Já faz um tempo que não faço uma lista de filmes preferidos da vida. Eu estimulo e convido você a tentar. Faça uma agora, guarde na gaveta e relembre disso daqui uns cinco, dez anos. A sensação é estranha o suficiente para você ficar feliz de ter envelhecido.
Sim, porque o tempo passa, a gente muda e os nossos gostos ficam mais refinados -- para não dizer que melhoram muito. Não há nada como a maturidade para sofisticar nossas preferências. Dizem que todo mundo fica chato quando se torna velho, mas quem diz isso é porque ainda é jovem e não entendeu como o ciclo da vida funciona. Deixe o tempo rolar para para ver o que acontece. De uma hora para outra, você deixa de compreender o que a juventude anda pensando. Ao mesmo tempo, começa a achar que tudo era muito melhor antigamente. É natural que seja assim.
Por que estou dizendo isso? Apenas porque dia desses encontrei uma antiga lista de melhores filmes que fiz há quase 20 anos.
O ano era 2000 e eu fazia parte da equipe da extinta e saudosa revista Herói 2000, uma publicação especializada em cultura pop para jovens adultos -- isso quando nem se usava a expressão "cultura pop" para esse tipo de assunto. Na edição de primeiro aniversário da revista, organizamos uma eleição para escolher os dez melhores filmes de ação de todos os tempos. Lá estava eu, novinho de tudo, perdido no meio de um monte de eleitores ilustres -- jornalistas de peso e ainda em atividade como André Forastieri, André Barcinski, Rogério de Campos, Rodrigo Salem, Roberto Sadovski, Odair Braz Junior, Ricardo Matsumoto, André Gordirro, entre outros.
Minha lista foi assim, em ordem de preferência (não me julguem, eu tinha 22 anos):
2. Star Wars: O Império Contra-Ataca
3. True Lies
5. Indiana Jones e o Templo da Perdição
7. O Predador
8. Batman
10. Gladiador
Um pouco de contexto é necessário aqui. Dos 14 votantes, eu foi apenas um dos quatro que não mencionou Matrix, fato do qual me arrependo hoje -- o filme dos então irmãos e hoje irmãs Lana e Lilly Wachowski tinha sido lançado um ano antes e ainda estava fresco na memória de todo mundo. Deve ter sido por isso que citei Gladiador com tanta confiança -- o filme havia estreado três meses antes da votação e me deixou arrebatado. Também é interessante notar a quantidade de filmes estrelados por Arnold Schwarzenegger na minha lista (quatro), além das muitas continuações (também quatro).
Também é engraçado ver filmes como o Batman de Tim Burton em uma lista de "melhores filmes de ação de todos os tempos" -- hoje, de tão arrastado, é capaz de alguém dormir assistindo. Aliás, este é o único filme de super-herói da minha lista, o que só comprova como o gênero cresceu e se desenvolveu não faz tanto tempo assim. Coincidência ou não, eu fui o único entre os ilustres eleitores a citar um filme de super-herói em suas escolhas. Se essa lista fosse feita neste 2019, será que seria possível não mencionar um filme da Marvel, por exemplo?
Vale lembrar também que a média de idade dos votantes era de cerca de 30 anos na época (hoje, a maioria dessas pessoas já está longe na casa dos quarenta ou cinquenta). Eu era o segundo mais novo, e talvez por isso, estivesse mais empolgado com filmes recentes. Mas adianto que os votos de meus colegas não ficaram muito diferentes dos meus na média, como se comprova no resultado final.
Para quem está curioso, o Top 10 geral publicado pela Herói naquele agosto de 2000 foi o seguinte:
1. Duro de Matar (a obra-prima de John McTiernan foi lembrada por 9 dos 14 eleitores)
2. Matrix (foi citado por 10 pessoas, mas em colocações menos altas do que Duro de Matar)
3. Os Caçadores da Arca Perdida (os dois filmes de Indiana Jones de Steven Spielberg foram lembrados...)
4. Indiana Jones e o Templo da Perdição (...mas Caçadores apareceu em melhores colocações)
5. Fervura Máxima (o talentoso diretor chinês John Woo foi outro que teve dois filmes citados na lista)
6. Star Wars: O Império Contra-Ataca (foi o único filme da primeira trilogia lembrado)
7. O Exterminador do Futuro 2 (o primeiro filme, de 1984, também foi bem cotado)
8. A Outra Face (outro filme de John Woo, que na época estava com tudo)
9. Máquina Mortífera (de Richard Donner, um clássico oitentista)
10. O Predador (mais um trabalho primoroso de Schwarzenegger e John McTiernan)
Ou seja, metade da minhas escolha estava presente no Top 10 geral. Fui bem, vai?
Fico imaginando como meus votos seriam outros hoje em dia. Ok, talvez não muito distantes disso, mas eu provavelmente mudaria metade dessa lista e conservaria a outra metade intacta, talvez em posições diferentes. É óbvio que o gênero Ação evoluiu muito, então é provável que boa parte dos selecionados de minha nova lista tenha sido lançada nos últimos dez anos. Sem contar que alguns dos meus eleitos de 20 anos atrás são obras que envelheceram mal e não são dignas do que é produzido atualmente.
Não farei essa nova lista agora, porque isso me exigiria vários dias de reflexão. Mas vou dar uns spoilers das possíveis mudanças. O que eu incluiria? Com certeza, Mad Max: Estrada da Fúria, talvez Batman: O Cavaleiro das Trevas e o primeiro Kill Bill. E Matrix, provavelmente. Se houvesse espaço (e eu estivesse animado), talvez colocasse um dos Missão: Impossível, ou um dos John Wick. Adicionar novos filmes seria até mais fácil. Mas quais eu excluiria da lista original? Não faço ideia. Oh, dúvidas crueis. Mas certamente eu manteria Duro de Matar no topo.
Pesquisando para este texto, tive uma grata surpresa ao notar que Duro de Matar tem sido reconhecido ao longo dos anos como o melhor filme de ação de todos os tempos -- uma afirmação da qual você pode até discordar, mas dificilmente conseguirá argumentar contra. Quando fizemos aquela lista 19 anos atrás, provavelmente pensamos que colocar esse filme no topo era uma ousadia no minimo divertida. Mas estávamos mais alinhados com o inconsciente coletivo do que poderíamos perceber. O melhor de tudo é ver que não apenas as pessoas concordam com a escolha, como compartilham dos mesmos argumentos -- confira as listas da revista Empire, Time Out, do site Ranker, Collider, Screen Rant e de outros críticos.
Talvez não seja o momento de argumentar sobre a importância de Duro de Matar para a cultura pop -- isso é um tema para outra coluna. Mas esta é minha maneira de celebrar o nosso inevitável processo de amadurecimento, e como o cinema pode ser uma analogia perfeita para isso. Os filmes que são importantes hoje vão ficar para trás e dar espaço a outros, porque você será uma pessoa diferente. Mas mesmo diante das novidades que sempre surgem, os bons momentos do passado conservam espaço na memória e no coração. O tempo vai mudar o que precisa ser mudado, mas a essência das coisas permanece intacta. Esta é a graça da vida.
Pablo Miyazawa é colunista do AdoroCinema e consome cultura pop desde que nasceu, há 40 anos, de Star Wars a Atari, de Turma da Mônica a Twin Peaks, de Batman a Pato Donald. Como jornalista, editou produtos de entretenimento como Rolling Stone, IGN Brasil, Herói, EGM e Nintendo World.