Vingadores: Ultimato é um arrasa-quarteirão na melhor concepção da palavra. Em pouco mais de duas semanas em cartaz, já alcançou quase US$ 2,5 bilhões nas bilheterias globais, ficando muito perto de superar Avatar como o filme que fez mais dinheiro na história do cinema neste planeta.
Os tempos são bem diferentes para cada filme, conforme explicou o Renato Furtado nesta análise acertada. Avatar em 2009 trazia o ineditismo das novas tecnologias (o cinema 3D ainda não era tão difundido) e explorava o fato de ser um filme grandioso, de tema universal e capaz de atingir a todos os público, algo raro até então -- Titanic, outro recordista de bilheterias também dirigido por James Cameron, é um bom exemplo desse tipo de produto. Mas, naquele comecinho de segunda década do século 21, não havia muita concorrência para o tipo de ambição que Avatar se propunha a oferecer. Lançado uma semana antes do Natal daquele ano, o filme levou um mês e meio para superar a marca de US$ 2 bilhões, estacionando na marca dos US$ 2,788 bi, imbatível até hoje.
Ultimato, por sua vez, levou um terço desse tempo para chegar muito, muito perto de Avatar. Se mantiver esse ritmo nas próximas semanas, deve ultrapassar o atual líder com certa folga. As probabilidades nunca estiveram exatamente a favor do desfecho da saga dos Vingadores, mas a gente sabe que expectativas e padrões estão aí para serem quebrados mesmo. Ainda assim, é difícil que o desfile de super-heróis da Marvel supere ...E o Vento Levou, este sim, o verdadeiro recordista de bilheteria em todos os tempos, se considerada a inflação aplicada ao dólar ao longo dos anos (confira esta lista curiosa aqui).
Dez anos atrás, eu não entendia bem o tamanho sucesso de Avatar, mas percebi que era aquele tipo de acontecimento que não se explica facilmente. As pessoas foram ao cinema motivadas pelo boca-a-boca, pela vontade de conferir algo inédito que só existia em nossas profundas imaginações. Eram tempos mais simples, é verdade. E por mais que a história não fosse lá essas coisas, o filme oferecia uma viagem pela colorida Pandora, um mundo virtual de sonho fantástico, para ser apreciado em alardeadas três dimensões, uma tecnologia alienígena para a grande maioria da população. Todo mundo saía impressionado do cinema. A sensação era a de atravessar a porta de entrada para o futuro, um admirável mundo novo que só a magia do entretenimento poderia proporcionar.
Lembro de perceber que não se falava em outra coisa na cultura pop. Todo mundo parecia curioso para conferir que diabos era esse filme, gente “normal” falava sobre isso no balcão da padaria e no caixa do supermercado, havia reportagens na televisão e nos jornais... E também me atentei a um fato particularmente especial: Avatar foi um filme ao qual até minha tia-madrinha fez questão de ir assistir – ela, que não frequentava o cinema havia décadas (algo que felizmente mudou nos últimos anos).
Neste fim de semana de Dia das Mães, acompanhei ela, mais minha mãe e minha irmã para juntos contribuímos um pouco mais com o faturamento de Vingadores: Ultimato. Minha tia nunca havia visto um filme da Marvel e encarou as três horas bravamente, sem se levantar para ir ao banheiro. Ao final, falou que entendeu tudo e adorou. Minha mãe fez coro. Já minha irmã, que havia feito uma "marveltona" intensiva nas semanas anteriores, compreendeu os detalhes melhor do que eu em minha primeira assistida.
Com as luzes acesas, dei uma olhada no público que lotou a sessão de um cinema de shopping em São Paulo: crianças, jovens, adultos, idosos, casais, grupos de amigos, homens e mulheres -- todo tipo de gente, de uma forma ou outra. Uma plateia tão variada quanto engajada, que parecia apreciar a bagunça que se desenrolava na tela, ou pelo menos fingia entender, e comentava em voz alta quando as peças pareciam se encaixar. E que sabia suspirar e celebrar nos momentos certos.
Talvez as razões para o filme dos irmãos Joe e Anthony Russo estar indo tão bem sejam mais profundas do que as que conseguimos perceber na superfície. Era óbvio que seria um sucesso absoluto, muito por ser a conclusão da franquia mais ambiciosa de todos os tempos, a mais volumosa, complexa e impactante em um curto período de tempo. Mas há algo embutido nessa saga de seres poderosos, vilões engajados e conflitos interplanetários que gera identificação a qualquer indivíduo, seja ele/ela "marvete" ou não.
O Universo Cinematográfico da Marvel foi se construindo e desenvolvendo ao longo de dez anos, com mais de duas dezenas de filmes, alguns ótimos, outros nem tanto. Não dá nem para dizer que foi uma surpresa a maneira como Ultimato encerrou a jornada. Ter assistido a todos os filmes anteriores não é algo essencial para a realização da experiência, porque descontados os tantos encontros e desencontros, linhas do tempo confusas e combates encharcados de destruição irrestrita e irresistível, há uma mensagem essencial pulsante ali no meio, de até fácil absorção.
Ultimato trata-se de uma história de segundas chances. É um debate filosófico sobre superação e redenção. É sobre ser falível, errar e ter a possibilidade de refazer o próprio caminho. Nenhuma novidade aqui -- são aspectos que já vimos e adoramos acompanhar na ficção desde sempre, temas universais que não precisam de tradução. Sob esse ponto de vista, o filme dos Russo Brothers é muito mais para todo mundo do que a aventura virtual de James Cameron jamais será.
Ms também é preciso somar a tudo isso a irresistível máquina do hype, o marketing absurdo da Disney, a ambição em torno de um filme de super-heróis com três horas de duração e sustentado pelo mais estrelado elenco de toda história, o custo de produção altíssimo, os ótimos efeitos especiais... daí, o resultado é até esperado: Ultimato deveria ser o filme mais poderoso de todos os tempos, simplesmente porque foi construído para ser assim. E se você está aqui lendo essas linhas, muito provavelmente colaborou para isso acontecer. Como é se sentir fazendo parte dessa história?
Pablo Miyazawa é colunista do AdoroCinema, apresentador do programa Mitos do Pop e consome entretenimento desde que nasceu, há 40 anos, de Star Wars a Atari, de Turma da Mônica a Twin Peaks, de Batman a Pato Donald. Como jornalista, editou Rolling Stone, IGN Brasil, Herói, EGM e Nintendo World.