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    Cine Ceará 2018: A produtora Barbara Diez explica o curioso "ponto de vista de um anjo" no drama Petra

    Uma câmera que nunca para; um olhar externo à violência.

    Thiago Gaspar / Divulgação

    Desde o início do 28º Cine Ceará - Festival Ibero-Americano de cinema, um dos filmes mais surpreendentes foi o espanhol Petra, dirigido por Jaime Rosales

    A história gira em torno de uma jovem pintora, Petra (Barbara Lennie), que decide buscar pelo pai desconhecido após perder a mãe. Um dos candidatos à figura paterna é o perverso escultor Jaume (Joan Botey), cuja esposa (Marisa Paredes) e filho (Alex Brendemühl) constroem relações bastante ambíguas com Petra. Aos poucos, o drama se transforma num sangrento suspense.

    A produtora do filme, Barbara Díez, esteve em Fortaleza para apresentar o filme à imprensa, e conversou com o AdoroCinema sobre o projeto, aclamado na Quinzena do Realizadores em Cannes e aprovado pela nossa crítica

    Petra lembra muito uma tragédia grega.

    Barbara Díez: Exato, as coisas surgiram desta maneira. Procuramos fazer um filme muito clássico, essa era uma vontade central do diretor, Jaime Rosales. Eu já trabalho com ele há muito tempo, dirigi desde os primeiros filmes como As Horas do Dia. Quando ele trouxe essa ideia, decidimos ler livros clássicos como Macbeth e Aristóteles. De modo natural, procuramos construir uma tragédia moderna.

    Queríamos nos comunicar mais com o público, e sabemos que na história do cinema, as obras de melhor comunicação costumam ser as mais clássicas. O título também vem disso: Petra remete a um nome grego, e tem o aspecto bruto do significado "pedra" que nos agradava bastante.

    Você diria que Petra é um filme pessimista, niilista?

    Barbara Díez: Bom, ele é um drama, mas pela maneira como termina essa história, acredito que também exista esperança, por lidar com temas como o perdão e a redenção. Por isso, talvez ele não seja apenas pessimista. 

    O trabalho de câmera é muito particular, porque as imagens estão sempre em movimento.

    Barbara Díez: Pensamos na direção de fotografia como se o ponto de vista fosse de um anjo. A câmera não corresponde ao olhar de nenhum personagem, ele pertence a alguma entidade, algo externo que se move e se detém no que lhe interessa. Às vezes os personagens aparecem no plano, às vezes eles ficam fora da imagem. Por isso decidimos fazer o filme inteiro em steadycam, para ter movimento o tempo todo, e sempre com a mesma proporção.

    Desde o início, Jaime sabia que seria assim, e não existe um único plano fixo no filme inteiro. Ele preferia o ponto de vista de alguém externo, como se estivéssemos espiando. No início, isso pode produzir um efeito meio estranho, mas depois os olhos se acostumam com o movimento.

    Outro fator que chama a atenção é a divisão em capítulos não cronológicos. Melhor ainda: os títulos revelam os conflitos que vêm em seguida!

    Barbara Díez: Isso foi algo muito estruturado desde o roteiro. Não foi criado na edição, de modo algum: era uma configuração estabelecida desde cedo. Além disso, tinha esta ideia de contar logo a informação de cada segmento. Buscamos o equilíbrio entre o que informaríamos e esconderíamos do espectador. A ideia era propor um jogo ao público, torná-lo mais participativo. O desafio era dar informações suficientes para que o espectador ficasse interessado, porém não tanto a ponto de estragar a surpresa.

    Além disso, como partimos de uma história bem clássica, os movimentos de câmera e esta divisão em capítulos tornavam o filme mais contemporâneo, por contraste. Nunca pensamos o filme de outra maneira. Já vi pessoas que pensaram que esta foi uma escolha de montagem, e até sugeriram que montássemos de modo linear para ver o efeito que teria. Mas nunca quisemos fazer assim.

    As atuações são muito contidas, algo surpreendente para tantas cenas violentas. Como você vê este embate presente em todos os filmes de Jaime Rosales?

    Barbara Díez: Esse efeito é produzido através de uma mistura. Barbara Lennie, Marisa Paredes e Alex Brendemühl são atores profissionais há muito tempo. Alex inclusive fez parte do nosso primeiro filme, As Horas do Dia. Mas o personagem do pai malvado não é um ator, e sim um engenheiro químico. Ele se chama Joan Botey, foi encontrado em uma das locações, e nunca tinha feito nada no cinema antes.

    Sempre gostamos de misturar atores profissionais e não profissionais, porque eles se retroalimentam. Os profissionais ajudam os amadores a construírem uma cena, e os amadores ajudam os profissionais a resgatarem o frescor da atuação. Isso traz muito realismo. Mas para Joan Botey, em especial, era algo importante porque se tratava de um papel grande, com responsabilidade. Imagina para a esposa e os filhos, assistirem ao pai nesse papel? 

    Sobre a violência, sabemos que ela existe em grande quantidade no filme, mas Jaime fazia questão de retratá-la com leveza, com bastante distanciamento. Ele traz muitas referências de Bresson, por exemplo, que usa os conflitos fora do enquadramento, e também aposta nas elipses. Muitas coisas pesadas acontecem nas passagens de tempo, por isso a violência está sempre longe.

    Que reações Petra provocou no público desde as primeiras exibições no Festival de Cannes?

    Barbara Díez: Em Cannes, ele se saiu muito bem. Foi bem recebido pela crítica, especialmente da Espanha. De todos os filmes que já levamos ao festival, foi Petra que teve a melhor repercussão. Ainda não conheço a opinião do público espanhol, porque o filme não estreou comercialmente por lá. Por enquanto, estamos percorrendo o circuito de festivais. Depois de Cannes e do Cine Ceará, vamos para San Sebástian, e só no mês de outubro ele estreia nas salas da Espanha. No Brasil, por enquanto, a distribuição ainda não está garantida.

     

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