Esta semana, chega aos cinemas o vencedor do prêmio do júri no Festival de Sundance: O Mau Exemplo de Cameron Post, drama sobre as terapias de "cura gay" nos Estados Unidos. Chloë Moretz interpreta uma garota levada a um acampamento cristão após ser flagrada fazendo sexo com uma amiga.
O drama demonstra a violência psicológica destes procedimentos, que levam os jovens a "odiarem a si mesmos", nas palavras de Cameron. Ao mesmo tempo, o filme permite abordar o tema com leveza e humor, destacando as amizades formadas dentro do acampamento God's Promise ("Promessa de Deus").
O AdoroCinema conversou com a diretora Desiree Akhavan sobre o projeto, adaptado do livro de Emily M. Danforth:
Como você conheceu o livro e o que te fez acreditar que renderia uma boa adaptação para o cinema?
Desiree Akhavan: O livro foi presente de uma amiga. Eu amei e dei para a minha namorada imediatamente. Na verdade, não foi minha ideia transformar em um filme, minha namorada na época amou também e disse: “Isso vai dar um ótimo filme”. Eu estava muito intimidada porque eu era uma grande fã do livro, eu não queria arruinar ele. Eu não sentia que era digna de readaptar esse livro, mas era uma coisa que eu pensava constantemente.
Quando eu lancei meu primeiro filme e estava viajando com ele, minha produtora disse: “Eu acho que a gente tem que transformar esse livro em um filme” e quando ela me disse que tinha amado, eu confiei nas pessoas ao meu redor porque eu não tinha confiança para fazer sozinha. Foram essas pessoas ao meu redor que disseram: “Você deve ir em frente”.
Quais foram as principais mudanças e concessões que você teve que fazer para adaptar o livro?
Desiree Akhavan: O livro tem 500 páginas, é muito longo. Além disso, ele começa quando Cameron tem 11 anos e vai até os 17 anos. A primeira coisa que eu sabia é que queria restringir as ações somente ao que aconteceu no acampamento God’s Promise. Então, nós nos ativemos principalmente a essa locação e a um pouco da vida dela antes. Esse era o meu foco: eu me ative à personagem.
Filme e literatura são meios muito diferentes. O filme é muito simplista, ele não fornece muito espaço para se aprofundar. Você pode fazer, mas não vai ser tão detalhado quanto o livro. Então, grande parte do trabalho consistiu em transportar a essência e manter a história o mais simples possível. Eu e minha co-escritora, Cecilia Frugiuele, demoramos um ano para conseguir isso.
Como você preparou o elenco? Fizeram pesquisas sobre outros grupos de conversão ou você queria que os atores se ativessem ao roteiro?
Desiree Akhavan: Eu queria que eles fossem verdadeiros com o roteiro. Chloe [Grace Moretz] e eu nos encontramos com vítimas da terapia de conversão gay, então ela conversou com pessoas que sofreram traumas. Mas eu, minha co-escritora e a escritora do livro pesquisamos muito, porque nós três sabíamos que se tratava de algo muito íntimo.
Para os jovens atores, preferia que eles sentissem como se estivessem em uma dessas comédias passadas na escola. Não queria que reforçassem a gravidade do tema. Para muitas pessoas que passaram por essas terapias, esta foi a primeira vez que conheceram outras pessoas gays na vida. Apesar de estarem em uma época terrível, eles também estavam se conectando com indivíduos LGBT pela primeira vez, então não deixa de existir algo carinhoso.
Como você decidiu que formas de violência mostrar ou apenas sugerir no filme?
Desiree Akhavan: Bom, isso foi um reflexo do livro. Nós vemos o mundo pelos olhos de Cameron e a personagem não está em todos os lugares. Ela não está junto de Mark (Owen Campbell) quando ele se mutila, por exemplo. Enquanto cineasta, eu queria que o espectador acompanhasse o mundo dela e foi por isso que optamos pela coerência com este único ponto de vista. Não precisamos ver o horror. Ele está presente quando Mark tem um colapso, durante a sessão em grupo, e se nós fizemos nosso trabalho direito, o espectador vai sentir a violência deste colapso na terapia.
Você diria que se trata de um político, ou que tenha uma mensagem a transmitir?
Desiree Akhavan: Qualquer filme que tenha algo novo a dizer é político. Eu só não quero que as pessoas assistam a isso e sintam que que estão tomando uma dose de remédio, que estão recebendo uma prescrição. Desde a infância, a maioria dos filmes nos diz o que é certo e o que é errado, seguindo um tipo de narrativa moralista.
Eu sempre fico animada quando assisto a algo que desafia minhas crenças, que desafia minhas expectativas. Então, sim, eu acredito que seja um filme político, mas, ao mesmo tempo, eu não acredito que tenha uma mensagem única a passar, nem que esteja julgando os jovens ou os líderes dessa terapia de conversão gay.
Os líderes da "cura gay" poderia soar como vilões, inclusive, mas você evita este caminho.
Desiree Akhavan: Sim, eu pensei que se fizesse meu trabalho direito, os espectadores sentiriam empatia por Lydia (Jennifer Ehle) e Rick (John Gallagher Jr.), entenderiam de onde eles vêm e porque chegaram onde estão. Para mim, como diretora, este era um desafio muito maior que representá-los como vilões. Seria mais interessante como espectador e muito mais desafiador realmente ter empatia por alguém nessa posição.
Mesmo assim, existe uma violência psicológica evidente neste acampamento. Quem você culparia pelos maus tratos: os líderes do acampamento? Os pais que internaram os jovens? Uma ideologia maior?
Desiree Akhavan: Acredito que todos estes sejam responsáveis. Quem você culpa por alguém como Donald Trump no poder, por exemplo? É o medo. Nós vivemos em um mundo de medo, onde as pessoas têm medo de qualquer coisa diferente do que elas estão habituadas. Quando seu filho é gay mas você é hétero, para algumas pessoas esse é um território desconhecido que eles não desejam enfrentar. Então, eles tentam fazer com que você seja com os outros. Então, sim, você culpa o medo, você culpa o governo, você culpa a cultura em que vivemos, você culpa os pais destes jovens.
Mas o que era difícil e interessante para mim era pensar: “Eu sempre quis fazer um filme sobre abuso infantil, mas eu não queria que fosse do mesmo jeito que sempre vi nas telas, de modo pesado e trágico. Enquanto crescia, eu descobri que o abuso sempre vem das pessoas que mais te amam e têm as melhores intenções. Elas estão munidas de discursos carinhosos do tipo: “Eu quero o que é melhor para você”. Isso era muito mais doloroso e muito mais interessante para mim como artista do que sugerir que existem pessoas boas e outras más.
Que reações o filme despertou desde o Festival de Sundance?
Desiree Akhavan: Eu fico muito grata que as pessoas tenham se identificado com Cameron e sua história. Fiquei surpresa com a quantidade de heterossexuais que se identificaram e enxergaram a sua própria adolescência no filme. Eu fiquei preocupada que o filme pudesse dialogar apenas com homossexuais, mas percebi que esta é uma história muito mais universal, e tenho muito orgulho disso. O senso de humor torna essa história muito mais universal.
Que experiências deste filme você vai levar para seus próximos projetos?
Desiree Akhavan: Esse filme foi uma verdadeira colaboração entre muitas mulheres inteligentes da minha vida. Minha co-escritora e produtora Cecilia Frugiuele, minha fotógrafa Ashley Connor, minha editora Sara Shaw. Eu estava muito calma, este era o meu segundo filme e eu queria aproveitar a experiência, para falar a verdade.
No meu primeiro filme eu estava tão nervosa, com medo de ser julgada, que não senti nenhum prazer em filmar. Neste filme eu deixei fluir, deixei as pessoas discordarem e foi prazeroso por causa disso. Esse filme foi melhor porque eu deixei acontecer e tive minhas colaboradoras na mesa comigo. Cada uma delas trouxe isso, então meu trabalho foi possível pela confiança nas pessoas.