Esses dias realizei uma das tarefas mais divertidas de meu cargo aqui no AdoroCinema: organizei o calendário anual dos lançamentos mais importantes no cinema, televisão e plataformas de streaming. "Importante", deixo claro, é todo filme e série que considero como sendo do gênero cultura pop.
Também é bom explicar o que cultura pop significa. Na primeira coluna Admirável Mundo Pop que escrevi, há exatos sete meses, defini o termo da seguinte maneira: "Os produtos de entretenimento puro, na forma de filmes, séries, games, quadrinhos, música, tecnologia e outras formas de expressão cultural para as massas". Ou, para quem quiser uma definição mais complicada, "a cultura pop é tudo aquilo que apreciamos, consumimos e espalhamos sem fronteiras. Algo que pode ser adorado, discutido, questionado e propagado por qualquer tipo de pessoa, independente de onde estiver".
Pois fiquei até cansado ao perceber o peso dos lançamentos de cultura pop em 2019 -- o que, no caso, inclui os filmes de super-heróis, os seriados estrelados por seres com poderes mágicos, os longas baseados em obras de literatura fantástica, videogames e HQs, os desenhos animados, as versões live-action de antigas animações, as continuações de grandes franquias e por aí vai.
É muita coisa, praticamente como se houvesse um lançamento relevante por semana -- e em certas ocasiões, até quatro vezes mais do que isso. Por exemplo, no período de 1 a 5 de abril teremos o lançamento de Shazam! e Cemitério Maldito nos cinemas, a segunda temporada de O Mundo Sombrio de Sabrina na Netflix e a estreia da nova versão de Além da Imaginação (The Twilight Zone) criada por Jordan Peele. Duas semanas depois, teremos a estreia da última temporada de Game of Thrones. Dez dias mais tarde, Vingadores: Ultimato vai chegar para encerrar a saga Marvel. Ufa.
Haja tempo, dinheiro e disposição. Se alguém tivesse o privilégio de dedicar a vida só a consumir entretenimento jamais ficaria sem ter o que fazer. Somos atingidos o tempo todo por uma avassaladora quantidade de novidades em todas as mídias, algo impossível de ser absorvido por qualquer um com hábitos "normais", em um ciclo infinito que se renova e autosustenta constantemente. Porque da mesma forma que as novidades surgem todos os dias, ainda há tudo o que foi lançado antes e não conseguimos dar conta. Para cada lançamento que aparece em meu menu de novidades da Netflix, há uma dezena de outras séries que deixei para ver quando "tivesse tempo". É claro que não tive tempo, e fico pensando se alguém tem. Mas eu adoraria ter.
Tempo, dinheiro e disposição são mesmo fatores essenciais, porque sem isso fica difícil pensar em diversão. Mas há mais um elemento precioso e secreto para o qual pouca gente dá importância nessa equação: a consciência tranquila. Sim, porque tem quem não se sinta confortável em assumir seus gostos ao mundo. É como se fosse um pecado mortal mergulhar em uma aventura num universo ficcional enquanto o mundo real pega fogo e gera sofrimento de verdade.
"Como você consegue falar sobre nerdices, escrever sobre super-heróis, jogar videogame, com toda essa crise, esse monte de tragédia, o Brasil no estado em que está?" Na verdade, eu nunca escutei perguntas como essas, ainda bem. Mas não estranharia se acontecesse.
A cada dia, a vida real parece mais complicada. As tragédias acontecem em ritmo acelerado, repercutem nas redes sociais e geram revolta, desamparo, indignação e tristeza. Às vezes é como se o mundo estivesse em uma espiral descendente rumo a um buraco sem fundo, tantas são as notícias ruins para as quais não parece haver soluções simples. É nesse momento em que o entretenimento poderia servir como uma válvula de escape saudável e possível em meio a tanta carga negativa.
Se posso dar um conselho a você que me lê semanalmente ou está só de passagem por aqui, lá vai: aproveite bem e sem culpa tudo o que a cultura pop tem a oferecer. Invista um tempo de qualidade nesses momentos de diversão, abstração e pura tranqulidade. Não deixe de se dedicar ao escapismo saudável de um bom filme, uma série, um jogo, uma história qualquer. Há quem pense que um adulto se dedicar a tudo isso representa um equívoco, um imenso desperdício de tempo. Eu não posso discordar mais. A vida já é dura demais para a encararmos sem alguma "rede de proteção". Precisamos nos sentir validados, confortados e protegidos. Temos o direito de escapar para um lugar seguro de tempos em tempos, onde as coisas (quase) sempre dão certo no final.
A intenção não é se iludir, tapar o sol com a peneira, ignorar as notícias ruins. É preciso sim, continuar se indignando, discutindo e fazendo sua parte dentro do que estiver ao alcance. Mas também é preciso dar um tempo a você mesmo, para descobrir o lado positivo que existe além dos problemas. Recarregar as energias e alimentar a alma com aquilo que te faz bem. Nesse sentido, os produtos da cultura pop podem inspirar na busca por alternativas e caminhos; podem fazer enxergar o mundo sob um novo prisma; e podem dar forças para encarar situações ruins com uma motivação diferente. É só curtir o que se gosta com orgulho e a consciência tranquila.
E da próxima vez que alguém te criticar por perder muito tempo maratonando séries, assistindo a vídeos no YouTube, jogando Pokémon Go ou com a cara enfiada nos volumes de A Game of Thrones, sorria de volta e lhe recomende alguma coisa divertida. Talvez essa pessoa esteja precisando mais de ajuda do que você.
Pablo Miyazawa é colunista do AdoroCinema e consome cultura pop desde que nasceu, há 40 anos, de Star Wars a Atari, de Turma da Mônica a Twin Peaks, de Batman a Pato Donald. Como jornalista, editou produtos de entretenimento como Rolling Stone, IGN Brasil, Herói, EGM e Nintendo World.