"Se a vida é uma viagem, o importante é viajar de primeira classe". Jorge Eduardo Guinle, famoso playboy do Rio de Janeiro, ficou conhecido nos tabloides como "o homem que nunca trabalhou". Vivendo da renda da família milionária, ele transitou por festas luxuosas do Copacabana Palace, bailes com celebridades de Hollywood e encontros com presidentes.
Para retratar esta vida de excessos, o diretor Otávio Escobar optou por uma mistura entre documentário e ficção: além dos depoimentos de familiares, o ator Saulo Segreto interpreta o protagonista na recriação de episódios marcantes da vida de Jorginho.
O AdoroCinema conversou com Escobar e Segreto sobre o projeto, que já está em cartaz nos cinemas:
De onde veio a ideia de fazer um filme sobre Jorginho Guinle?
Otávio Escobar: A ideia é curiosa. Nós somos uma produtora, já estamos no nosso segundo filme, e a gente recebeu a visita do Gabriel Guinle e da Georgiana Guinle, que queriam fazer a história do pai. Eu achei extraordinário, porque o Jorge Guinle ocupa um espaço no imaginário coletivo. Desde cedo ele não quis trabalhar, e depois morreu pobre, dentro no Copacabana Palace. Eu não queria fazer um documentário, e sim um filme de dramaturgia. No final, acabou sendo uma mistura dos dois.
O Jorge Guinle atravessou décadas, ele é de 1916 e veio morrer em 2004, no começo do século XXI. Nessa travessia, queira ou não, ele passou pela história do Brasil, porque a família dele foi uma das mais ricas do país até a primeira metade do século XX. Esta era uma bela oportunidade de contar a história do Brasil e as mudanças que ocorreram na nossa sociedade através do olhar desse bon vivant. Para isso usamos imagens de arquivo, usamos a dramaturgia, usamos a trilha sonora e usamos os depoimentos para conduzirem essa história através das décadas.
Era importante para vocês reproduzirem os gestos e a aparência do Jorginho?
Saulo Segreto: O Otávio me levou para ver todas as entrevistas, que ficaram prontas antes da ficção. Eu me mijei de rir, e depois de um tempo, disse: “Caraca, esse cara nunca vai me contratar”. Fiquei pensando: “Gente, quem são essas pessoas?”. Mas depois que eu saí do teste, desci a rua e a produtora de elenco me ligou e falou: “Saulo, você pode voltar aqui?”. Pensei: “Pronto, deu alguma coisa errada, não gravou”. Mas ela falou: “Volta, eu quero te apresentar a equipe”. Foi a resposta de teste mais rápida que eu já tive na minha vida.
Otávio Escobar: Não me arrependo de nada, foi excelente. O Saulo incorporou o Jorge Guinle perfeitamente, ele entra em cena jovem e termina como ancião. É uma transformação e um belo trabalho como ator. Essa é a coisa curiosa, essa coisa do personagem… A Georgiana Guinle, filha do jorge Guinle, que até dá depoimento no filme, me disse, assim que viu o resultado final: “Tem coisas que você escreveu aí que o meu pai não disse, mas diria. Então, está bom”. Com Saulo é igual: tem coisas que ele incorporou que o Jorge Guinle não fez, mas teria feito.
De que maneira documentário e ficção dialogam no filme?
Otávio Escobar: É uma convenção com o espectador: você estabelece de entrada que você vai usar, no meu caso, quatro elementos. Eu ia usar música, ia usar dramaturgia, imagens de arquivo históricas e do próprio personagem, e os depoimentos. Tudo isso seguiria uma linha narrativa: a minha preocupação era a linha narrativa, não importa qual elemento desses quatro eu estaria usando naquele momento da história.
Quando você começa a mudar de linguagem, mas permanece fiel à linha narrativa, você estabelece uma convenção com o espectador. Se causa um estranhamento no início, logo depois acredito que o espectador aceite e compreenda.
Existem dificuldades particulares em interpretar um homem de décadas atrás?
Saulo Segreto: Eu nunca pensei dessa forma. Sempre penso no que o personagem está fazendo e no que ele quer, o que me leva automaticamente a outro lugar. Um homem do século passado queria outras coisas, ele agia de outra forma, e isso, para mim, já diferencia completamente do Saulo ou de um personagem contemporâneo.
A diferença mais evidente está na roupa que ele veste, por exemplo. Eu não visto colete, gravatas, sapato, faixa, aqueles blazers maravilhosos. Só isso já dá mais impacto que a construção. Além disso, existe a questão da maquiagem: quando você termina e olha no espelho, você pensa: “Cadê você aí?”. Depois disso, você não tem outra opção a não ser viver um personagem diferente.
Por que o filme se dedica tanto às histórias amorosas de Jorginho?
Otávio Escobar: A história do Jorge Guinle é feita da realidade da vida dele e da fantasia que existia em torno do nome dele. Ele era uma espécie de herói nacional que pegava as mulheres mais desejadas daquele tempo. As notícias eram algo do tipo: “Jorge Guinle com Jayne Mansfield, gol do Brasil! Mais uma vez o mundo se curva ao charme brasileiro!”. Ele era baixinho, então a conquista era maior. Todo mundo sonhava com aquela história da Marilyn Monroe...
Pegar as mulheres mais lindas do mundo foi o que mais marcou. Ele aparecia nas colunas sociais, no Ibrahim Sued, no Jacinto de Thormes, na revista Fon-Fon. Eu me lembro de ter lido, junto com a Adeline Ramalho, a nossa montadora, infinitas notinhas sociais entre o fim dos anos 1940 até o começo dos anos 1960, quando ele começa a desaparecer da coluna social. A ideia era pegar essas mulheres e materializar este imaginário no nosso documentário. Por exemplo, com a Rita Hayworth, nós pegamos o trecho mais clássico, quando ela faz o papel de Gilda.
O filme presta uma homenagem ao modo de vida de Jorginho? Ele também foi muito criticado em sua época.
Otávio Escobar: Eu não quis, em momento nenhum, julgar o Jorginho. Ele era invejado por quase cem por cento da geração dele, teve admiradores, era um cara magnético. Mas o Jorge Guinle era um veículo: eu quero contar a transformação da sociedade brasileira, especialmente a parte do Rio de janeiro, que é a minha cidade, desde a República Velha até os dias de hoje, através do Jorge Guinle.
Então, tem esses dois lados: tem o lado do glamour, que eu acho fascinante e encanta todo mundo, mas tem o lado da história que atravessa junto. Tem o lado do Franklin Delano Roosevelt ter ido passar uma tarde na casa de papai. Ali foram definidos momentos históricos, não só a siderúrgica nacional de 1941 lá em Volta Redonda, mas também o alinhamento do Brasil na Segunda Guerra Mundial.
A história passou ali perto, na casa de papai, na sala de jantar. O John Davison Rockefeller ficou amigo, conseguiu para ele esse emprego maravilhoso em Hollywood. Então, é uma coisa de muito poder que eles tinham, independente da escolha de vida que ele fez.
De que maneira os familiares dele contribuíram com o projeto?
Otávio Escobar: Todos sabiam que eu tinha muito respeito e muito bem querer pelo personagem. Eu tenho certeza que o público vai sair do cinema pensando de uma maneira ou de outra, mas jamais indiferente, daí o valor do personagem. Para mim basta apresentá-lo pelo olhar perplexo de um sujeito de classe média. O fato de eu vir da classe média talvez seja adequadíssimo ao projeto porque eu trago o meu espanto em relação a tudo isso, essa riqueza, esse desperdício que talvez uma pessoa muito rica não enxergasse como novidade.
É claro que quando monta a história, existe um estranhamento de ver montada, porque foram depoimentos de muito coração aberto, tanto da Georgiana, do Gabriel, como da própria viúva Maria Helena. Você pode reparar que não é comum abrir o coração como ela abriu. Existe muita honestidade nessa maneira simples de enxergar, mas eu estou enxergando com o coração aberto.