Contrariei a minha convicção de jamais ver filmes de terror no cinema e fui assistir ao novo Halloween com os colegas de trabalho.
Dessa vez eu não sabia nada sobre o enredo, mas nem precisava. Como fã das antigas, entendo que um bom filme slasher precisa ter alguns elementos obrigatórios para funcionar bem. Um psicopata mascarado sem emoção e com sede de sangue. Um monte de vítimas distraídas. Perseguições no escuro, requintes de crueldade, uma variedade de armas brancas utilizadas de maneiras criativas. E uma mocinha indefesa mas nem tanto que resolve tudo no final. Faltou alguma coisa? Ah, sim: quem faz sexo, morre. Quem bebe álcool e usa drogas, também. Quem vai nadar sem roupa no lago de madrugada ou anda sozinho pelo bosque, também não dura muito. Ah, serial killers, essas criaturas tão puritanas e previsíveis.
Este novo Halloween tem quase tudo isso e um pouco mais. Além de ser uma continuação direta (que simplesmente ignora o punhado de outros longas Halloween que já aconteceram), esta é uma resposta digna ao primeiro filme da franquia, criado pelo mestre John Carpenter exatos 40 anos atrás. E de acordo com muitas listas de diversos veículos de cultura pop, aquele Halloween de 1978 é o melhor slasher movie de todos os tempos -- e Roger Ebert, o maior crítico de cinema da história, provavelmente iria concordar.
Voltando ao novo filme: na essência, é a mesma coisa. Na prática, há várias licenças poéticas, lembrando que John Carpenter não está no comando dessa vez, mas deu benção ao projeto. As mortes demoram um tanto a acontecer e são um misto de sutis e explícitas – tem para todo tipo de freguês, de facadas subeentendidas fora do enquadramento da câmera a uma cabeça que é pisoteada e explode como uma abóbora. Outro detalhe se destaca: o assassino Michael Myers aqui não limita seus alvos a adolescentes com os hormônios à flor da pele. Dessa vez, o maluco atira para todos os lados – a dona de casa distraída ao telefone, o médico bem-intencionado, o policial em serviço, a jornalista investigativa, o entediado dono do posto de gasolina, o rapaz inocente que quer ser dançarino...
O suspense gerado em tantos momentos sombreados e silenciosos chega a ser insuportável. Myers, estóico, macabro, indecifrável, continua sendo um dos grandes ícones da maldade do cinema. Jamie Lee Curtis reprisa seu papel de heroína pela quinta vez, menos “rainha do grito” do que antes, mas nunca tão poderosa como agora. A trilha sonora é tétrica e impecável como a original, reinventando o tema elaborado no piano por Carpenter com a colaboração dele próprio. Até dá para rir em vários momentos, e não é só de nervoso.
Mas, de longe, o melhor momento deste Halloween 2018 é quando o filme realiza a tão necessária autocrítica, esse conceito tão em voga atualmente. Em certo momento logo no início, um adolescente fala despreocupadamente mais ou menos assim: “Esse cara matou cinco pessoas há 40 anos... Hoje em dia isso nem é mais grande coisa!”
E faz todo sentido. Nas últimas quatro décadas, vimos coisa muito pior nas telonas como também na vida real. É esse um dos motivos pelos quais filmes de assassinos seriais já não são tão frequentes em Hollywood como eram nos anos 1980. O gênero gastou tanto naquela época que só recuperou fôlego quando ganhou uma releitura-paródia (Pânico), que por si só gerou outra série de paródias (Tudo Mundo em Pânico). A maior parte do que é produzido hoje é tosco e esquecível, salvo pontos pontos fora da curva como o ótimo It - A Coisa. Há também uma outra vertente, mais extrema e destinada apenas a quem tem estômago muito forte, como é o caso da cansada franquia Jogos Mortais.
A maior parte dos filmes das séries Sexta-Feira 13, A Hora do Pesadelo, Brinquedo Assassino envelheceu mal, porque eram tecnicamente ruins. Alguns poucos se salvam se assistidos com os filtros de hoje em dia. Mas a culpa disso não é dos cineastas e dos atores e atrizes daquela época. A triste verdade é que presenciar um maluco de máscara matando indiscriminadamente já não é algo que nos abala tanto como antigamente. Aqueles eram tempos mais inocentes, puros, ignorantes por assim dizer. O mundo em que vivemos hoje tem dado amostras bastante claras de que a realidade consegue ser tão ruim quanto a ficção. Às vezes, é até pior.
É por isso que ver um filme como Halloween em um fim de semana tão emblemático e importante como este pode servir para abrir a cabeça de muita gente das maneiras mais diversas. Fica aqui a minha dica: vença suas convicções, assista, mergulhe, experimente o medo e pense bastante a respeito disso. É saudável. E vamos continuar desejando que certas atrocidades permaneçam existindo apenas em obras de ficção.
Pablo Miyazawa é colunista do AdoroCinema e consome cultura pop desde que nasceu, há 40 anos, de Star Wars a Atari, de Turma da Mônica a Twin Peaks, de Batman a Pato Donald. Como jornalista, editou produtos de entretenimento como Rolling Stone, IGN Brasil, Herói, EGM e Nintendo World.