Na fria Gramado um pouco de calor humano foi sentido assim que os primeiros atores colocaram os pés no tapete vermelho diante do Palácio dos Festivais, empolgando os moradores locais e turistas atentos a mais uma edição da famosa mostra gaúcha. A 46ª edição do Festival de Gramado começou com elogio de Carlos Diegues, que celebrou o fato do clássico evento ser o responsável pela primeira exibição nacional de seu O Grande Circo Místico.
Lançado mundialmente no Festival de Cannes, o drama quase fantástico tem música de Chico Buarque e Edu Lobo e nomes como Mariana Ximenes, Bruna Linzmeyer, Jesuíta Barbosa, Juliano Cazarré e Vincent Cassel no elenco, mas nada disso o salva da perdição. Saga familiar que começa em 1910 e segue até os dias de hoje, o filme narra basicamente histórias que costumam acabar sofrimento para as mulheres e, para além da fotografia deslumbrante em certas cenas do primeiro trecho, do encantamento que cerca as aparições de Linzmeyer e da carismática atuação de Jesuíta, nada é digno de nota - muito menos da expectativa construída em torno do projeto.
Como disse Bruno Carmelo na crítica produzida durante o Festival de Cannes, “O Grande Circo Místico sofre de uma indefinição conceitual grave. Pretende falar de magia, sem se aprofundar no universo fantástico – ora os elefantes e leões soam naturalistas demais, ora as borboletas digitais são exageradamente falsas. Pretende comover com dezenas de dramas pessoais, mas se recusa a desenvolver qualquer personagem. Os únicos motores de ação são aqueles de ordem folhetinesca: os nascimentos e mortes, casamentos e gestações.”. Um filme sobre circo em que a plateia está sempre vazia e isso não é tratado como uma questão... Enigmático é como o empreendimento negligenciado consegue durar tanto e como, ao fim da sessão de 105 minutos, a sensação era de que a exibição tinha durado uns oito dias.
Na sequência a mostra competitiva de longas foi oficialmente aberta com A Voz do Silêncio, novo filme de André Ristum (O Outro Lado do Paraíso). Marieta Severo, Arlindo Lopes, Marat Descartes, Nicola Siri e Claudio Jaborandy estrelam o filme-coral passado numa opressora São Paulo, onde a solidão dói mais à noite e as conversas, mesmo em família ou dentro de casa, são raríssimas. O resultado é irregular como as tramas, analisadas individualmente, e o grande destaque é o desenho de som que dá atenção especial a ruídos tidos como banais e bastante presentes no dia a dia, seguindo a linha do drama de contar histórias nada extraordinárias.
Severo já desponta como candidata ao Kikito de melhor atriz, mas o único momento realmente fervoroso envolvendo o filme se deu quando o produtor Rodrigo Castellar assumiu o microfone durante a apresentação da sessão e bradou “Lula Livre!”, gerando palmas e vaias da plateia e irritando um espectador em especial que permaneceu reagindo contra a declaração durante vários minutos, até a descida completa do elenco e equipe do palco.
O Festival de Gramado dá sequência à mostra competitiva nacional esta noite com Benzinho, de Gustavo Pizzi, enquanto As Herdeiras será o responsável por abrir a disputa internacional. Serão exibidos também os primeiros curtas: Um Filme de Baixo Orçamento, de Paulo Leierer, e Guaxuma, de Nara Normande.