Quando foi anunciado que 2019 seria a última edição de Dieter Kosslick como diretor artístico do Festival de Berlim, após 18 anos no cargo, o mercado de cinema pensava de que modo isso afetaria as escolhas de curadoria para seu último ano.
Afinal, Kosslick foi muito criticado por incluir algumas produções comerciais demais - ele admitiu sequer ter assistido a algumas delas antes de selecioná-las -, na intenção de trazer mais estrelas ao tapete vermelho. Esse foi o caso do fraco Damsel, apresentado em 2018, com o propósito não muito dissimulado de ter Robert Pattinson e Mia Wasikowska desfilando pela Berlinale.
Este ano apontava para novos caminhos. Rompendo com a tradição, nenhum filme norte-americano foi incluído na disputa pelo Urso de Ouro, enquanto a competição abraçou produções da Mongólia (Öndög) e Macedônia (God Exists, Her Name is Petrunya). Esta seria uma edição mais "alternativa", aberta a cinemas experimentais e ousados?
Não exatamente. É de praxe em festivais desse porte encontrar uma maioria de produções consideradas boas, ao lado de um pequeno número de filmes ruins e outros poucos filmes excelentes, logo apontados como francos favoritos de cada edição.
A 69ª Berlinale foi diferente. Havia muitas produções de altíssimo nível: tanto So Long, My Son quanto A Tale of Three Sisters, Ghost Town Anthology, Öndög e Synonyms seriam ótimas escolhas para os prêmios principais. A vitória deste último - uma comédia, para a surpresa geral - representou uma escolha ousada de Juliette Binoche e os demais membros do júri.
Ao mesmo tempo, as produções muito fracas também foram numerosas. Mesmo sem representantes de Hollywood na briga por prêmios, diversos títulos representavam o cinema industrial: Out Stealing Horses, Mr. Jones e o fraquíssimo The Kindness of Strangers ilustram o ideal de um cinema escapista e padronizado, enquanto Elisa y Marcela representou a Netflix em Berlim - junto de The Boy Who Harnessed the Wind, fora de competição -, ambos de formato pouco questionador.
Os filmes considerados medianos, aqueles que constituem a base da produção de festivais (Piranhas, The Ground Beneath My Feet, System Crasher), pareceram perdidos entre o abismo que separava duas concepções de cinema. O júri claramente optou por filmes mais questionadores (I Was at Home, But) e politizados (By the Grace of God), mas caso preferissem, teriam opções suficientes para recompensar apenas o grande cinema de mercado.
Isso desperta uma impressão curiosa sobre o Festival de Berlim. Mesmo que a diversidade de formas seja saudável e necessária, é preciso que o festival aponte, por sua curadoria, o tipo de cinema que valoriza, e que pretende destacar para as gerações futuras. Afinal, um prêmio entregue a um filme bom valoriza tanto o filme quanto o festival que o recompensou - a atribuição de status ocorre nos dois sentidos.
Kosslick deixa a Berlinale em certa crise de identidade sobre o cinema que pretende defender. Resta saber o que Carlo Chatrian, novo diretor artístico e ex-programador de Locarno, trará a um dos mais prestigiosos festivais de cinema do mundo. Com Kosslick, Berlim terá aprendido a buscar a paridade de gêneros cada vez mais rígida na programação, além de valorizar o cinema politizado, LGBT, africano e sul-americano.
O Brasil, aliás, teve mais uma vez 12 representantes distribuídos entre diversas mostras, repetindo o recorde de 2018. A safra brasileira está forte e variada, partindo de documentários agradáveis e politizados como Chão e Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar até os dramas consistentes, que apontam os talentos da nova geração, incluindo os diretores Armando Praça, de Greta, Helvécio Marins Jr., de Querência, e Gabriel Mascaro, de Divino Amor. Enquanto isso, Marighella chegou para demonstrar ao mundo a polarização política do nosso país.
Entre as coproduções, O Brasil colaborou em belíssimos trabalhos como La Arrancada e Breve Historia del Planeta Verde, dois dos melhores filmes que vimos na Berlinale este ano. O Brasil termina a 69ª edição com uma amostra robusta e diversificada de filmes, que dialogam diretamente o caos contemporâneo das políticas de fomento à cultura.
Quem buscou formas mais radicais de cinema encontrou filmes realmente experimentais na Mostra Forum (Vanishing Days, Demons) ou mesmo na Geração, voltada à temática jovem. As seções paralelas, ironicamente, tornam-se muito mais livres para apostar em linguagens ousadas, enquanto a Mostra Competitiva se vê na obrigação de corresponder à expectativa de produções mais polidas e "profissionais", digamos, em oposição ao saudável amadorismo dos diretores jovens presentes nas mostras paralelas.
Para a 70ª edição, espera-se que Berlim mantenha acima de tudo o olhar aberto aos cinemas do mundo. Os brasileiros, em especial, torcem para que Chatrian demonstre o mesmo apreço pela nossa produção, o que tem feito da Berlinale o festival internacional que melhor acolhe o filmes brasileiros.
Críticas
Breve Historia del Planeta Verde
By the Grace of God
Chão
Demons
Divino Amor
Elisa y Marcela
Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar
Ghost Town Anthology
God Exists, Her Name is Petrunya
Greta
I Was At Home, But
La Arrancada
Marighella
Mr. Jones
Öndög
Out Stealing Horses
Piranhas
Querência
So Long, My Son
Synonyms
System Crasher
A Tale of Three Sisters
The Boy Who Harnessed the Wind
The Ground Beneath My Feet
Vanishing Days
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