Destaque do Festival Varilux de Cinema Francês, a comédia dramática O Poder de Diane chega aos cinemas nesta quinta-feira, 18 de outubro. O filme, sucesso de público em seu país, apresenta a história de Diane (Clotilde Hesme), mulher que aceita engravidar para um casal de amigos gays, Thomas (Thomas Suire) e Jacques (Grégory Montel). No entanto, durante a gravidez, ela encontra Fabrizio (Fabrizio Rongione), por quem se apaixona.
O projeto surpreende por tratar com respeito, mas também muita leveza, o tema da barriga de aluguel. Ao mesmo tempo, o diretor Fabien Gorgeart faz um retrato naturalista da independência feminina e da homoafetividade. De acordo com a crítica do AdoroCinema, "o filme dribla todos os caminhos esperados e os clichês sobre as mulheres para fornecer um retrato repleto de nuances sobre a maternidade e a posição social feminina". Leia o texto completo.
Em passagem no Brasil durante o Festival Varilux, Gorgeart e Hesme conversaram em exclusividade com o AdoroCinema sobre O Poder de Diane:
Diane parece irresponsável no início, mas aos poucos ela se revela mais estruturada do que se imaginava.
Clotilde Hesme: Sim, é verdade que há um arco. Ela vive uma experiência que a modifica, como um ritual de iniciação. Isso passa por uma mudança em seu corpo que também altera sua psique. É uma personagem muito irresponsável e imatura no início, mas que aprende a ser responsável.
Fabien Gorgeart: Ela muda muito, tanto física quanto emocionalmente, por causa de forças contraditórias: ela tem uma espécie de grande liberdade, mas para ir ao fundo dessa liberdade, ela também tem que viver sem pensar, não se preservar, não se questionar sobre suas relações. Ela tem muita energia, mas em certo momento terá que enfrentar a realidade, porque o corpo dela está ficando cada vez maior.
Clotilde Hesme: Ela ocupa cada vez mais espaço!
Fabien Gorgeart: Ela começa a ter consciência de suas ações. Diane é uma personagem muito cinematográfica, a meu ver. Escrevi essa personagem para Clotilde quando a conheci. Isso é um dado importante porque a ideia era encontrar uma personagem que ela pudesse encarnar para esta rara comédia sobre a barriga de aluguel. Tudo isso veio de uma história real que me contaram. Mas, sobretudo, o desejo era construir Diane como uma personagem ativa, uma mulher de ação, cuja ação é estar grávida.
Clotide Hesme: O que me emociona é ouvir várias mulheres me dizerem que se identificaram com Diane. Ela combina temperamentos femininos contraditórios. Ela representa a complexidade do que é ser mulher, além de também ter esse lado masculino. É Yin e Yang, e isso está na personagem. Ela é mais Yang no início e depois é mais Yin.
Fabien Gorgeart: Nós também tomamos a liberdade de não torná-la simpática desde o início. Ela flerta com os homens agressivamente nas festas. Existe algo meio bruto, mas é uma agressividade festiva. É divertido de se ver. No início, tivemos um pouco de medo, mas depois nos emocionamos com ela, compreendemos quem ela é.
O trabalho corporal é impressionante. Além da barriga que cresce, existe ombro que se desloca, as artes marciais... Vocês trabalham bastante com o humor físico.
Clotilde Hesme: É um prazer enorme trabalhar com o corpo. Venho do teatro, e lá esse trabalho corporal fica mais claro. No cinema, isso se percebe menos, porque tudo é fragmentado - é o olhar que conta, frequentemente. Neste filme, o rosto conta bastante, principalmente no final. Mas durante todo o filme, há uma especificidade e uma necessidade de trabalhar com o corpo, pela forma como o filme foi escrito. Faz parte da personagem. Para um ator, é muito prazeroso encontrar essa necessidade. Nós sentimos que podemos existir dentro do plano por inteiro. É genial poder trabalhar buscando um elemento burlesco no corpo.
Fabien Gorgeart: É verdade que o ombro deslocado não é uma metáfora tão clara. Queria mostrar que às vezes o corpo foge do controle dela. Ela se desarticula, ela tenta controlar, botar o ombro de volta no lugar, mas então a barriga começa a crescer. Isso sem falar no momento em que rompe a bolsa, é claro. Então, de fato há essa ideia de um corpo que se tenta controlar, mas que fica cada vez mais imprevisível. São forças contraditórias.
Para vocês, o humor serve para tornar mais leve uma discussão séria como a barriga de aluguel?
Fabien Gorgeart: O humor é muito interessante quando ele esconde um drama que precisa sobressair de alguma forma. A ideia desse filme, algo que também fiz em meus curtas-metragens, era escrever e adequar tudo à personagem de Diane. O tom do filme é orquestrado por ela, devido ao tom da situação. Por isso, a história começa bem leve, até o momento em que ela é obrigada a encarar os acontecimentos mais graves. O filme se adequa a ela em termos de gênero e de tom.
Clotilde Hesme: O que me interessa no projeto é o fato de não ser um filme proselitista, ele não faz apologia deste tipo de gravidez. A história simplesmente mostra que essa situação existe, e a trama é ambientada após o debate, como se essa questão já tivesse sido resolvida para os personagens. Nós não focamos no debate, por isso que não é um filme militante, nem fala apenas sobre a França.
Fabien Gorgeart: Exato. O que tentamos trabalhar foi a questão das relações familiares, a definição de família, o papel da mulher. Explorar o núcleo familiar por ângulos diferentes. Nós exibimos o filme em Salvador, na Bahia, onde a questão social não veio à tona. O debate girou apenas em torno da figura de Diane, quem ela era e o que pensava. É isso que intriga as pessoas: elas querem entender a personagem. Não acho que a questão social ou o tema da barriga de aluguel tenham gerado polêmica por aqui. Na Itália, quando exibimos o filme, tivemos reações exageradas, e pensei que também seria o caso no Brasil. Um crítico italiano me disse que o filme seria mais controverso por lá, porque eles tinham "o Vaticano no ventre". Talvez aqui no Brasil vocês tenham o Cristo Redentor no ventre!
Na história, os homens tentam controlar o corpo de Diane, dizer o que ela pode ou não fazer, com quem pode sair ou fazer sexo. Mas ela sempre se esquiva e faz o que quer.
Fabien Gorgeart: Isso era algo importante para mim desde o início, por ser um homem escrevendo a personagem de uma mulher. Conversei sobre esta questão com Clotilde desde que a encontrei, e me disse que talvez, se eu fosse mulher, eu seria como Clotilde. Talvez um pouco menos bonita, né? Mas eu me considero a parte masculina dela, enquanto ela seria a minha parte feminina.
Acima de tudo, queria escrever uma forte personagem feminina, num mundo onde os homens querem filhos, mas as mulheres não. Então é preciso de alguém para ajudar, porque dois homens não conseguem fazer um bebê sozinhos. Outro personagem que me inspirou muito foi John Wayne nos filmes de John Ford, porque ele é o responsável pela comunidade. Ele não é um herói, apenas é mais capaz do que os outros de completar esta tarefa. Ele está sempre pronto, mas também é frágil, é complexo. Em Rastros de Ódio, John Wayne acredita que todos são imprestáveis e é ele que tem que encontrar a menina. Mas é mais complexo do que isso, a meu ver. Diane é um pouco assim: ela é mais capaz do que os outros, que não podem completar a tarefa sozinhos.
Consideram a casa bagunçada, sempre em obras, como uma metáfora de Diane?
Fabien Gorgeart: Sem dúvida, foi isso que determinou a escolha desta casa. Na verdade, eu não tinha pensado neste aspecto quando escrevi o roteiro. Imaginei um tipo de casa muito mais clichê e quando encontrei esta casa, ela se tornou a força motriz. Ela era como o ventre em torno do qual todos orbitam, todos chegam e querem influenciar. É a casa onde Diane investiu muito tempo e energia para renovar a piscina, as paredes, toda a parte interna. A casa é Diane, é o seu ventre.
Clotilde Hesme: É engraçado pensar nisso, porque o ditado diz que existem três tipos de homens: o construtor, o conquistador e o guerreiro. Diane é os três! Ela cria o filho para os outros, constrói a casa para os pais dela, além de ser uma conquistadora da liberdade dela. Ao mesmo tempo, ela não é uma santa - esse é o melhor aspecto do filme. Ela é uma mulher forte, complexa e ambígua. Não há nada de sacrificial. No fim, mesmo com a emoção após todo esse percurso, não existem sacrifícios, apenas escolhas. Ela é livre.
Os diálogos são excelentes, muito corriqueiros e irônicos ao mesmo tempo. Os atores parecem ter participado deste processo de criação.
Clotilde Hesme: É um roteiro todo planejado e muito bem concebido. É por isso que os diálogos parecem tão fluidos, porque foram muito bem escritos. Não creio muito na improvisação de diálogos. De modo geral, os atores não são bons escritores, e o improviso costuma ficar meio vazio. Podem existir pequenos momentos de improviso, mas acho importante existir algo bem construído no que diz respeito à linguagem e aos diálogos.
Fabien Gorgeart: Nós usamos um sistema com o qual já trabalhei algumas vezes: gosto de encenar a primeira versão do texto com os atores, brincar com os diálogos, e quando sinto que chegamos a algo mais maduro, incorporo este jogo em uma nova versão do texto. A partir deste momento, seguimos o texto. Existem momentos que surgiram sem eu escrever, como a relação de amizade entre Diane e Thomas, por exemplo. Existe uma cena em que eles assistem a um filme deitados na cama, e a maneira como eles fizeram foi ótima. Acabei jogando fora todo o diálogo que eu tinha escrito, porque ele não era mais necessário: dava para compreender tudo sobre aquela amizade pela maneira como se comportavam. Foram esses os pequenos momentos mágicos que tentamos capturar, e quando temos mais tempo de filmagem, podemos experimentar mais coisas nesse sentido. Mas, efetivamente, nós trabalhamos com uma base escrita sólida.