O cinema brasileiro atravessa um momento particular. Por um lado, nunca se fez tantos filmes quanto hoje, incluindo uma diversidade impressionante entre ficções e documentários, dos mais diversos gêneros. Uma safra talentosa de jovens cineastas tem aparecido com propostas ousadas (Affonso Uchôa, João Dumans, Adirley Queirós, Juliana Antunes, Gabriel Mascaro, Juliana Rojas, Marco Dutra, Alê Abreu etc.), enquanto os mais experientes se consolidam com projetos frequentes (Laís Bodanzky, Kleber Mendonça Filho, Anna Muylaert).
Por outro lado, os profissionais do cinema se inquietam com os novos rumos da Ancine, que tende a privilegiar os sucessos do cinema comercial em detrimento de um cinema jovem e vigoroso. Paralelamente, a produção nacional encontra dificuldade de repetir as bilheterias estrondosas das comédias populares recentes (especialmente aquelas estreladas por Leandro Hassum, Ingrid Guimarães, Paulo Gustavo e Fábio Porchat), enquanto os recursos têm sido escassos para a promoção e distribuição do cinema nacional.
Em meio a este panorama, o Brasil amarga a ausência de uma conquista simbólica: a vitória no Oscar de melhor filme estrangeiro. Em 2018, os vizinhos chilenos levaram a estatueta por Uma Mulher Fantástica. A Argentina já tem dois troféus (por A História Oficial e O Segredo dos Seus Olhos), enquanto países de produção restrita, como África do Sul e Argélia, já foram recompensados (por Infância Roubada e Z, respectivamente).
A última indicação do Brasil veio com Central do Brasil, em 1999. Antes disso, fomos indicados por O que É Isso, Companheiro? (1998), O Quatrilho (1996) e O Pagador de Promessas (1963). A próxima cerimônia, em 2019, pode marcar duas décadas em que o cinema nacional sequer figura entre os cinco indicados. A última vez que chegamos perto de uma conquista foi em 2008, quando O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias chegou à lista de pré-indicados, mas não figurou entre os finalistas.
A responsabilidade de colocar o cinema nacional de volta ao Oscar recai sobre os ombros de O Grande Circo Místico, escolhido para representar o país na disputa. A grande produção, realizada em parceria com Portugal e França, é dirigida por Cacá Diegues, cujos projetos levaram as cores do Brasil à premiação em seis outras ocasiões, e possui grande renome nos Estados Unidos devido a sucessos como Xica da Silva, Bye Bye Brasil e Tieta do Agreste. As canções de Chico Buarque e a magia do circo também podem seduzir votantes estrangeiros.
Mas o que tem separado o cinema brasileiro da premiação? Certamente, não foi a falta de bons representantes: O Som ao Redor figurou em diversas listas de melhores filmes do ano, Que Horas Ela Volta? seduziu espectadores e críticos em dezenas de países, Cinema, Aspirinas e Urubus foi ovacionado em Cannes, e Aquarius teria sido um dos nossos candidatos mais fortes de todos os tempos, caso tivesse sido escolhido para representar o país na disputa ao invés de Pequeno Segredo.
Primeiro, é preciso compreender melhor a lógica da premiação. Algum tempo atrás, o consenso dos votantes privilegiava obras melodramáticas, de preferência ligadas a temáticas infantil e de guerra (A Vida É Bela, Indochina). Ultimamente, os três maiores festivais internacionais têm exercido um peso considerável nas indicações: a maioria dos indicados foi selecionada em Cannes, Berlim ou Veneza - caso de todos os vencedores do Oscar de filme estrangeiro desde 2011.
Ora, o Brasil ainda tem uma representação discreta nos maiores festivais internacionais. Com exceção de Berlim, muito afeito às produções sul-americanas, Cannes tem comprovado seu eurocentrismo nas últimas seleções, e Veneza parou de incluir o cinema nacional das mostras competitivas há décadas. Tivemos bons nomes em Sundance (Benzinho, Ferrugem) no último ano, além de Berlim (Tinta Bruta, Ex-Pajé), Cannes (O Grande Circo Místico) e Veneza (Domingo), mas fora das competições principais.
Além disso, nem todos os cinéfilos sabem do árduo caminho percorrido por um filme após ser escolhido como candidato de seu país. Não basta enviar o projeto aos votantes e torcer para ser indicado. Cabe ao diretor ou produtor viajar aos Estados Unidos e organizar sessões em diferentes partes do país, encontrando votantes e efetuando uma extensa campanha para seduzir os membros da Academia. A viagem tem seus custos, cobertos apenas parcialmente pela Ancine. A instituição forneceu R$ 150 mil para a divulgação de O Som ao Redor, por exemplo, enquanto Pequeno Segredo recebeu R$197 mil para toda a campanha.
O Grande Circo Místico terá um longo caminho pela frente. O drama fantástico vai disputar uma vaga com concorrentes de peso, incluindo o japonês Assunto de Família, vencedor da Palma de Ouro em Cannes, o sul-coreano Burning e o belga Girl, multipremiados em Cannes, o paraguaio As Herdeiras, que levou dois prêmios em Berlim, e Sunset, o destaque húngaro da competição em Veneza. Países de forte tradição no Oscar, como a França e a Itália, ainda precisam definir os seus representantes.
Diante das dificuldades, seria legítimo questionar a importância da vitória no Oscar como reconhecimento da nossa cinematografia. Todo prêmio carrega um peso simbólico, é claro, além de garantir maior bilheteria aos filmes e assegurar sua distribuição em outros países. Mas a busca de reconhecimento pelo olhar estrangeiro é objeto de questionamento entre muitos cinéfilos e profissionais do cinema, com razão: por que precisaríamos de uma Academia internacional, representante da indústria norte-americana, atestando a qualidade da nossa produção?
Vale lembrar as palavras da veterana Fernanda Montenegro em 2013, após ser indicada ao Oscar de melhor atriz por Central do Brasil: "Eles respeitam o prêmio lá fora, mas aqui [no Brasil] isso não significa nada. Aqui, se você ganha, [o sucesso] dura algum tempo. Mas se é indicado e não ganha, não dura tempo nenhum. Isso não traz vantagens a mais, em nenhum campo. Você não vai ter mais prestígio, não vai ganhar a mais, não vai ter ninguém trabalhando [para encontrar novos filmes para você]".