O clima de festa e homenagens continua rendendo bastante no Festival de Vitória. Em mais uma noite de casa cheia no Teatro Carlos Gomes, o homenageado da vez foi Neville D'Almeida, uma das principais figuras do Cinema Marginal. Com prêmio entregue por Mario Abbade, o cineasta (que completou 50 anos de carreira) deixou claro que seu amor pela sétima arte continua intacto. "O cinema é verdade, é liberdade em muitos aspectos", declarou após beijar o chão do palco em forma de agradecimento.
Abbade, por sua vez, também se mostrou tocado por apresentar seu documentário Neville D'Almeida: Cronista da Beleza e do Caos. A obra não só é uma homenagem ao diretor como também possui muitas imagens raras de arquivo para compor sua trajetória. Com isso, a relevância fica ainda mais poderosa ao narrar momentos de seu cinema autoral, desde a Ditadura até os tempos atuais. "Quando procurei apoio financeiro de diferentes órgãos, chegaram a me dizer que era melhor fazer um filme sobre Neville quando ele estivesse morto; mas eu não desisti e, após passarmos no Festival de Roterdã, estamos aqui em Vitória".
Pela segunda vez em três dias, a Mostra Competitiva de Curtas contou com quatro curtas dirigidos por mulheres. Duas ficções e dois documentários (sendo um destes mais se encaixando como docuficção). O Festival de Vitória claramente está de olho em ampliar o espaço da mulher no cinema e, felizmente, o saldo dos curtas apresentados está sendo positivo.
Entre Pernas, dirigido por Ayla de Oliveira, aborda uma lenda pernambucana que assustou a população na década de 70. Usando e abusando de movimentos de câmera e até utilizando drones para captar algumas imagens, a diretora sabe aproveitar o suspense já intrincado neste mito, mas não o ultrapassa para contar uma história mais reforçada.
O carioca Cravo, Lírio e Rosa, de Maju de Paiva, é uma ficção muito bem executada que envolve monstros - vampiros e mortos-vivos, e também monstros de nossa própria vulnerabilidade. Ao transmitir a delicadeza de duas irmãs, ambas se conhecendo através de seus corpos e de suas escolhas para se relacionar com o mundo, a diretora ainda insere elementos do horror que se baseiam na obra de Juliana Rojas e Marco Dutra. Sutileza, silêncio e encantamento andam de mãos dadas aqui.
Maria, de Elen Linth e Riane Nascimento, e Braços Vazios, de Daiana Rocha, conversam muito entre si por terem como mote questões sociais cujas adversidades dificultam a vida de muitos ou, em casos mais drásticos, resultam em morte. No primeiro curta acompanhamos a rotina de uma travesti que adora a cidade em que mora, mas que precisa lidar com percalços diários relacionados a sua identidade. Um tema que já é abordado no cinema, mas que aqui toma forma de uma visão intimista aliada ao estilo "filme ensaio" – e uma performance poderosa de sua protagonista.
O último curta da noite mescla ficção com o documental de forma singular especialmente por tratar de um assunto também já muito abordado cinematograficamente: a violência policial que resulta em mortes de inocentes. Braços Vazios pode ser considerado um exemplo no audiovisual de como é problemático o tratamento de policiais para com pessoas negras que residem em áreas periféricas, e felizmente ele consegue extrair mais do tema. A narrativa é feita a partir do ponto de vista de uma mãe que perdeu seu filho e segue a linha verídica ao reproduzir depoimentos reais de mulheres que sofrem com tal violência.
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