Está em cartaz nos cinemas o drama A Voz do Silêncio, novo filme do diretor André Ristum que conta com Marieta Severo e Arlindo Lopes no elenco. Tratando da solidão e do tempo como verdadeiros personagens que permeiam por todos os arcos, a obra também insere uma São Paulo caótica, barulhenta e sempre em movimento como base para os relacionamentos apresentados. Isolados por vontade própria ou simplesmente por conta do destino, este é um filme pessoal e ao mesmo tempo bem comunicativo para os nossos tempos.
O AdoroCinema teve a oportunidade de conversar com o diretor e seu elenco sobre o conceito da obra e como ela se conecta com a atualidade. Segundo Ristum, A Voz do Silêncio tem uma cadência muito particular em que é preciso mergulhar na vida das personagens envolvidas em uma trama que capta, mesmo que sem muito otimismo, a amplitude do cotidiano.
Confira a entrevista completa abaixo:
O tempo é o maior protagonista do filme ou a solidão?
André Ristum: A solidão conversa com todos os personagens e é uma das coisas que me levou a juntar todas as histórias. A Voz do Silêncio nasce, na verdade, de personagens, com a observação da vida e do cotidiano. Eu não queria trazer um grande acontecimento, mas sim o cotidiano de pessoas comuns. Dentro desta observação, eu em algum momento detectei que várias histórias tinham essas coisas em comum: os afetos esgarçados, a loucura em diferentes patologias... Então, juntei tudo em um filme só. Como eu sou muito fã de Magnólia e Short Cuts, essas produções me serviram de inspiração para tentar encontrar uma costura entre todos os personagens para contar a grandiosidade através da vida deles. O tempo é, sim, uma componente, mas talvez a falta de tempo seja uma componente ainda mais precisa.
Marieta Severo: Para mim é a solidão. O tempo é sempre o protagonista de tudo, mas todos os personagens são muito solitários aqui. E o modo como o André articulou a solidão destes personagens em termos de imagem foi surpreendente. Eu adorei a maneira como ele abre o filme, como coloca São Paulo como personagem, com as pessoas, o trânsito, a intensidade da cidade... E, com o tempo, como ele interliga tudo, mesmo que sutilmente. Este é um filme cheio de camadas.
Arlindo Lopes: Eu acho que o tempo é o antagonista enquanto a solidão é a verdadeira protagonista. Todos os personagens estão neste estado de solidão - alguns por escolha, outros por ainda estarem na batalha de se encontrar. Só o tempo vai dizer como todos eles vão digerir as situações nas quais se encontram.
O que te fez se aproximar do seu personagem?
Marieta Severo: Dificilmente eu vou pelo lado da identificação do personagem, é engraçado. Eu gosto que meus personagens sejam bem diferentes de mim. Isso me dá uma liberdade enorme para trabalhar. Pode não parecer, mas eu sou muito tímida e recolhida, bem mineira, então eu não gosto de ver a tela e pensar "essa sou eu". Eu mergulho no novo. Mas o que me atraiu muito foi o roteiro e a vontade de contar essa história. O aspecto que eu acho mais importante do filme, que é de uma atualidade terrível, é o aspecto do preconceito. A minha personagem é uma vítima do próprio preconceito, principalmente após expulsar o filho com AIDS de casa. Ela sucumbe à própria amargura e se envenena com o próprio veneno.
Arlindo Lopes: Eu visitei alguns grupos de apoio para soropositivos a fim de conhecer jovens e suas histórias. Eu vi muita coisa dolorosa, mas absorvi muito para o meu personagem. Mas ainda há muitos jovens que não procuram lugares como estes grupos e que vivem como o meu personagem, o Alex, que não conseguem se reiventar e não tratar como um tabu. Além dessa aproximação que tive nos centros de apoio, teve também a minha construção com a Marieta e a Stephanie de Jongh, que foram muito importantes para me entregarem novos elementos. Nós fizemos toda uma construção dos acontecimentos familiares que aconteceram até antes do que o roteiro aborda, e que esteve só ali entre a equipe.
Se a voz do silêncio alcancasse sua personagem ou a sociedade atual, o que você acha que ela diria?
André Ristum: "Este é o nosso espelho? Esta é a nossa vida?". E eu falo isso com relação ao todo, não só para o Brasil. A contribuição que eu adoraria que esse filme pudesse trazer é um pouco de reflexão. Se a cada cinco espectadores, um olhasse para o lado, já seria uma conquista para mim.
Marieta Severo: Para a minha personagem, seria "Me defende de mim!". Foi a primeira frase que me veio. Já para a sociedade, o que mais me preocupa e o que mais me dá vontade de falar é que o ser humano é múltiplo, complexo. O que há de melhor e pior habita dentro da gente. As nossas escolhas, o caminho que trilhamos, politicamente e socialmente, é o que vai determinar como as pessoas que fazem parte da sociedade vão evoluir. Então, se você tem um sistema à sua volta que estimula o que há de pior, os teus preconceitos, a não-aceitação - tudo isso que estamos vivendo -, o que há de pior no ser humano vai brotar e esta sociedade só vai piorar. Então, a voz que eu gostaria de ter é essa: se começarmos a plantar num terreno assim, não vamos colher coisas boas, porque todos nós vamos exercer o pior. Agora, eu acho que um bom terreno à nossa volta, de liberdade, de bondade, valorização do outro, pensamentos bons, aceitação e generosidade, faria com que todos nós sejamos melhores. Esta é a única voz possível neste momento.
Arlindo Lopes: Toda vez que eu assisto a A Voz do Silêncio ele me diz que nós precisamos nos conectar com quem está do nosso lado. O aparelho de celular é muito legal e ampliou nossas comunicações, mas eu sinto que rola um esvaziamento. Eu acho que falta um olhar para as pessoas invisíveis, seja para quem está te servindo na mesa ou para o porteiro que está todos os dias lá, na sua entrada e saída de casa. Acho importante saber um pouco sobre essas pessoas, conversar um pouco, porque há tantas histórias e beleza intricada no mundo.