Não faz frio em Los Angeles. Ao menos não como em outras localidades do hemisfério norte. Em pleno novembro, no início do inverno de 2018, que colocou algumas das principais cidades dos Estados Unidos debaixo de uma camada aparentemente eterna de neve e sob o terror de temperaturas extremas na casa dos 40 ou 50 graus negativos, a Cidade dos Anjos ia muito bem, obrigado. As ruas ensolaradas por dias dourados e levemente gelados pediam apenas um casaco, e a maioria dos prédios aquecia o corpo. Mas um em específico, um dos muitos galpões dos estúdios de cinema da Califórnia, andava na contramão.
Isto por causa das filmagens do mais novo exemplar do Universo Invocação do Mal: o terceiro filme da franquia Annabelle. E como se a temperatura externa ao frio galpão não fosse um elemento de contraste grande o bastante, as agradáveis palmeiras que ladeiam as avenidas internas do enorme complexo de produção da Warner Bros. e os vários grupos de turistas que fazem o tour do local, ávidos por encontrar itens da série Friends ou dos filmes de Harry Potter, aumentavam ainda mais a disparidade com o ambiente sobrenatural criado pelo roteirista Gary Dauberman (IT - A Coisa) em sua estreia na direção.
Para os fãs mais apaixonados da saga comandado pelo diretor e produtor James Wan desde 2013, este Annabelle 3: De Volta para Casa significará um retorno às raízes em muitos sentidos, a começar pelo regresso dos queridos Ed (Patrick Wilson) e Lorraine Warren (Vera Farmiga), casal de investigadores paranormais que protagoniza a vasta franquia de terror da Warner. Desta vez, no entanto, eles serão apenas os catalisadores da trama, estrelada de fato pela nova princesa do cinema de terror, Mckenna Grace (A Maldição da Residência Hill), a nova intérprete de Judy Warren, filha dos detetives sobrenaturais.
Escrito pelo próprio Dauberman, a partir de um argumento assinado por Wan, a mais nova entrada da trilogia da boneca do capeta caminhará alguns passos para trás para poder avançar. Afinal de contas, Annabelle 3: De Volta para Casa situa-se por volta de um ano após o prólogo de Invocação do Mal, onde o temível brinquedo maligno aparece pela primeira vez, sendo transportado pelos Warren para a sombria e visualmente impressionante Sala dos Artefatos — uma ideia que, aliás, deveria provar aos dois investigadores que não é nada prudente manter um cômodo repleto de itens infernais no porão de casa.
"Cortamos para um ano depois, quando Annabelle já está na casa dos Warren, na Sala dos Artefatos, e Ed e Lorraine Warren são chamados para investigar um caso e Judy é deixada aos cuidados de sua babá [...] O que as jovens descobrem, assim como Ed e Lorraine descobriram antes, é que Annabelle é um tipo de farol para os outros espíritos pela forma como ela ativa os outros artefatos da Sala. Então, a trama em si ocorre entre Invocação do Mal e Invocação do Mal 2", explicou o produtor Peter Safran (Shazam!), mostrando como o projeto poderia ser explicado como uma releitura macabra de Uma Noite no Museu.
Brincadeiras à parte, a alusão à comédia de Ben Stiller ajuda a compreender a natureza de Annabelle 3, um longa que ampliará a quantidade de antagonistas em relação ao seu predecessor, Annabelle 2 - A Criação do Mal. Passear pelo set construído pela detalhista diretora de arte Jennifer Spence é, diga-se de passagem, um deleite para qualquer fã do cinema de terror, e também do cinema em geral. A nova versão da Sala de Artefatos, com seu compêndio de referências aos filmes anteriores do Universo Invocação do Mal e toda sorte de itens interessantes, poderia muito bem fazer parte do tour da Warner Bros., a propósito.
Repleta de objetos inéditos, vindos de todos os cantos do mundo e acompanhados por velhos conhecidos do público, como o samurai, o macaco e a caixa de música, a locação será vista pela primeira vez em sua totalidade no vindouro filme, uma vez que funciona como principal cenário da trama. Repaginada em relação à sua aparição inicial nas telonas, a Sala dos Artefatos é uma verdadeira obra de arte desenhada pela equipe de Spence, cuja atenção aos detalhes é crucial para o resgate e inovação do cômodo, que aterrorizará as jovens protagonistas de Annabelle 3 durante uma única e longa noite, no ano de 1971.
Ao caminhar pela Sala dos Artefatos fica ainda mais fácil compreender porque Safran sempre manda trazer um padre para abençoar todo o set de filmagens de uma obra deste Universo: depois de um tempo, você definitivamente começa a sentir um frio na espinha, e certos objetos parecem começar a se mover, enquanto luzes, que estavam apagadas, parecem ser ligadas como um passe de mágica. Mesmo sem a presença física de Annabelle no salão em si, há algo de estranho, que certamente não pode ser percebido a olho nu, uma espécie de perturbação sobrenatural que causou pelo menos uma ocorrência bizarra.
No momento em que entrou na Sala dos Artefatos pela primeira vez, para gravar uma cena no local, a fofa e pequena Mckenna Grace teve uma experiência para lá de anormal: "Antes do set ser abençoado, algumas coisas aconteceram. Em um dos meus primeiros dias no set, assim que entrei na Sala dos Artefatos, meu nariz começou a sangrar muito assim que eles desligaram as luzes para consertar a iluminação. Sangrou muito. Só parou de sangrar quando saí do set. E eu também encontrei uma porta, que eu tinha fechado antes, aberta. Não foram tantas coisas assustadoras".
A naturalidade com que Grace relata o ocorrido é quase tão assustadora quanto o fato em si. Mas também como esperar algo diferente de uma jovem de apenas 12 anos que tem como um dos maiores sonhos fazer parte de uma hipotética refilmagem de O Iluminado quando for adulta, interpretando a icônica Wendy Torrance (Shelley Duvall no original)? Curiosamente, aliás, Grace é o oposto da figura real na qual sua personagem é baseada, já que a Judy Warren de verdade, hoje com 70 anos, tem medo das investigações realizadas por seus pais — fique tranquila, Judy, nós entendemos e também sentimos medo.
No entanto, a coragem da pequena atriz não é um mero aspecto de fofura de sua adorável personalidade. Demonstrando ter grande potencial como intérprete, Grace, que fez parte de longas como Eu, Tonya e Capitã Marvel, aborda suas personagens como gente grande: "Mantenho um diário onde escrevo como se eu realmente fosse minha personagem. Inventei isso com a minha mãe [...] Existem muitas cenas emocionantes no filme, então isso é desafiador. Mas também existem muitas cenas assustadoras, e gosto delas, então não há nada necessariamente difícil", sacramentou a protagonista de Annabelle 3.
Aliás, Gary Dauberman, na capacidade de diretor, é apenas elogios às suas três protagonistas, que parecem ter auxiliado e muito o roteirista em sua primeira incursão como cineasta: "Nós nunca temos que repetir nenhuma cena por causa de nossas atrizes. Madison Iseman, Mckenna Grace e Katie Sarife são incríveis. Nós normalmente repetimos cenas por culpa minha", brincou o realizador, cuja experiência como escritor de filmes de terror de sucesso como IT - A Coisa e A Freira, além dos outros longas de Annabelle, foi citada como um de seus principais trunfos pelo produtor Peter Safran:
"Acho que nossas cenas de terror surpreenderão o público. Apesar de esta ser a estreia de Gary, ele passou muito tempo no set dos filmes de Annabelle, de A Freira, de It - A Coisa... Não há ninguém melhor posicionado do que ele para fazer a transição de roteirista para diretor, e vocês verão isto no que ele está fazendo, um trabalho incrível em criar sustos originais. [...] Nenhum de nós quer repetir o que já fizemos. A cada filme, dizemos que não queremos fazer outro a não ser que seja uma sequência de valor para o Universo. E é um padrão muito alto agora. Nem sempre temos sucesso, mas este é o objetivo".
A originalidade visual de Annabelle 3, por exemplo, expande-se para muito além da centralização na Sala dos Artefatos. Ao passo em que cenas externas são importantes para o longa, mais do que nunca no caso de um filme do Universo Invocação do Mal, os interiores tomaram precedência, e muito por conta da atuação do time de design de produção: a casa dos Warren é completamente funcional e realista — o chão empoeirado da cozinha conserva seu aspecto original embaixo da geladeira, uma vez que a poeira não entra embaixo do eletrodoméstico com a mesma facilidade com que se acumula no restante do piso.
Jennifer Spence, diretora de arte responsável pelo projeto, trabalhou com tanto afinco e atenção aos detalhes também porque a residência que surgirá neste vindouro terror muito provavelmente será aproveitada nos próximos filmes da franquia, incluindo sua disposição geográfica e os objetos de cena presentes. Tendo isso em mente, Spence inseriu itens, portas secretas e outros detalhes imperceptíveis e sequer requeridos pelo roteiro apenas para ampliar as possibilidades para o futuro da saga:
"Trabalhar em uma locação única é um desafio porque ninguém quer ficar preso em um cômodo durante o filme inteiro. Por isso, precisei criar uma nova versão da casa dos Warren porque, nos filmes anteriores, o cenário não era o foco, então os detalhes foram simplesmente adicionados a partir do que está disponível [...] Você quer oferecer ao público o máximo de agrado visual possível. Então, não penso apenas no que acontece na trama e nas locações das cenas em questão, mas também no que poderia estar acontecendo nos outros cenários", declarou Spence, também responsável pela arte de Shazam! e A Freira.
Apesar do caráter macabro das filmagens, das ocorrências sobrenaturais, do frio na espinha e dos sons inesperados e impossíveis que ecoavam pelo galpão da Warner, como se realmente houvesse uma presença não-humana no local, o ambiente de filmagens de Annabelle 3, repleto de colaboradores de longa data, certamente diminuiu a tensão inevitavelmente causada pela perturbadora e assustadora boneca infernal, sentada em seu tenebroso quarto, à espera de suas vítimas. Até porque o roteiro de Dauberman também guarda algumas surpresas cômicas para aliviar os sustos, o que ajudou a atriz Katie Sarife.
Intérprete de Daniela, a jovem declarou ser fã de filmes de terror, mas que também se sentiu bastante assustada com o brinquedo do mal no centro deste projeto, principalmente porque teve péssimas experiências com bonecas durante a infância: "Tenho medo das cenas de terror porque as bonecas eram meu maior medo quando criança. Nunca me deixaram sozinha com Annabelle. Sempre que olho para ela acho que os olhos dela estão me seguindo. É bom porque posso usar meu passado para me ajudar no trabalho".
A personagem, aliás, cai como que de paraquedas na vida de Judy durante seu fim de semana de aniversário: "Ela é a mais aventureira das três protagonistas, é muita sincera, divertida. O pai dela faleceu e agora ela sente uma espécie de responsabilidade por isso, o que dá o pontapé inicial em sua curiosidade pelo além-vida, pelo sobrenatural. E aí ela ouve falar sobre Ed e Lorraine e as investigações deles sobre o mundo sobrenatural e isso funciona como um gatilho pela curiosidade. Ela está buscando respostas [...] Foi desafiador encontrar estas emoções misturadas à sua personalidade divertida".
O senso de humor que está presente no papel de Sarife também expande-se para outros elementos do roteiro, no qual Dauberman incutiu certas doses de comédia para reduzir o estresse provocado pelos sustos: "Naturalmente, nós nos tornamos cada vez melhores em criar cenas assustadoras. E acho que este filme tem monstros muito únicos, que estamos introduzindo agora [...] Gary tem mais facilidade com o humor do que outros diretores do Universo Invocação do Mal [...] Ele está trazendo muito humor com uma válvula de escape à tensão", explicou Peter Safran.
Monstros e criaturas inéditos à parte, é claro que o núcleo de De Volta para Casa é a boneca-titular, recriada por uma equipe especializada em efeitos visuais para ser ainda mais aterrorizante do que nos longas anteriores. Encontrá-la sentada em sua quase simpática cadeira de balanço, com os olhos de vidro, a pele cinzenta, o vestido macabramente ingênuo e marcas do tempo em seu corpo de madeira só deve mesmo ser menos apavorante do que a versão final de Annabelle nas telonas, acompanhada devidamente pela montagem e por toda a trama ao seu redor. Porque se sozinha ela já é intimidante, imaginem no filme.
Com um investimento tão sólido e um desenvolvimento tão consciente de um universo compartilhado de filmes de terror, Safran e cia. têm altas expectativas para Annabelle 3, principalmente nos lados de cá do planeta: "A América Latina tornou-se um dos maiores mercados para o Universo Invocação do Mal. De fato, mesmo antes da franquia, já parecia haver uma grande fascinação na América Latina pelos suspenses sobrenaturais de terror. E os fãs latino-americanos abraçaram o Universo Invocação do Mal. [...] É um mercado significativo para nós. E acho que isso acontece por uma combinação de fatores".
"Acho que nossos filmes funcionam na América Latina porque tendem a ser baseados em fé. Não são necessariamente religiosos, não são ligados a nenhuma religião em particular, mas há o conceito da batalha entre o bem e o mal, com a fé sendo o mais importante trunfo, a mais importante arma nesta batalha. Acho que isso faz muito sucesso com os países mais religiosos da América Latina", teorizou o produtor, que aproveitou a ocasião para debater as amplas possibilidades narrativas que são constantemente abertas pela reação do público aos filmes de Invocação do Mal:
"Como descobrimos em Invocação do Mal 2, você nunca sabe o que encantará o público. Nós realmente pensamos que o Homem Torto seria a revelação de Invocação do Mal 2, mas as pessoas ficaram fascinadas pela Freira. Eles a amaram. Recebemos muitas mensagens na internet com perguntas sobre quem é a Freira, sobre sua origem, sobre Valak... Então, fazer um derivado era apenas natural. Nós temos nossas próprias ideias sobre Annabelle 3, mas suspeito que será o público que dirá que direção devemos seguir no fim das contas", situou Safran.
Após De Volta para Casa, a franquia retornará ao seu centro nervoso: a saga Invocação do Mal, que pela primeira vez não terá a direção de James Wan, agora ocupado com o Universo Estendido da DC e as aventuras de Aquaman. Comandado por Michael Chaves, de A Maldição da Chorona, Invocação do Mal 3 representará uma espécie de ruptura dentro da trilogia em si, mas será, como de costume, acompanhado de perto por Wan, o guardião do Universo Invocação do Mal e principal responsável por garantir que tudo saia dentro dos conformes, mesmo longe da cadeira de direção:
"Não sei se ele retornará à direção do Universo Invocação do Mal em um futuro próximo. É o meu instinto. Quando ele fez Invocação do Mal 2, ao meu ver, ele deu o máximo de si. Ele aplicou tudo o que aprendeu sobre fazer filmes naquele projeto para atingir seu auge nos suspenses sobrenaturais. Então, ele precisaria ter uma ótima razão para voltar, uma história que queira muito contar porque ele atingiu o auge. Fiquei muito feliz quando IT - A Coisa foi o sucesso que foi porque isso talvez desafie James a retornar ao cinema de terror para tentarmos derrotar a bilheteria deles", opinou Safran.
Os planos de Safran e Wan podem se resumir aos lançamentos imediatos de Annabelle 3 e Invocação do Mal 3, mas é claro que eles já consideram quais serão os próximos passos, incluindo o filme do Homem Torto, cujo roteiro está em desenvolvimento: "Enquanto tivermos boas histórias para contar, continuaremos a contá-las [...] Acho que, inevitavelmente, existem mais histórias para contar, e nós estamos preparando bons antagonistas, assim como fizemos em Invocação do Mal 2 e A Freira, que podem ganhar seus próprios filmes. Ou que podem aparecer em um possível Annabelle 4, ou o que quer que seja".
Annabelle 3: De Volta para Casa estreia no dia 27 de junho. Invocação do Mal 3, por sua vez, ainda não tem previsão de estreia no Brasil.