Nem mesmo a chuva foi capaz de fazer com que o público não chegasse ao Teatro Carlos Gomes na 2ª noite do Festival de Vitória 2018. Com a plateia cheia e ainda mais animada do que na noite anterior, o evento apresentou quatro curtas sobre sexualidade, paixão, violência e injustiça, além de um longa de horror no maior estilo filme B.
Antes das apresentações, uma surpresa: a atriz Maria Gladys foi aplaudida de pé ao receber o Troféu Vitória, organizado pela diretoria do Festival. Com quase 60 anos de carreira, Gladys foi definida pelo cineasta Neville D'Almeida como "uma atriz que atravessa o tempo", em vídeo apresentado antes dela subir ao palco. Para entregar o troféu a atriz, o escolhido foi outro convidado especial: Matheus Nachtergaele. A onda de aplausos se manteve durante quase toda a fala de ambos. "A tradução de ator tropicalista, último movimento artístico importante no Brasil, é Maria Gladys", afirmou Nachtergaele a uma homenageada visivelmente surpresa.
Apesar de apenas um curta se destacar fortemente dos demais (no caso, o comovente Tentei, de Laís Melo), todos flertam com temas atuais e sociais. A noite começou com BR3, de Bruno Ribeiro: ambientado no Complexo da Maré e apresenta a vida de travestis vivendo em busca do que todos eventualmente acabam procurando: amor, sucesso, felicidade. Através de três personagens, vemos o que cada um busca dentro de contextos diferenciados, mas que se complementam no final – especialmente com um plano proposto a nos fazer refletir que, não importa o que aconteça, a vida segue.
Tentei foi o segundo curta apresentado mas certamente permaneceu na mente dos espectadores até o fim da programação noturna. De tom sóbrio e tão direto que chega a ser ainda mais angustiante, a obra acompanha a manhã de uma mulher vítima de violência doméstica e sexual que deseja abandonar seu marido. É desconfortável ver o quão desorientada a mulher está, mesmo sabendo que, com a coragem necessária, ela poderá voltar a ser quem era. Sem a mostra do ato de violência e nem mesmo de seus machucados, o que é permitido ver é apenas sua dor. A potente atuação de Patrícia Saravy (premiada no 50º Festival de Brasília) rendeu muitos aplausos. Aplausos esses até difíceis de serem dados, devido a tamanha sensibilidade expressa.
Alma Bandida participou da edição de 2018 do Festival de Berlim e traz uma história de amor e desilução movida a GTA, carros e à procura por cristais para ajudar o jovem Fael a reconquistar sua namorada distante. Segundo o diretor Marco Antônio Pereira, a história trata a falta de compatibilidade entre as pessoas.
Fechando os curtas da noite, Você, Morto é uma produção capixaba que, inclusive, possui algumas cenas gravadas dentro do próprio Teatro Carlos Gomes. Brincando com ficção e realidade, o terror instiga por se passar dentro do cenário independente do cinema, no qual um diretor inusitado utiliza máscaras de pessoas mortas para fazer seus filmes – mas os espectadores nem chegam perto de saber disso.
O gênero do último curta com o longa apresentado em seguida se interligou muitíssimo bem. A Mata Negra, do diretor Rodrigo Aragão, também é um terror, mas possui toques folclóricos e fantasiosos. O diretor já havia feito sucesso na 22ª edição do Festival de Vitória ao apresentar As Fábulas Negras, seu filme anterior; mas apontou, humorado, que este último lançamento é apenas o primeiro filme a ser apoiado oficialmente por editais.
No mercado audiovisual há 10 anos, Aragão mostrou orgulho em dizer que este trabalho é um filme de família. "Minha esposa fez uma participação no elenco e também produziu o longa. Minha filha, Carol Aragão, é a protagonista", explicou. O diretor também afirmou que, ainda mais importante do que mostrar personagens capixabas, é mostrar o imaginário deles.
Sobre o cinema de terror no Brasil, Aragão fez uma alusão ao mundo real e afirmou que "está difícil ultrapassar a realidade que estamos vivendo". O capixaba concluiu sua apresentação dizendo que os monstros de seus filmes são mais "bonitos" e que todos precisam de mais fantasia em suas vidas: "Vamos nos distrair, por pelo menos 1h30, com monstros tradicionais". Leia a crítica de A Mata Negra aqui.