Para sorte da sétima arte, o mundo do jazz perdeu um esforçado, ainda que não muito talentoso, baterista. Antes de finalmente se dedicar à carreira no cinema, o franco-estadunidense Damien Chazelle tentou firmemente fazer parte das grandes bandas de seu gênero musical favorito, inclusive frequentando um colégio especializado no ensino da primeira arte. Contudo, o verdadeiro chamado se sobrepôs aos desejos e o então jovem Chazelle entrou em Harvard para estudar cinema. Dez anos depois, ele se tornaria o mais novo cineasta a vencer o Oscar de Melhor Direção.
O caminho em direção à glória na premiação da Academia começou a ser trilhado em 2009, quando Chazelle - ao lado do compositor Justin Hurwitz, amigo pessoal e frequente colaborador do realizador -, lançou seu trabalho de conclusão de curso: o drama romântico e musical Guy and Madeline on a Park Bench. Aclamado pela crítica, que ressaltou a qualidade da estreia de Chazelle como diretor, o longa funcionou como uma passagem expressa para Los Angeles, onde o jovem cineasta de apenas 24 anos à época tentaria produzir aquela que viria a ser sua obra-prima: o musical La La Land.
Entretanto, conquistar Hollywood de primeira é um feito destinado apenas àquelas extraordinárias personalidades que contam permantentemente com a sorte - e Chazelle certamente não fazia parte deste grupo. Por isso, como forma de reunir verba suficiente para financiar seu projeto dos sonhos, o diretor iniciou um prolífico trabalho como "roteirista de aluguel". Entre 2009 e 2013, Chazelle criou diálogos e cenas para todos os tipos de produções, indo do terror (O Último Exorcismo: Parte II) ao suspense (Toque de Mestre e Rua Cloverfield, 10).
A grande oportunidade do artista acabou nascendo de um outro roteiro: Whiplash - Em Busca da Perfeição, uma quase auto-biografia do cineasta sobre sua breve trajetória como baterista de jazz. Selecionado como um dos destaques da BlackList - levantamento anual que aponta os melhores roteiros ainda não-produzidos por Hollywood e do qual surgiram longas como Spotlight e O Regresso - de 2012, o intenso script logo chamou a atenção do multi-facetado produtor Jason Blum (Corra!, Fragmentado); de posse dos direitos do roteiro de Whiplash, o dono da prestigiada Blumhouse, tempo moderno do cinema de terror, aconselhou Chazelle a pinçar um fragmento de sua trama e criar um curta-metragem ao seu redor.
No ano seguinte, o curta Whiplash fez sua estreia no celebrado Festival de Sundance, onde atraiu inúmeros investidores e recebeu aclamação geral da imprensa. Com o apoio financeiro, Chazelle ligou as câmeras para rodar a versão completa de seu memorável drama musical em setembro de 2013, lançando o longa no Festival de Sundance de 2014. De lá até o final daquele ano, Whiplash surfou na crista da onda, recebendo aplausos e reações muito positivas por onde passou. Coestrelando um surtado e brutal J.K. Simmons, que venceria o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante pelo papel do exigente professor Fletcher, o longa sobre os limites da busca pela perfeição alavancou a carreira de Chazelle ao conquistar 3 Oscar e de ter sido indicado, de quebra, ao prêmio de Melhor Filme.
Com toda a atenção de Hollywood voltou para si, o diretor finalmente entrou na rota para concretizar seu principal desejo: produzir La La Land. Escrito ainda em 2009, o musical de Chazelle compartilha suas raízes com a narrativa de Guy and Madeline; muitas das canções já icônicas de La La Land, aliás, trazem ecos da trilha sonora do primeiro filme do cineasta. Conforme Chazelle e Hurwitz continuaram suas jornadas por Los Angeles, o roteiro do musical foi sendo desenvolvido, aglutinando cada vez mais referências à Cidade dos Anjos, bem como parte de sua influência cultural e muitos de seus cartões-postais.
Ao apresentar o roteiro para possíveis patrocinadores, antes mesmo de pensar em escrever Whiplash, Chazelle ouviu, além de muitos "nãos", algumas indicações: trocar um protagonista pianista de jazz para um músico de rock à la Nasce uma Estrela; simplificar a cena de abertura; e construir um final mais feliz, entre outras dicas que foram sumariamente ignoradas. Chazelle estava determinado a concretizar seu script da forma como o havia sonhado: uma homenagem aos clássicos musicais da Era de Ouro de Hollywood e aos principais trabalhos do francês Jacques Demy (Os Guarda-Chuvas do Amor).
Com Ryan Gosling e Emma Stone; um pianista de jazz; uma cena de abertura extremamente complexa; e um dos encerramentos mais agridoces da história recente do cinema americano, Chazelle lançou La La Land ao mundo durante a abertura da edição 2016 do Festival de Veneza - e a resposta do público e da crítica não poderia ter sido melhor e mais entusiasmada. Da noite para o dia, Chazelle passou de prodígio com potencial para um diretor consagrado e, mais do que isso, favorito ao Oscar de Melhor Direção contra veteranos como Mel Gibson e Kenneth Lonergan.
Trazendo sequências inesquecíveis e, principalmente, uma viciante trilha sonora, La La Land praticamente resgatou o musical como gênero rentável nos Estados Unidos e chegou ao Oscar com US$ 446 milhões arrecadados mundialmente e 14 indicações à premiação da Academia. No fim das contas, por mais que não tenha conseguido empatar o recorde de 13 vitórias de Ben-Hur, Titanic e O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, como previsto por muitos, o musical com contornos realistas de Chazelle levou 6 estatuetas para casa e consolidou a carreira de seu realizador - que viria a se tornar o ganhador mais novo do Oscar de Melhor Direção, aos 32 anos. Além disso, também elevou Stone ao patamar de grande estrela com seu Oscar de Melhor Atriz.
Com carta branca para produzir qualquer projeto, Chazelle surpreendeu ao eleger O Primeiro Homem, cinebiografia do astronauta Neil Armstrong, como seu filme seguinte ao universalmente elogiado La La Land; vale ressaltar que ele já estava contratado para dirigir o longa desde 2014, após o sucesso de Whiplash. Saindo de sua zona de conforto musical, o cineasta mergulhou no universo das biografias e apesar de não ter conseguido alcançar o mesmo nível de aclamação de seu longa anterior, é um dos favoritos ao Oscar 2019. Gosling, que repete a parceria com Chazelle, também é um dos atores principais mais cotados para levar o troféu de sua categoria para casa. Apesar de ter atraído certa controvérsia por causa de alguns críticos nacionalistas, O Primeiro Homem também teve suas qualidades realistas ressaltadas pela imprensa como um todo.
Como boa parte de seus colegas, Chazelle também fará a transição para as telinhas - e em dois projetos diferentes. O realizador retornará ao mundo dos musicais com The Eddy, drama que será lançado por "ninguém mais, ninguém menos" do que a Netflix. Rodado em Paris, o seriado vai explorar a vida noturna da capital francesa, focando no dono de um clube de jazz e na banda residente do local. A outra série levará o realizador para a companhia de Steve Jobs: o projeto, ainda sem título e sem maiores informações divulgadas, será escrito, produzido e dirigido por Chazelle para a Apple, que vem investindo pesado para fazer frente à gigante do streaming.
Por tudo isso, é melhor acompanhar de perto os próximos passos do diretor: pode ser que Chazelle se torne um dos mais famosos cineastas de Hollywood.