Antes de qualquer pergunta, Sev Ohanian se adianta: “Um pequeno contexto: Aneesh [Chaganty] e eu somos uma dupla criativa. Escrevemos juntos e ele dirige, enquanto eu produzo. Nós fizemos um comercial de dois minutos para o Google chamado ‘Seeds’, que viralizou. Sou um produtor independente. Meu primeiro filme foi Fruitvale Station [de 2013, dirigido por Ryan Coogler, de Pantera Negra] e eu trabalho na indústria desde então”.
Ao lado do diretor Aneesh, o falante produtor (montador e roteirista) discursava para uma plateia de cerca de 15 jornalistas em Barcelona, em um evento da Sony Pictures, no último mês de junho, a respeito do mais novo filme da dupla, Buscando…
A produção, premiada no festival Sundance, se passa inteiramente dentro de “telas” e está em cartaz nos cinemas brasileiros.
“O foco sempre é como pegar esse conceito tecnológico e humanizá-lo”, Aneesh se recorda do lema dos tempos de Google. “Nós vimos muitos filmes, curtas e episódios de televisão que se passam em telas e a maioria deles não tinha uma conexão emocional com a história”.
O clique de Searching (no original) é abordar a conexão entre pai (John Cho) e filha (Michelle La). Quando Margot, 16 anos, desaparece, David Kim começa uma busca desesperada pela jovem, com a ajuda da detetive Vick (Debra Messing). Um thriller policial, todo o filme se passa no desktop de David, no scroll do Gmail, nas conversas pelo FaceTime, numa análise do feed do Instagram da jovem, na câmera de segurança da casa vinculada ao laptop, nas intermináveis reportagens de TV reproduzidas na internet.
O ponto de partida para o enredo foi mesmo o momento inicial do filme. Clipada à la Up - Altas Aventuras, a cena retrata a rotina em família, de comemorações, aniversários, até o adoecimento e consequente falecimento da esposa, Pamela (Sara Sohn). A retrospectiva dura poucos minutos.
“O mais importante era que a cena inicial nos animou a fazer o projeto porque, com essa abertura, nós percebemos que as audiências iam se conectar com os personagens e se importar com eles”, explica o roteirista. “Nós esperávamos que elas iam esquecer que o que elas estavam vendo se passava em telas e iam focar na história”.
“Grande parte das nossas vidas se passa em telas, e nós vamos achar maneiras de incorporar isso às narrativas que contamos. Se nós passamos seis horas por dia olhando para alguma coisa, a nossa arte vai refletir isso”, contemporiza o roteirista.
Caso você não esteja ligando o nome à pessoa, John Cho, o protagonista, é o ator de origem oriental responsável por dar vida ao lendário Hikaru Sulu na nova franquia cinematográfica Star Trek. Quer dizer, então, que a descendência faz diferença para a contar essa história? Não (do ponto de vista narrativo); e sim (por uma questão de representatividade).
“Era essa a ideia, de que nós estávamos pegando um personagem cuja etnia não importava para a história, era alguém que Hollywood não escolhe para esses papéis, e nós dissemos ‘que se dane, vamos escolher ele’”, explica Sev, que admite ter ouvido comentários do tipo “‘O filme não é sobre uma família asiática americana. Por que vocês querem o John Cho?’ e a nossa resposta sempre era ‘Por que não?’”
Já Aneesh, ele mesmo de ascendência indiana, confirma: “Essa era uma meta nossa: ir contra a norma em Hollywood”. Quanto a Debra, mais conhecida por seus papéis em comédias, sobretudo como a coprotagonista de Will & Grace, ele confirma o intuito de fuga do lugar-comum: “Nós queríamos colocá-la em um papel dramático. Essas decisões, não só de elenco mas todas as que tomamos, foram feitas pensadas em algo diferente, fugindo do normal”.
E se, a essa altura, você está se perguntando “como” eles filmaram, não foi com câmera do celular. Funcionou assim: Cho filmava na frente de um laptop, que não era o mesmo usado no filme, com uma câmera Go-Pro em cima do computador. “Nós queríamos filmar em FaceTime, mas se fizéssemos assim, não poderíamos acompanhar a gravação em uma segunda tela”. Nas cenas em que Cho conversava com Messing, eles estavam em salas diferentes, porém na mesma casa, com fios conectando os ambientes. E todos os sons (de digitação, por exemplo) foram gravados posteriormente.
O resultado foi praticamente um “filme de animação” (recriando as identidades visuais de cada rede social), como eles gostam de chamar. Para saber se daria certo, no entanto, o diretor filmou uma versão prévia, integral, com ele representando todos os papéis.
E deu. Pelo menos entre a crítica especializada, uma vez que o longa acumula 93% de aprovação no Rotten Tomatoes. E também entre os amigos. “O Ryan Coogler já viu o filme e gostou bastante, tanto que o próximo Pantera Negra até vai ser assim também”, ri o tagarela Aneesh Chaganty.
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