"Mulher de lugar é na cozinha!" Cansadas desse tipo de comentário machista em vídeos de meninas skatistas, um grupo de amigas decidiu se unir para criar uma página só com vídeos de garotas arrasando no esporte. O nome? "Skate Kitchen" ('kitchen' significa cozinha em inglês). Sucesso no instagram, as jovens cruzaram o caminho da diretora Crystal Moselle, elogiada pelo documentário Os Irmãos Lobo (2015). Passando vários dias juntas, a cineasta decidiu torná-las o foco de seu novo projeto. Assim nasceu Skate Kitchen (o filme)!
A trama gira ao redor de Camille (Rachelle Vinberg), menina tímida e excluída que acaba se juntando à um grupo de garotas skatistas em Nova York, escondida de sua mãe (Elizabeth Rodriguez). Unidas pela amizade e amor à prancha, elas buscam provar seu valor e se aventuram nas ruas dominadas por meninos.
Em entrevista exclusiva para o AdoroCinema durante o Festival do Rio, Moselle revela qual motivo a fez transformar sua conexão com Skate Kitchen numa estreia no comando de ficções: "Decidi fazer isso, pois queria colaborar com as pessoas e ouvir suas opiniões. No documentário, você precisa dar um passo para trás e observar. Mas essas garotas queriam fazer parte do processo. Então, fez mais sentido trabalhar juntas e construir algo baseado em suas experiências, sobre o que é ser uma mulher."
As integrantes do Skate Kitchen — Vinberg, Nina Moran, Dede Lovelace, Kabrina Adams e Ajani Russell — interpretam versões ficcionais de si mesmas, opinam no roteiro e até escolhem as canções da trilha sonora. O restante do elenco é formado por jovens que a coprodutora Alliah Mourad encontrou em parques de skate locais. Os únicos nomes famosos são Jaden Smith (como potencial interesse amoroso de Camille) e Elizabeth Rodriguez, parte de Orange Is the New Black. Tudo para transmitir essa história da forma mais orgânica possível.
"É ficção, mas ainda traz algo de documentário, pois conseguimos entrar nesse mundo. Sentir como é a vida delas. Meu objetivo como cineasta é criar um estilo onde você sempre acredita que aquilo que está na tela pode ser real. Ao mesmo tempo, acompanhar aqueles jovens de skate, para mim, é como se fosse um filme de dança. O jeito que eles se movem. O jeito que a música é incorporada no projeto. E as meninas foram muitas abertas com todo o processo, sem ficarem envergonhadas, com medo ou ficarem presas em suas mentes."
Dentre manobras mirabolantes, a grande força de Skate Kitchen se encontra, curiosamente, em cenas simples que destacam a amizade das garotas protagonistas. Percebendo que a força está em números, elas conversam sobre os problemas do dia a dia, abordando temas delicados como sexo, preconceito e abuso sexual. Para as meninas, isso foi apenas levar suas experiências reais para as telonas. Já Crystal teve um momento de aprendizado:
"Antes desse filme, eu nunca tinha consciência que, pelo fato de ser uma cineasta mulher, eu não conseguia ter as mesmas oportunidades. Passei a perceber coisas nessa indústria que nunca tinha reparado, como o jeito que as mulheres são tratadas. Eu estava tão conectada com minha zona de conforto que nem percebia a desigualdade. E ainda tem a questão da confiança nisso tudo. Foi uma grande surpresa."
Exibido no Festival de Sundance, o lançamento de Skate Kitchen diante do movimento #MeToo foi coincidência. Porém, acaba se encaixando perfeitamente num momento onde não dá mais para aceitar alguma voz sendo abafada pelo preconceito. "Eu quero inspirar pessoas a fazerem coisas com as quais não estão acostumadas ou que acreditam que não são capazes de fazer", encerra Moselle. Ok, nem todo mundo consegue andar de skate sem ralar o joelho. Mas qualquer um pode receber esse tipo de mensagem bacana, não é?
O AdoroCinema conferiu Skate Kitchen durante o Festival do Rio — leia nossa crítica!