Com quase três décadas de atuação, Antonio de la Torre não pensa duas vezes antes de afirmar que José Mujica foi o personagem mais importante de sua carreira. Uma Noite de 12 Anos, o filme em questão, recebeu nota máxima do AdoroCinema.
Conversamos com o ator espanhol durante sua passagem pelo Festival de San Sebastián, onde o longa-metragem foi exibido após sua première mundial no Festival de Veneza. No bate-papo, de la Torre fala sobre as dificuldades enfrentadas durante as filmagens e também sobre como foi interpretar Mujica bem antes da popularidade como presidente do Uruguai. Confira!
ADOROCINEMA: Quão difícil é interpretar alguém que ainda está vivo?
ANTONIO DE LA TORRE: É muito apaixonante! Interpretar alguém que está tão presente no imaginário coletivo mundial como Pepe Mujica me trouxe muita responsabilidade. Por sorte, pude me encontrar com ele duas ou três vezes. Tive muito material disponível de quando era jovem, que não conhecia até então. A partir de sua personalidade pude entender sua grande capacidade de sacrifício e sofrimento, e depois usei minha imaginação para criar meu próprio Pepe Mujica. Estou muito feliz, é o papel mais importante da minha carreira.
AC: O Mujica hoje é bastante conhecido, mas você teve que criar um personagem muito antes dele se tornar presidente do Uruguai. Como foi compor Pepe Mujica na juventude?
ANTONIO: No filme pode-se ver que não há muito do discurso político do Mujica, ele é apresentado como um personagem anônimo que enfrenta o governo como guerrilheiro. Este é um Mujica muito isolado, que mal pode se comunicar com os companheiros. Foi interessante compor uma pessoa tão conhecida por seus ideais políticos sem abordá-los diretamente, como se fosse um desconhecido.
AC: O filme tem cenas bastante pesadas, envolvendo tortura e o encarceramento na prisão. Como foi lidar com o inevitável desgaste emocional durante as filmagens?
ANTONIO: Havia toda esta ideia romântica em torno dos Tupamaros, o movimento político que lutou contra a ditadura no Uruguai nos anos 1970, que era também uma fortaleza no sentido da confiança. Pelo lado físico, os três atores perderam muito peso e, obviamente, nunca foi tão duro quanto na realidade. Com a ajuda do diretor, tentamos fazer uma experiência não apenas física, mas também emocional, o mais profunda possível.
AC: Por mais que o filme não tenha um discurso político tão panfletário, ele fala de um ícone da esquerda latino-americana. Você acredita que isto possa trazer algum preconceito ao filme, pela ideologia política?
ANTONIO: Exatamente por isso temos um diretor uruguaio [Alvaro Brechner], pois era muito importante conhecer de dentro a realidade do país para contar uma história que, mais que um movimento político, fala de três homens em condições extremas que lutam para sobreviver. A história fala mais sobre o ser humano do que como panfleto ideológico pró-esquerda.