Depois de trabalhar em Cidade de Deus, Tropa de Elite 2 e A Vida Marinha com Steve Zissou, Seu Jorge apresenta em 2019 seu maior papel como ator. Ele interpreta o guerrilheiro Carlos Marighella no filme histórico dirigido por Wagner Moura.
Durante o 69º Festival Internacional de Cinema de Berlim, Marighella foi o único representante brasileiro na Mostra Competitiva. Seu Jorge esteve presente, assim como diversos de integrantes da equipe, para divulgar o projeto e responder às perguntas dos jornalistas.
Abaixo, você descobre a conversa do ator com a imprensa internacional:
Qual é a sua primeira lembrança de Carlos Marighella?
Seu Jorge: A primeira vez que eu ouvi sobre ele foi em uma música do Caetano. A segunda vez foi em música do Mano Brown. É interessante porque temos muito a aprender com essa pessoa incrível. Quando você tenta descobri-lo, você acaba conhecendo uma parte enorme da história brasileira que ninguém nunca fala. Eu me sinto honrado pelo convite para interpretar a vida e a história dele no filme.
O que você tem em comum com Marighella?
Seu Jorge: Eu me identifico em muitos aspectos com ele, porque esta é a minha causa também. Eu me lembro de ter doze anos e lutar por um lugar para morar com minha mãe. Eu ocupei muitos espaços vazios para morar, fui expulso muitas vezes. Consegui uma casa para nós dois em Belford Roxo, num conjunto habitacional, quando os bancos no Brasil investiram para diminuir os valores para uma categoria de trabalhadores. Foi a última vez que tentei sobreviver e achar um lugar para morar. Eu acho que Marighella é sobre as pessoas, sobre os trabalhadores. Eu me identifiquei com a causa dele porque é a minha causa também.
Você passou a sua juventude nos tempos da ditadura. Quais são as suas memórias desse período?
Seu Jorge: Ninguém falava sobre a ditadura. Eu lembro que minha mãe dizia: “Ah, é tão bonito ser militar”. Quando eu tinha dezessete anos, me alistei para o exército e fiquei desempregado por um ano, esperando o resultado para saber se ia entrar ou não. Estar desempregado por um ano era um problema porque a polícia sempre acha que qualquer negro é traficante. Eles sempre perguntam onde está sua carteira, se você trabalha, o que você está fazendo e se você está desempregado, vira um suspeito nessa área.
Quando eu entrei no exército, o sargento me perguntou se eu queria ficar lá ou não, respondi: “Não importa. Se eu ficar aqui, tenho um problema por um ano. Se eu não ficar, também porque preciso de um emprego. Ele disse: “Tá bom, você fica”. Então, fiquei lá por um ano, fiz um curso para tocar corneta.
A quem é direcionado o filme? Aos jovens que nunca ouviram sobre Marighella, aos adultos que tenham vivido a época?
Seu Jorge: A imagem de Marighella é de resistência, que é uma febre agora, a febre da resistência. Nunca tivemos uma mudança como agora. O Brasil está mudando em termos democráticos, ele escolheu e votou por isso. Precisamos de respeito e é muito urgente perguntar o que acontece com o Brasil agora. É o começo de um novo governo, de um novo sistema? Eu acho que o filme fala sobre resistência, e pretende dar voz a pessoas que precisam disso agora.
Como você se preparou para o papel? Conversou com sobreviventes do grupo de Marighella?
Seu Jorge: Nós tivemos muito trabalho, especialmente no meu caso. Eu tive um mês para me preparar para esse papel. Eu não fui a primeira opção do Wagner. Eles testaram outras pessoas, e depois ele falou comigo quando eu estava em Los Angeles. Eu moro em Hollywood e ele bateu na minha porta dizendo que me queria para o papel.
Eu tinha apenas trinta dias para me preparar e dez dias com uma moça especial chamada Fátima Toledo. Ela tinha outros trabalhos para começar e só poderia trabalhar comigo durante oito dias. Eu estava gravando um filme no Brooklyn e não podia nem tirar fotos na época por causa do contrato.
Conversei com a produção e disse que Wagner Moura precisava de mim e eles disseram que eu estaria livre a partir de outubro. Passei oito dias com a Fátima Toledo e nós trabalhamos duro. Mas eu conversei com os sobreviventes e com o escritor do livro, Mário Magalhães. Ele trabalhou muito com o Wagner para construir o meu papel e todos os atores me ajudaram bastante.
Eu me coloquei nas mãos do Wagner. Ele me instruiu a tudo que ele queria ver na tela. Eu não peguei muito do Marighella fisicamente. Existem fotos, gravações, mas eu preferi escutar mais o Wagner e os sobreviventes. Eu tentei olhar para os meus parceiros à minha volta e encontrar um jeito de contarmos essa história. Eu trouxe algo meu para ele, mas escutei o Wagner o tempo todo.
O que você espera da reação do público quando esse filme estrear no Brasil?
Seu Jorge: Eu acho que vai ser um grande sucesso, principalmente porque tem muita informação, para muitas pessoas que não o conheciam. Esse filme pode ajudar as pessoas a terem interesse nele, a ler sobre ele e sua biografia. Wagner achou um jeito de falar sobre a época e o sistema, mas, especialmente, sobre um poeta, engenheiro, compositor, que tem um estilo próprio. Ele não foi um sujeito comum. Acredito que Marighella possa se tornar um grande sucesso no Brasil.