria criar uma criança na adolescência. Felizmente, Nick Hornby achou interessante as mudanças do roteiro, assim que Izabella explicou a ele o contexto de contar uma história sobre ocupação nas escolas, especialmente no momento da educação pelo qual o Brasil está passando. O autor inclusive deve vir ao país para a estreia do filme, que provavelmente acontecerá em 2020.

Identificação

Não só o diretor Pedro Amorim teve identificação com o enredo. Isso também aconteceu com Heslaine Vieira (Pedro e Bianca), que vive Alicia. "Quando eu li a sinopse do filme, eu juro para você, eu percebi que era o trabalho que eu mais quis fazer na minha vida'. Porque essa história contagia de um jeito que quando você vê, já está presa, e não consegue mais parar de ler o roteiro, ou, no caso, de ver o filme. É impressionante, os personagens são muito de verdade. Eu me olhei na Alicia e falei: 'sou eu nesse momento. E nesse momento eu sou quem gostaria de ter sido na minha adolescência!'", disse a atriz. "A minha personagem me ensinou muito mais do que eu já sabia, ela é muito política, muito determinada, tem opinião. Temos que parar de acreditar que adolescente não tem opinião", ponderou.

"Esse filme é feito para essas pessoas se identificarem, para as pessoas entenderem a importância do movimento estudantil e do movimento jovem, de como eles pensam, nós pensávamos, e hoje em dia cada vez mais. Então quando você assistir isso hoje, esse filme é atual, esse filme não é só de 2016, mas está falando a realidade que a gente está vivendo hoje, para esse jovem que está vivendo e que é politizado sim, e que sabe o que está fazendo", afirmou. Heslaine também espera que Alicia inspire outras mulheres, considerando que o filme foge de rótulos. "As meninas como eu vão ver essa moça na tela se empoderando, sendo ativista, sendo feminista, sendo politizada, vão falar: 'Caramba, essa menina sou eu', ou 'Eu posso ser assim' ou 'Eu posso me inspirar nessa personagem, nessa Alícia tão forte, e tão delicada e tão astral'. Porque também tem esse mito, de que feminista não é delicada, de que feminista é uma coisa só. Aqui não tem rótulo".

Helena Barreto

Sob medida

O personagem de Samuca foi escrito especificamente para Matheus Costa (Cinderela Pop), em seu primeiro protagonismo. Após ter trabalhado com Pedro Amorim no filme inédito Carlinhos e Carlão, e da série da produtora 3 Tabela Filmes, Ernesto, o Exterminador de Seres Monstruosos (e Outras Porcarias). Segundo o ator, foi uma experiência incrível. "Eu fiquei sabendo desse projeto há anos atrás e, desde então, fiquei muito lisonjeado. Ver saindo do papel e acontecendo, para mim, está sendo uma experiência única, de poder fazer parte desse processo de criação. Eu já tinha feito um protagonista que eu dividi com dois atores, no Chico Xavier. Mas ter um protagonista nas minhas mãos, onde eu posso também fazer parte do processo criativo, fazer parte do início, meio e fim do processo do filme... Eu estou em todas as diárias, em todas as cenas, então é uma coisa nova para mim."

Comédia dramática

Enquanto a produção retrata temas delicados, também contém um pouco de humor, ao que Izabella Faya descreve como "comédia dramática", "comédia densa". Nesse sentido, Coelho, melhor amigo de Samuca, interpretado por Leandro Soares (Vai que Cola - O Filme), é o responsável por trazer o alívio cômico. "Ele é a única parte engraçada", explica o ator. "Como a gente lida com temas mais sensíveis, mais delicados, quando a gente vai para o Coelho, é palhaçada. É o amigo sem opção, maconheiro, falando m* para a gente poder dar risada e voltar para o tema sério porque ninguém aguenta duas horas de tema sério, não é? Você fica ali no tema sério, dá uma risadinha e volta, uma risadinha e volta. O barato do cinema é isso, dos gêneros estarem misturados. Tem um drama, mas tem o alívio do cômico, apesar do cerne ser dramático."

Helena Barreto

Madureira

Outra mudança essencial foi o local onde o filme seria ambientado: Madureira, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, ao invés de obviamente Londres, na Inglaterra. Enquanto a Izabella Faya tem uma conexão pessoal (sua avó é de Madureira), Para Pedro Amorim, a escolha veio por conta do Skatepark lá localizado, um dos melhores da América Latina, além de poder mostrar outro lado do Rio de Janeiro. "É um lugar onde a cena do skate é muito presente, e poder contar uma história que em princípio se passa em Londres e adaptá-la para o subúrbio carioca, Madureira. Sair do Cristo Redentor, do Pão de Açúcar e retratar aqui a Zona Norte de uma forma pop, mas ao mesmo tempo tratando sobre temas pesados", explicou o cineasta. "O filme não é exatamente um drama que você corta os pulsos, mas ele também não tira o pé, sabe? Ele fala dos dramas com drama, está mais para drama do que comédia, apesar de tratar de certos temas com uma forma mais leve", antecipou.

A inserção do skatepark veio também com uma participação especial: o skatista norte-americano Bob Burnquist. "Ele veio aqui dar pinta, vem andar aqui, ajudou, inclusive, a fazer coisas da pista, deu pitaco, teve campeonato aqui".

Aprendiz de skatista

Um dos motes do enredo é uma das difíceis manobras que Samuca almeja fazer, que representam seus altos e baixos e suas derrapadas na vida. Para tanto, o protagonista Matheus Costa e os demais atores precisaram aprender (ou aprimorar) andar de skate. "Eu não sou de andar de skate, eu não andava de skate, eu andava de subir no skate e ir para frente e para trás. Eu nunca fui em pista, fui uma vez na vida e outra na morte, nunca andei com essa galera, mas eu tenho amigos muito próximos que andam", disse Matheus, contando algumas de suas inspirações para seu personagem. "O Samuca é uma pessoa muito tímida, muito introspectiva, ele guarda muito as coisas para ele. E tem duas válvulas de escape, que são os momentos que ele se liberta, fica até fisicamente diferente, quando está desenhando e quando está no skate, principalmente na pista. Ele se transforma, é um talento natural, é uma maneira de ele se expressar."

Helena Barreto

Leandro Soares também teve esse desafio, fazendo cerca de dez aulas de skate para trabalhar na produção. "Na minha vida eu só tinha brincado no skate, não tinha a habilidade de nada e precisei desenvolver correndo para o filme. É claro que tem dublê para cenas absurdas que eu jamais faria mas para quando eu entrego a cena para ele, eu subo no skate, vou andando e tal eu tenho que entregar e enganar o cinema direitinho. Porque eu abaixo para fazer a manobra, quando eu pulo já é o dublê, mas eu preciso passar credibilidade da forma que que ando, que eu pego impulso, que eu desço e tal. Então isso a gente trabalhou bastante com o professor, que ensina o skate com técnica".

Já Heslaine Vieira contou que teve que aprender a andar de patins, inclusive para a cena que o AdoroCinema foi assistir. "Eu comecei a fazer aula um pouco antes de saber do filme, só para andar na orla. Se eu contar que essa foi uma das cenas mais difíceis que eu já fiz, você não acredita, porque, teoricamente, depois de fazer aula, deveria ter sido fácil, mas, aqui é muito lisinho, é muito diferente, eu tomei uma micro surra, mas a cena ficou legal, e é o que importa."

Locações

Ainda que tenha sido ambientado em Madureira, o filme foi 80% gravado em Cataguases, Minas Gerais. "Um dos nossos grandes parceiros foi o Polo de Audiovisual da Zona da Mata no interior de Minas Gerais. E a Energiza, que é a companhia de luz de Minas, está se expandindo por aí e está realmente focado em audiovisual e cultura", explicou Pedro Amorim. "Em um momento onde a cultura está sendo jogada no ralo, eles são uma das poucas empresas e polos que estão ali na contenção não deixando a peteca cair. É impressionante, eles estão fazendo um projeto atrás do outro. Eles queriam entrar no projeto e, obviamente, boa parte do filme teria que ser filmada lá, como contrapartida", disse o diretor. "Falamos: 'Pô, será que dá pra gente fazer Madureira em Cataguases? Não só Madureira, mas Tijuca também?' No início, achamos que não ia dar, mas quando começamos a ver as locações, os interiores e algumas outras coisas, vimos que os entornos de Madureira são muito parecidos com os entornos de Cataguases. E até os exteriores a gente conseguiu filmar", disse ele, explicando que existe, inclusive, uma cena em que Samuca vai para Cataguases. "Tem um momento de escape do garoto que ele vai para lá, em um momento com os pais, então conseguimos unir o útil ao agradável sem ficar forçado, foi muito bacana."

"Foi uma logística muito mais tranquila, muito mais barata para nós, porque os deslocamentos são 5, 10 minutos, todo mundo está junto, mapa de transporte é ótimo, as pessoas estão muito preparadas em Cataguases, na Zona da mata, para filmar", completou a produtora executiva Izabella Faya.

Helena Barreto

Para Matheus Costa, que interpreta o protagonista Samuca, morar em Cataguases por quase um mês ajudou a imergir no personagem. "Eu literalmente fiquei imerso. [No Rio] estávamos gravando a pista de skate e takes no Maracanã, Tijuca. Mas a maioria do filme foi gravado lá e isso ajudou também a entrar nesse mundo. Sair da minha zona de conforto, sair do Rio, da minha casa, eu estava gravando e não voltava para casa, foi uma maneira muito boa de me colocar neste mundo. E a cidade abraçou a gente de uma maneira incrível, foi muito legal. As pessoa estavam sempre de olho no que estávamos fazendo, mas com muito respeito", elogiou.

Derrapada conta ainda com grandes nomes no elenco, entre eles, Nanda Costa, que interpreta a mãe de Samuca; Jussara Mathias e Luis Miranda, que são os pais de Alicia, e Augusto Madeira. O filme não possui data de estreia mas está previsto para 2020.

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