Uma das estreias desta quinta é Onde Está Você, João Gilberto?, longa-metragem em que o cineasta Georges Gachot, guiado e inspirado pelo livro Ho-ba-la-lá: À Procura de João Gilberto, de Marc Fischer, tenta encontrar o lendário artista. Apaixonado pela música do criador da Bossa Nova desde o primeiro contato, na adolescência, o escritor alemão desembarcou no Rio de Janeiro em 2010 determinado a encontrar o recluso músico e o ouvir cantar pessoalmente.
Com carreira dedicada a filmar a música brasileira, Gachot se identificou com o sonho do autor e, também tocado por seu trágico destino (Fischer se suicidou pouco antes da publicação), decidiu refazer sua jornada, gerando um filme sobre anseios, procuras, contatos e lembranças compartilhadas - leia a crítica. Em entrevista exclusiva ao AdoroCinema, o diretor e protagonista comenta o lançamento, segundo ele "um filme sobre a saudade, para tentar explicar o que é saudade". Confira:
Como você descobriu o livro do Marc?
Foi em 2014, três anos depois que ele morreu. No meu terceiro filme brasileiro, O Samba, poucos dias antes de vir para o Festival do Rio lembrei que me falavam de um alemão que andava pela cidade tentando encontrar João Gilberto, comprei o livro e comecei a ler na Suíça. A obra me tocou muito e quis encontrar Marc Fisher, mas então descobri que ele morreu. Já no Rio tentei encontrar as pessoas que ele encontrou em 2010, e assim entrei em contato com a "Watson", a Miúcha... Tentei muitas vezes encontrar uma forma de fazer alguma coisa sobre João Gilberto e o livro me deu um caminho novo para isso.
E enquanto lia você já pensava em filmar aquela história?
O texto do Marc é como um roteiro: não é grande, tem momentos de alegria, reflexão... Tudo que é necessário, mas obviamente não é o suficiente. Encontrei fotografias, conheci os pais dele, recebi vídeos, e cada elemento foi me ajudando, até o momento em que achei interessante me colocar também dentro do filme, colocar minha história junto com a dele. Essa ideia de repetir o caminho do Marc e pouco a pouco meio que substituí-lo, tentar alcançar o que ele não conseguiu, agora como um presente para o próprio Marc, que é João Gilberto cantando "Hó-Bá-Lá-Lá".
É curioso você ter falado na sua participação, pois ela é bem marcante e fundamental. Você teve alguma insegurança em se mostrar tanto? Como foi assumir esse protagonismo diante da câmera?
Foi a coisa mais difícil para mim, aceitar minha posição física e me expor, falar da minha vida, meus pensamentos. Demorou muito tempo, durante a edição mudei meu texto, mudei o texto do Marc para se adaptar ao meu, me colocar no livro. O câmera me ajudou bastante e a editora também, pois é complicado. Foi praticamente uma filmagem de ficção, com continuidade, preparação de luz, e eu como diretor, produtor, ator... Foi muito complicado.
É muito citada no filme a Bebel Gilberto [filha mais famosa de João, também cantora]. É construída toda uma expectativa sobre sua aparição, as pessoas falam que ela vai vir, que está no Rio, mas ela acaba nunca aparecendo. Foi uma decisão criativa ou uma opção dela não participar do filme?
Tem muitas faltas dentro desse filme, o que eu acho que é a sua força, inclusive. Temos dois fantasmas principais, João Gilberto e Marc, e Bebel acaba sendo mais um. Muita gente falava sobre Bebel, mas ninguém sabia exatamente onde estava. Tentamos gravar um número musical com ela e João Donato cantando "Bananeira", mas ela não apareceu. Tentei algumas coisas, ele também chegou a tentar, mas ela nunca aparecia, então eu desisti.
Há um trecho curioso em que Roberto Menescal evoca uma suposta maldição envolvendo João Gilberto. Você acredita nisso? Como explicaria essa mística toda que o envolve e às pessoas que dele se aproximam? Talvez agora você seja afetado também, né?
O Donato me falou não tentar encontrar João Gilberto com o risco de acontecer o mesmo que ocorreu com Marc, mas para mim essa história de maldição só está dentro da cabeça das pessoas. Se você está frágil, o poder do artista é grande. Eu trabalhei com a [Maria] Bethânia e ela tem também uma influência forte sobre as pessoas, os músicos. Quando ela entra no estúdio os microfones dão problema, coisas assim. Pessoas com forte personalidade influenciam as outras, mas depende muito de como você está, se é influenciável. Mas não é "maldição", não existe isso, não acredito. Talvez seja algo da Bossa Nova mesmo, que é uma música de saudade, então é perigosa. A Bossa Nova é uma música onde você pode se perder. Não é João Gilberto, mas a música mesmo.
Ele viu o filme?
Falamos com algumas pessoas sobre a possibilidade de mostrar para ele, mas acho que vai demorar, pois quero que ele veja em alta qualidade de som e projeção e isso seria complicado. Talvez aconteça um dia. Não quero perturbá-lo, porque não é um filme sobre ele, é sobre o Marc que morreu tentando encontrar ele, então ele pode não gostar da história, não sei.
E a família do Marc, já viu?
Ah sim, as primeiras pessoas que viram, antes que eu finalizasse tudo, foram seus pais. Foi uma grande surpresa para eles as gravações de aúdio, as fotos todas, os vídeos. Eles nunca tinham ouvido/visto e também estão muito orgulhosos da obra do Marc, o livro, estar ganhando nova evidência agora.
Você já tem outro projeto em vista, algum outro aspecto da música brasileira que pretende abordar num documentário?
Meu futuro é complicado, depois de quatro filmes no Brasil não sei se sigo e faço outro. Talvez a ideia chegue, dependerá das pessoas que irei encontrar, da reação do público. Na minha filmografia brasileira encontrei primeiro a Bethânia, depois encontrei a Nana Caymmi filmando a Bethânia e depois o Martinho [da Vila]. Não sei o que vou encontrar amanhã. São quatro anos de trabalho, produção, energia, financiamento - que não é fácil hoje para um filme como esse - e muito, muito trabalho.