Quando pequeno, o escritor Édouard Louis passou por momentos difíceis. Ele apanhava dos outros garotos na escola, e sofria preconceito dentro da própria família devido aos traços delicados. Décadas mais tarde, Louis assumiu a sua sexualidade e superou os traumas através da literatura e do teatro.
Esta história é levada aos cinemas no drama Marvin, dirigido por Anne Fontaine (Agnus Dei, A Garota de Mônaco). Finnegan Oldfield interpreta Marvin, o garoto desprezado de modo agressivo por todos ao redor. Quando finalmente tem a liberdade de sair de casa e entrar na faculdade, encontra no teatro uma válvula de escape.
Para isso, conta com a ajuda de uma professora benevolente (Catherine Mouchet), um empresário gay (Charles Berling), um intelectual gay (Vincent Macaigne) e uma atriz famosa (Isabelle Huppert, interpretando a si mesma) que aceita participar de sua peça de teatro.
Oldfield visitou o Brasil durante o Festival Varilux de Cinema Francês, e aproveitamos para conversar com o ator sobre o projeto que já está em cartaz nos cinemas:
Vista de fora, a França dá a impressão de ser um país tolerante em relação à diversidade sexual e de gênero. Como vê o retrato da homofobia no filme?
Finnegan Oldfield: Em Marvin, nós falamos de uma família de pessoas de origem mais humilde, no caso, um núcleo proletário e rural. Esse retrato é exacerbado e teatral de certa maneira. A homofobia é retratada de modo muito forte devido às escolhas de direção. Isso cria uma grande diferença entre a vida de Marvin quando é pequeno e sofre bullying no colégio - o que é uma realidade concreta, tanto no meio proletário quanto no no meio burguês - e depois, quando ele vai à Paris.
O filme trata de dois períodos: primeiro quando ele é jovem, e depois quando encontra os intelectuais teatrais, que vão dar conselhos, ajudá-lo a se conhecer melhor. Não acho que o filme apedreje o meio proletário por ser homofóbico ou algo do tipo. Marvin fala como alguém que se sente estrangeiro dentro de sua própria família. É como no livro biográfico de Édouard Louis, “O Fim de Eddy”. Marvin não é uma adaptação concreta do livro, mas foi bastante inspirado por ele.
Como você vê essa exposição de si em relação a Édouard Louis e à narrativa do filme?
Finnegan Oldfield: Édouard Louis descreve coisas muito, muito violentas em seu livro e existem várias dessas cenas no filme, principalmente quando Marvin é pequeno. Mas Anne Fontaine, nossa diretora, queria explorar mais o lado teatral, como o personagem lida com esses traumas e todo esse sofrimento de maneira criativa, artística. Isso é algo que vemos bastante ao redor do mundo todo: pessoas que tiveram uma infância terrível e que deram a volta por cima graças a alguma coisa, como o esporte. São pessoas que transcendem os traumas.
Acredita que o projeto tenha a ambição de sensibilizar as pessoas ao tema?
Finnegan Oldfield: Não sei se esse é o objetivo do filme, mas acho que Marvin tem muito amor pelas pessoas diferentes, que aceitam suas diferenças e suas formas de viver. Acho que isso incentiva as pessoas a se sentirem livres e a encontrarem a si mesmas de verdade. Isso vale não só para a homossexualidade, mas também para o fato de que Marvin se perder ao deixar suas raízes e entrar nessa companhia teatral burguesa.
É interessante ver que ele não precisa completamente romper com o passado para aceitar quem ele é. Não é preciso abandonar a família para sempre. Você pode idealizar sua família de uma forma, mas a realidade nem sempre será correspondente. Existem cenas em que Marvin imagina certas coisas sobre um rapaz, mas essas coisas não têm nada a ver com a realidade. Tudo depende de como vemos as coisas. Depois há um momento em que ele acredita que não vão ajudá-lo, mas sua família o ajuda. As coisas são mais complexas do que aparentam.
Conforme Marvin cresce, ele encontra mentores como Isabelle Huppert e Vincent Macaigne. Estes personagens se tornam uma família simbólica para ele?
Finnegan Oldfield: Sim, há bastante disso na história. Existem várias figuras, que inclusive o ajudam a refazer os laços com sua família. Para mim, o momento crucial é quando Marvin se reencontra com o pai, e descobre que ele mudou seu discurso. Nesta hora, são como dois estrangeiros que se encontram, mas você vê uma família de verdade pela primeira vez. É graças às pessoas que Marvin encontra que ele se encaminha para um momento ou outro. É disso que o filme fala.
Você incorporou detalhes do livro, ou trouxe gestos e características de Édouard Louis?
Finnegan Oldfield: Sinceramente, gosto muito do livro, é muito interessante. O amor que o personagem sente pelos pais é muito forte. Foi como ler uma declaração de amor com palavras emocionantes. Depois, ele reencontra sua família e aprende a lidar com eles. Este é um dos momentos que me motivou a investir no projeto.
Mas sobre Édouard Louis, criamos um personagem muito ambíguo, e foi essa complexidade que me atraiu. Não tentei copiá-lo, mas fui francamente inspirado pelo que Louis escreveu, contou e pela forma com o personagem fala. Existem momentos no filme em que se pode ver isso.
Você tem uma interpretação muito contida, assim como o jovem Jules Porier. Como Anne Fontaine trabalhou com vocês?
Finnegan Oldfield: É verdade. Marvin está acostumado a se esquivar, a lidar com as coisas de modo indireto. A vida não é fácil para ele. Por isso, me pareceu lógico que o personagem fosse retraído, para em seguida se expor melhor aos outros, para mostrar o que ele tem dentro de si. Essa era uma característica importante no livro, e mantivemos no filme.
Marvin não deixa de ser um personagem-ator. Ele observa, às vezes se cala, mas existem momentos em que ele é forte. Personagens diferentes como ele são os mais instigantes. É como na cena em que Marvin está no teatro, quando encontra Isabelle Huppert ou conversa com Abel. É isso que me interessa: onde está o Marvin verdadeiro? É quando está com Abel? O Marvin verdadeiro é aquele que reencontra o pai no fim do filme? Quando está na faculdade? Na verdade, é uma mistura de todos esses momentos. A busca pela identidade é algo que me atrai bastante.