Descaracterizada pela retirada de O Banquete, de Daniela Thomas, da competição oficial, a 6ª noite do Festival de Gramado ofereceu uma sessão em que as entradas - os curtas - foram mais satisfatórios e saborosos do que os pratos principais - os longas. Tendo localidades marcadas pelo sofrimento como cenários, as narrativas breves ofuscaram totalmente as fantasias que vieram na sequência e até mesmo a acelerada entrega do Kikito de Cristal à estrela uruguaia Natalia Oreiro.
Estamos Todos Aqui é um febril Corra, Lola, Corra entre os barracos do mangue de Guarujá. Dirigido por Chico Santos e Rafael Mellim, o inquieto filme acompanha a batalha da adolescente Rosa Luz para construir sua casa, após ser expulsa pelo pai ao decidir deixar de se apresentar como Lucas. Meio Brecht, meio Godard, o curta conta com ótimos depoimentos dos moradores da Favela da Prainha sobre economia e desigualdade social, e os insere na construção da ficção opinando a respeito do destino de Rosa. Agregador, necessário e revolucionário, como uma ocupação cinematográfica.
Averno, longa boliviano de Marcos Loayza, chegou para retirar os espectadores gramadenses do lugar de conforto. Aberto com citação de Proust a respeito do olhar, a fábula sobre um rapaz que encara incrível jornada noturna até o mundo dos mortos em busca do tio, existe no limite entre o tosco e o pitoresco. É inegável a criatividade e a influência folclórica, e perceptível a atenção especial à fotografia e de arte, mas o ator que interpreta o protagonista Tupah não tem qualquer expressão, a direção é fraca, o ridículo abunda e o saldo final é... bizarro.
Premiado recentemente no Cine Ceará, Nova Iorque trouxe de volta ao Palácio dos Festivais a desaparecida emoção. O bonito curta de Leo Tabosa narra a história de Leandro, menino abandonado pela mãe que enxerga a professora como uma substituta capaz de suprir sua falta de carinho. Com incrível atuação do pequeno Juan Calado, Hermila Guedes e Marcelia Cartaxo, o drama embalado por uma caixinha de música toca o coração como um neto legítimo do clássico Central do Brasil.
No lugar de O Banquete, cuja participação no festival foi cancelada por conta de referências feitas na trama ao jornalista Otavio Frias Filho, falecido esta semana, foi apresentado A Chave do Vale Encantado. Dirigida pelo cantor Oswaldo Montenegro, a fantasia tem como protagonistas personagens famosos como a Bruxa, Robin Hood, Branca de Neve e Chapeuzinho Vermelho, aqui retratados como atores que diariamente são chamados a interpretarem seus papéis nos sonhos das crianças.
Ninguém é realmente malvado nesta espécie de comunidade hippie gerenciada pelo Papai Noel, único do grupo que conhece o mundo real. Narrado por Montenegro e com participação da voz marcante de Fernando Mansur, o filme tem muito humor e algumas transgressões, como a Branca apaixonada por Dunga e uma Rapunzel que esquece das tranças. A trama principal, que envolve o desejo do Príncipe de roubar a chave do Vale para conhecer a vida fora dali, no entanto, não chega a ser desenvolvida porque o roteiro se demora por demais nas apresentações individuais, alguns números musicais (embalados por Oswaldo, obviamente) são intermináveis clipes e o ritmo ja foi completamente perdido quando enfim o chamado à aventura gera quase uma guerra civil na floresta.
A Chave do Vale Encantado tem boas atuações de Rafael Canedo (Príncipe), Deto Montenegro (Lobo) e Kamila Pistori (Bruxa), mas poderia ser um pouco menos disperso e não tão colorido artificialmente, cheio de efeitos e brilhos que só servem para incomodar. Não ocorreu uma correção e sim uma saturação total das cores, que resulta mais assustadora do que fantástica. Mas diverte.