Todos os anos, a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo traz à cidade diretores promissores que apresentam seus filmes ao público durante os dias de programação. Dentre estes novos diretores presentes na 42ª edição, está a argentina Inés María Barrionuevo - que já esteve no festival em sua 38ª edição e agora retorna com seu segundo longa-metragem, Julia e a Raposa.
Julia e a Raposa é um filme de pequenos detalhes e acontecimentos triviais, cuja história gira em torno de uma protagonista que emana um brilho frágil, ao mesmo tempo que com muito destaque. Além de ser uma atriz em busca de recomeço, ela ainda não encontrou sua forma de viver como viúva, o que dificulta sua relação com sua filha Malena e a percepção de seu próprio futuro. Leia a crítica completa.
Tivemos a oportunidade de conversar com Inés María durante sua estadia em São Paulo e você pode conferir o resultado logo abaixo!
1) Por mais que a atuação da protagonista seja muito intensa, há uma certa distância da câmera de seu rosto na maioria das vezes. Como você chegou a essa escolha?
É uma pergunta curiosa. Eu queria que a protagonista tivesse uma caracterização próxima a uma aura de atriz de Hollywood, como Gena Rowlands em Opening Night, de John Cassavetes. Tomei como uma referência filmes com este tipo de personagem. E Julia é uma personagem insípida e quebrada por dentro. Não tenho certeza do que exatamente a faz mais distante da câmera, mas eu acho que ela não pode fazer o mesmo com sua própria vida, então é como se ela não estivesse no lugar certo. E isso soa como algo frio, distante. Creio que ela já demonstra muito fisicamente, com seu rosto duro, sem dizer muito. Assim, ela demonstra que algo faz falta.
2) A filha quer muito ser igual a mãe, seja nos trejeitos como também em frases que diz, e isso acaba dando uma leveza à trama..
Eu gosto muito do humor e, mesmo que o filme seja um drama, eu não pude evitar. Gosto de trabalhar com a ironia, com um humor mais contido. E eu acho que os personagens das crianças servem muito bem para colocar o humor na história, porque eles não têm nenhum filtro. Então, eles serviram como catalisadores para dizer o que queremos dizer em apenas um ou dois personagens. Temos essa personagem (a filha de Julia), na qual eu pude inserir tudo o que os outros personagens não podem dizer - é por isso que ela tem mais auto-confiança e sabe o que quer. Eu acho que a menina quer ser a mãe e, ao mesmo tempo, não quer.
3) Sua intenção parece ser a de mostrar a natureza real das crises que aparecem após uma perda inestimável.
Um fato trágico faz com que eu queira contar uma nova situação para determinado personagem. Em si, a figura do marido que faleceu é mais simbólica, e acaba se transformando em uma busca de identidade da protagonista Julia. É uma desculpa para que ela se conheça melhor, mesmo deprimida e com vontade de mudança.
4) A raposa parece trazer à Julia um sentimento familiar. Por isso o final do filme é bem interessante de decodificar. Como você resumiria essa relação?
Quando eu era criança eu ia muito ao campo, próximo de Córdoba, onde há muitos campos e montanhas. E eu me lembro de uma noite em que acordei sozinha, eu tinha uns 12 anos... Ouvi um som muito forte e vi duas raposas "falando" uma com a outra. Era um som muito diferente, e isso me marcou. Na mitologia, a raposa é uma personagem interessante e que, ao mesmo tempo em que é intrigante, faz muitas travessuras de propósito. Então, ela sempre funciona como um ser que chama a atenção, que convida a pessoa a sair do lugar em que está para tomar rumo a uma nova aventura. Por isso eu acredito que o filme funciona como uma fábula. Eu construí ele como tal. E é interessante como, no final da história, com Julia tentando ir embora, a raposa ficar parada ali, sem querer dizer nada.