Personagens impetuosos, aventureiros, obstinados, guerreiros, frequentemente imprudentes e que, acima de tudo, não têm medo de dizer o que pensam: estas são algumas das características dos principais papéis desempenhados pelo astro Charlie Hunnam durante sua carreira. E enquanto o ator principal da popular série Sons of Anarchy e de longas como Círculo de Fogo e Z - A Cidade Perdida é mais metódico e muito menos explosivo que suas criações audiovisuais, ele certamente guarda uma semelhança importante com seus personagens: a sinceridade.
Em entrevista exclusiva ao AdoroCinema, concedida por ocasião do lançamento do mais novo filme da estrela, Operação Fronteira, Hunnam explicou os significados do drama de guerra e ação de J.C. Chandor (O Ano Mais Violento); opinou acerca dos atuais rumos da sociedade; deixou clara sua defesa do modelo de distribuição e produção instituído pela Netflix, cada vez mais criticado pelos produtores e distribuidores tradicionais, como o cineasta Steven Spielberg; e, de quebra, ainda derrubou um ou dois mitos sobre filmar na natureza e em "condições adversas":
Pergunta: Em seus trabalhos anteriores, você interpretou personagens que eram mais impulsivos, de certo modo, como o Jax Teller de Sons of Anarchy e Beckett, em Círculo de Fogo. Em Operação Fronteira, no entanto, você interpreta um tipo oposto de personagem, o pensador. Agora, antes de fazer qualquer coisa, antes de agir, seu personagem pondera. Ele desempenha o papel daquele que reflete no grupo. Como você criou William "Ironhead" Miller?
Resposta: Acho que o que J.C. explora tematicamente no roteiro são as duas questões com as quais venho batalhando durante minha vida adulta: 1) a natureza da comunidade, a essência de ter uma tribo ao seu redor; e 2) como encontramos significado em nossas vidas; sem um forte de senso de propósito, podemos nos perder, podemos nos tornar infelizes muito rapidamente. Ao meu ver, Operação Fronteira é sobre isto. E em termos de impulsividade... Como cineasta, J.C. capitaliza seus interessantes personagens a partir de seu elenco.
O que ele busca é que seus atores interpretem versões de si mesmos dentro do contexto da narrativa. É óbvio que não somos militares, mas os personagens têm um pouco de quem nós somos, como seres humanos. É a forma como ele filma. Por ser um projeto de conjunto e por não existirem muitos detalhes ou definições acerca dos personagens no roteiro, J.C. nos encorajou a trazer o máximo de nós mesmos para estes personagens. Acho que, de muitas formas, Miller é mais próximo da minha natureza do que qualquer outro personagem que interpretei antes porque também sou muito, muito metódico e evito o comportamento impulsivo.
P: Isso é realmente interessante porque o filme aborda o embate entre individualismo e a ideia da universalidade/irmandade que forma a base do grupo de soldados. Operação Fronteira confronta soluções individuais e globais para problemas gerais. E para retornarem vivos aos Estados Unidos, os cinco soldados precisam permanecer juntos e confiar uns nos outros. Você acredita que esta é a mensagem do filme: a importância da união, especialmente em tempos cada vez mais individualistas?
R: Sim, acredito que sim. O custo do individualismo é a perda da comunidade. No fim das contas, se olharmos historicamente para o modo de vida humano, e para o que pode ser definido como uma era mais harmoniosa da humanidade, encontraremos uma predileção por sistemas igualitários, baseados em um forte senso de comunidade. E isto não quer dizer que não exista espaço para a individualidade dentro de uma comunidade, para um modo ou estrutura de vida individual. Mas a necessidade de elevar o individualismo me preocupa. Você é quem é, mas conforme a população cresce, o cume deveria ser a comunidade. Não precisamos focar no individualismo: isto é auto-indulgente e desnecessário, você é quem você é. Se agir de maneira autêntica no contexto de sua vida, você será quem é. Você não precisará alienar o resto da sociedade para promover sua individualidade.
P: Operação Fronteira também é muito real, para além de suas ideias, no que diz respeito à ambientação da trama: o filme se passa na Tríplice Fronteira, que separa o Brasil da Argentina e do Paraguai. E é bastante interessante, de um ponto de vista brasileiro, ver um filme que se passa nesta localidade, infelizmente conhecida por seus conflitos relacionados ao narcotráfico. Você estudou a história da fronteira ou dos países envolvidos durante sua preparação para o filme?
R: Há alguns anos, trabalhei em outro projeto, como roteirista e produtor, que era profundamente interessado no negócio do narcotráfico sul-americano, principalmente focando no contexto colombiano e no monopólio colombiano sobre o comércio de substâncias ilícitas. E, claro, como isso evoluiu até a tomada de controle por parte do México. Então, nesta pesquisa, me deparei com dados acerca do Paraguai, da Argentina e do Brasil, mas estes países não foram exatamente o foco da minha pesquisa. De qualquer forma, já tinha um bom conhecimento de como e por que essa região do mundo tornou-se o que é.
P: Como foi filmar sequências de ação na selva, em meio à natureza? Foi muito desafiador? A sua experiência com Z - A Cidade Perdida o ajudou neste processo?
R: Sou um amante da natureza, certamente aprendo muito em minhas explorações e aventuras na natureza. Todas as coisas pelas quais escolho passar sempre serão muito mais extremas do que as coisas que vivencio em um set de filmagens. E é engraçado. Percebi que há uma narrativa que se desenvolveu, durante os últimos dois ou três anos, onde as pessoas adoram criar histórias sobre como é difícil fazer um filme. Deixa eu te dizer uma coisa, cara: é tudo mentira. A experiência de fazer um filme é muito confortável, existe muito dinheiro envolvido, várias pessoas empregadas para garantir a maior segurança possível da equipe e do elenco.
Não há nada, não há nenhum requerimento físico para filmar. As pessoas simplesmente adoram criar essas narrativas ao redor de si mesmas e de suas experiências para se sentirem heroicas, possivelmente. Não sei. Sempre que me perguntam sobre a dificuldade de fazer um filme, fico confuso. Criativamente, é difícil. Intelectualmente, fazer um filme é difícil. São estas as áreas complicadas que podem te fazer atingir a excelência no universo do cinema. Mas as demandas físicas são inexistentes, na maior parte do tempo.
P: Operação Fronteira é um original Netflix, o que significa dizer que o filme será lançado mundialmente. E a indústria está mudando muito rapidamente por causa da intervenção das plataformas de streaming, um cenário contrariado pelos distribuidores tradicionais: é uma certa crise do cinema tradicional, por assim dizer. Qual é sua visão sobre este novo estado das coisas da indústria cinematográfica?
R: Como em todas as indústrias, há um ponto de saturação, um ponto de autocanibalização. O modelo tradicional de distribuição, das salas de cinema, estava em crise há anos. Tornou-se muito caro competir nos finais de semana de maior visibilidade, seja para um filme de verão ou para um filme de Oscar. Isso reduziu radicalmente a quantidade de filmes que são produzidos, e também o tipo de filmes que são produzidos. Especificamente, se não houvesse uma marca reconhecida envolvida na produção, um filme de determinado orçamento não poderia ser feito. E o que as plataformas de streaming fizeram foi renovar a comunidade cinematográfica: a Netflix está disposta a produzir estes inteligentes e originais dramas maduros, projetos que os estúdios não têm mais a coragem de fazer porque não acreditam que podem receber um retorno nas bilheterias tão grande quanto o investimento que fizeram.
É difícil competir com empresas como a Marvel e com estas franquias gigantescas. São filmes que monopolizam os finais de semana, e um ano tem apenas 52 finais de semana. Quando comecei a trabalhar na indústria, aproximadamente 650 filmes eram feitos por ano pelos estúdios. Hoje, são menos de 100 por ano. Por causa do dinheiro que é gasto pelos estúdios e porque a concorrência para monopolizar um fim de semana tornou-se tão feroz, a quantidade de filmes produzidos foi radicalmente reduzida. Isso é ruim para a comunidade cinematográfica e também é ruim para os espectadores. E a Netflix vem fazendo um trabalho excepcional de batalhar por e produzir conteúdos menores, mas maduros e inteligentes.
Operação Fronteira estreia no catálogo da Netflix na próxima quarta-feira, dia 13 de março.