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    Mostra de Tiradentes 2019 eleva Grace Passô ao status de símbolo

    O segundo dia do festival deu sequência às homenagens preparadas para a atriz mineira.

    Leo Lara / Universo Produção

    É como se tudo tivesse mudado da noite para o dia. Por mais que a própria Grace Passô tenha expressado seu desejo de ser vista como representante de muitas outras mulheres durante seu discurso de agradecimento na abertura da 22ª Mostra de Tiradentes, a cerimônia inicial do evento mineiro teve como foco máximo sua homenageada. No entanto, após a exibição do média-metragem Vaga Carne — que documenta o premiado monólogo homônimo da dramaturga e agora cineasta — a situação tornou-se outra: ficou claro na manhã de ontem (sábado, 19) que, enfim, a vontade de Passô se concretizou.

    Assumindo novamente os holofotes deste abafado janeiro no sul de Minas em um seminário dedicado a pensar e repensar sua carreira nas telonas e nos palcos — "A Presença de Grace Passô" lotou a sala do Centro Cultural Yves Alves —, a atriz ganhou novos contornos aos olhos do público, que agora tem a certeza de que o principal nome da companhia desta edição da Mostra de Tiradentes é, sim, um símbolo. Ou, nas palavras do cineasta André Novais Oliveira (Ela Volta na Quinta), que dirigiu a intérprete no aclamado Temporada, a nascente estrela do cinema independente nacional "é uma força da natureza".

    Beto Staino/Universo Produção

    Atriz cujo vasto talento transborda em palavras, gestos e olhares penetrantes, Passô declarou que um de seus principais intentos é criar um registro brasileiro da arte. De acordo com a homenageada da Mostra de Tiradentes, os artistas nacionais têm o costume de olhar para fora, de buscar a referência sempre nos territórios estrangeiros, nomeadamente os Estados Unidos e a Europa. Por isso, em um esforço de desviar da norma, Passô surge como uma figura-chave de uma nova produção artística descentralizadora por ser tanto feminina — constantemente celebrada pela Mostra de Tiradentes —, quanto negra.

    Elogiando a conexão entre seus trabalhos, seja no teatro ou na sétima arte, a historiadora e pesquisadora Nathalia Batista enxerga a atriz e dramaturga como um ícone da arte feminina recente no Brasil que começa a ocupar seu merecido lugar em um âmbito tradicionalmente dominado pelos homens: "Grace Passô nos obriga a torcer todos os conceitos já conhecidos", disse a escritora. Definindo a cineasta como uma "mulher de arte", a exposição de Batista foi em seguida complementada pelas palavras de Aline Vila Real, gestora cultural que afirmou: "Grace é marcadamente brasileira e intencionalmente artista".

    Wilssa Esser

    Essa complexa mistura, esse intrincado jogo de concessões entre lá e cá, torna-se ainda mais relevante à luz do supracitado Temporada, uma das joias da programação do primeiro sábado da Mostra de Tiradentes 2019. "No papel principal, Grace Passô tem uma atuação excepcional porque esvaziada dos cacoetes técnicos, além de ser isenta de vaidades: o despojamento nos corpos e nas falas é excepcional", diz a crítica 5 estrelas do AdoroCinema acerca da mais recente obra de Novais, apontando como a atriz incorpora um realismo desconcertante em suas falas, "pérolas de informalidade", e em suas intenções.

    Na pele de Juliana, Passô faz a protagonista operar "como alter-ego do diretor: a função dela é cuidar da cidade, casa por casa, como quem cuida de pessoas". Temporada demonstra, assim, como a atriz extrapola os limites de seu corpo — ressoando sua própria arte e o tema da Mostra de Tiradentes 2019 — e sua individualidade. Como símbolo de um cinema feminino e negro, mas sobretudo brasileiro, a homenageada da 22ª evento mineiro agora tem externalizada sua autoconsciente presença, que ultrapassa o pessoal e o privado. Agora está claro que Grace Passô é uma presença verdadeiramente universal.

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