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Sonhos e contradições. O novo filme de Helena Ignez, A Moça do Calendário, possui várias camadas ao abordar o machismo, a luta de classes e outras questões que fazem parte da nossa sociedade atual. A atriz e diretora conversou com o AdoroCinema sobre seu quinto longa, que, além de colocar diversos temas em pauta, é completamente autoral.
Ao adaptar o texto de seu marido, Rogério Sganzerla (falecido em 2004), Helena atualizou a história inserindo elementos políticos e sociais que conversam diretamente com o nosso presente. Inicialmente um curta, a diretora viu potencial para transformar a história de Inácio (André Guerreiro Lopes), mecânico que sonha com a Moça do Calendário, em um longa. Quando a realidade e os sonhos se juntam, a Moça em pessoa (Djin Sganzerla) faz com que o protagonista veja muito além de uma imagem estática.
O feminismo é um dos temas que permeiam pelo filme. "Não teria como o roteiro não ser feminista. É um pensamento que vem acompanhando meu trabalho e minha formação como indivíduo. E o melhor é que não é nem um tipo de traição ao trabalho do Rogério, que fez o roteiro. Na adaptação, os personagens possuem um desenho diferente, mas ao mesmo tempo têm a própria experiência que guardo com ele."
A Moça do Calendário não é uma obra importante para Helena apenas por ter trabalhado com o texto de seu marido e dirigido sua filha Djin, mas também porque ela acredita que a história pode conversar com o público brasileiro. "Após passar por alguns festivais aqui no Brasil e em outros países, creio que meu filme conversará com o nosso público. É um momento difícil para o cinema brasileiro, para o cinema que pensa, o autoral. Nós estamos vivendo uma persistência que eu espero que valha mesmo a pena", diz. "O filme é forma de demonstrar força, principalmente com essas discussões tão próximas como as que estão acontecendo agora, sobre política e poder".
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Além do feminismo, o machismo e a luta de classes completam o clima do filme, que ainda possui um estilo de vanguarda, do cinema brasileiro de décadas atrás. "Foi prazeroso mexer nestes temas, foi bom colocá-los como eu gostaria. A Moça é muito radical e surpreende o Inácio ao interromper suas fantasias pessoais."
Sobre dirigir sua filha novamente, Helena afirmou que, às vezes, até se esquece de que são mãe e filha. "Tudo começou no teatro, e continuamos trabalhando muito juntas. Eu a conheço bem e a deixo com muita liberdade, assim como faço com todos os atores que dirijo."
Helena também diz que A Moça do Calendário traz de volta a maneira como ela começou a fazer cinema, ao mesmo tempo em que não sabe se resgatou o movimento do Cinema Novo e Cinema Marginal: "O meu jeito de fazer cinema é só meu, assim como trazer estes filmes que eu amo, os filmes de Rogério (como Copacabana Mon Amour) e suas cenas. É como se eu estivesse os revivendo de alguma maneira."
Ainda sobre o Cinema Marginal, a diretora registra uma questão: "Será que o cinema marginal existe? Eu talvez fosse uma representante deste cinema de vanguarda, mas não é o Cinema Marginal exatamente. O que eu digo é que não fiz filmes marginais; eu fiz filmes sofisticados, cinematográficos. Tive a felicidade de trabalhar com grandes diretores... E esse cinema que eu faço é o cinema que pensa."
Nem sátira, nem drama: para Helena Ignez, seu A Moça do Calendário é uma fábula. "Considero ele desta forma. A sátira pode ser amorosa, mas a amorosidade aqui é uma característica. Se encaixaria melhor como uma fábula, principalmente no momento atual do nosso país."
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