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    CineBH 2018: Autoritarismo no regime militar, espetacularização da pobreza e solidão estão em pauta

    Sessões de filmes clássicos e contemporâneos da mostra Pontes Latino-Americanas instigam a pensar nos problemas do continente de forma ácida, irônica e contemplativa.

    O segundo dia de sessões da 12ª CineBH - Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte olhou para o presente e para o passado do cinema latino-americano propondo diálogos entre as mazelas sociais e políticas da região com diferentes propostas estéticas.

    No final da tarde de quarta-feira (29), o Cine Humberto Mauro, no Palácio das Artes, recebeu dois clássicos curtas-metragens que simbolizam perfeitamente o tema "Pontes Latino-Americanas", eixo temático da edição deste ano do festival que visa pensar como as condições e experiências de um contexto periférico e pós-colonial transparecem na produção cinematográfica de uma região.

    O curta-metragem Blablablá (1968), de Andrea Tonacci, resgatou o experimentalismo crítico do mais ímpar cineasta relacionado ao Cinema Marginal. Eleito o 97º melhor filme brasileiro de todos os tempos pela Abraccine, o filme escarra no autoritarismo demagógico do regime militar brasileiro e traz Paulo Gracindo no papel de um caricato ditador que decide fazer um pronunciamento na TV em um momento de crise. A postura do autocrata diante das câmeras é a de um político que compreende o papel da performance na manipulação do público, passando por entonações e expressões que denotam ira, melancolia, êxtase e confiança.

    Divulgação

    Gracindo encarna verdadeiras convulsões do alto de seu púlpito como o Ditador, clamando por ordem, instigando a repressão de "subversivos", exaltando valores conservadores e exalando o pavor de tudo o que é popular, o que dá a Blabláblá uma intensa relevância como obra crítica nos dias de hoje. Além disso, o filme é resultado de uma grande coragem artística por parte de Tonacci de propor um comentário audaz sobre o regime militar em uma década em que fazer filmes como este poderiam ser fatais. O assassinato de dois militantes no final do filme antecipava o recrudescimento que o país viveria com o AI-5, instaurado meses depois do lançamento do filme. Com uma estética revolucionária e caótica, o filme simboliza as inquietações do Cinema Marginal em um momento em que o Brasil, como nação, se preparava para anos de trevas. Os experimentos de Tonacci e seu cimema sarcástico mostram que não se adentra a boa noite apenas com ternura.

    Na mesma sessão em que Blábláblá foi projetado foi exibido também o curta-metragem colombiano Agarrando Pueblo - Vampiros da Miséria , de Carlos Mayolo e Luis Ospina. O falso documentário carregado de uma comédia ácida é um tenaz comentário sobre o fetiche da pobreza que muitas vezes move artistas na exploração da carência social supostamente em nome de uma arte que se propõe solidária, mas na verdade humilha aqueles que retrata. "Como um produto de consumo, a pobreza é uma fonte de prazer mórbido e de muito dinheiro. A pobreza é uma commodity que alcança um preço alto no mercado de luxo", já disse o  o escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano ao comentar o trabalho de fotógrafos como Sebastião Salgado, que na visão do autor tem um humanismo que falta a seus colegas.

    Em Vampiros da Miséria, Mayolo interpreta a si mesmo enquanto percorre as ruas de Cali e Bogotá atrás de meninos de rua, mendigos, pessoas com em situação de rua com problemas psiquiátricos e prostitutas que deseja filmar por instantes e, logo depois, abandonar. A busca pelo retrato da pobreza representada como obsessão tão grande que se faz necessário até contratar pessoas dispostas a fingir que são humildes diante das câmeras. Além da óbvia crítica ao abutrismo do cinema documental da época, Mayolo e Ospina também fazem um comentário sobre a natureza do cinema em si e os perigos e possibilidades da representação pela imagem. Outro aspecto interessante de assistir Agarrando Pueblo nos dias atuais é que a Colômbia continua a despertar um interesse estereotipado do cinema hoje em dia, com diversos filmes e séries que só querem retratar o país sulamericano para tratar de violência urbana, guerrilha e narcotráfico (epitomizado pelo resgate da figura de Pablo Escobar em filmes e séries).

    Também na mostra Pontes Latino Americanas, foi exibido o rústico drama aberto a muitas interpretações A Mulher dos Cachorros (leia a crítica do AdoroCinema), de Verónica Llinás e Laura Citarella. A sessão do filme faz parte de uma série de homenagens propostas pela CineBH para a produtora argentina El Pampero Cine, usada pelos curadores como uma companhia que aponta para novas maneiras de se fazer cinema independente no continente.

    Durante a tarde de quarta-feira (29), antes da sessão do longa-metragem, Laura participou de uma masterclass no Teatro João Ceschiatti onde falou sobre a os postulados éticos que movem a produtora. "Não exigimos que os filmes da produtora se tornem mercadoria. Fazermos os filmes tem mais a ver com a expressão artística, com um processo que instale suas próprias regras que permitam chegarmos aos filmes que queremos", contou. Para ela, é mais importante trabalhar com um grupo de amigos que compartilham dos mesmos ideais do que pensar o cinema como uma mercadoria. "A El Pampero produz muito pouco, ou nada, de dinheiro. O motor dos filmes não está colocado de nenhuma maneira na economia da feitura desses filmes. Elas se fazem como for possível, os integrantes do grupo vivem de outros trabalhos." Para Laura, a possibilidade de experimentar livremente e de produzir de maneira artesanal é o que ela mais valoriza no feitio cinematográfico. "Há poucos casos na história da arte em que se conseguiu complementar experimentação e ganho financeiro, por isso fazemos nossos filmes enquanto trabalhamos com outras coisas."

    Críticas do AdoroCinema dos filmes presentes na programação da CineBH

    A Mulher dos Cachorros: "Resiliência", por João Vitor Figueira

    Sol Alegria: "Caravana radicalizaray", por Taiani Mendes

    Baixo Centro: "A alma encantadora e perigosa das ruas", por Taiani Mendes

    Espera: "O coletivo de tempo", por Bruno Carmelo

    Jonas e o Circo Sem Lona: "O menino e o mundo", por Bruno Carmelo

    Intolerância.doc: "Casos de violência", por Bruno Carmelo

    Ferrugem: "Um vilão de nosso tempo", por Taiani Mendes

    Benzinho: "Formatura de mãe", por Taiani Mendes

     

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