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    Cine Ceará 2018: Os críticos de cinema deveriam ouvir os diretores antes de escreverem seus textos?

    Algumas dúvidas após um bom debate com Petrus Cariry e a equipe de O Barco.

    O Cine Ceará adota um costume bastante saudável, comum aos festivais de cinema, de promover debates entre os diretores dos filmes selecionados e a imprensa presente. Após a exibição de O Barco, na noite de 4 de agosto, a manhã seguinte proporcionou o encontro entre o cineasta Petrus Cariry e sua equipe com jornalistas do país inteiro.

    A conversa foi esclarecedora, especialmente em se tratando de um filme aberto a múltiplas leituras. Cariry é um homem articulado, claro em suas intenções e de uma franqueza admirável. Diante de perguntas pertinentes, ele explicou o seu processo de criação, a origem de certas metáforas, a maneira particular de enxergar o corpo feminino, o processo de filmagem da natureza, a seleção das imagens, a construção da luz e o trabalho com o atores.

    Eu já tinha gostado do filme, e terminei o debate gostando ainda mais deste projeto cujo universo tinha se expandido para mim. A minha impressão inicial era de me perder numa natureza labiríntica, junto dos personagens um tanto herméticos, através de uma construção sedutora de atmosferas (leia a nossa crítica). Ao final da sessão, novas ideias férteis foram plantadas por Petrus, pela produtora Barbara Cariry e pelos atores Verônica Cavalcanti e Nanego Lira.

    Beto Skeff / Divulgação

    Alguns desses fatores são reconfortantes quando coincidem com nossas interpretações pessoais - como se a impressão do crítico fosse de certo modo validada pelas intenções dos criadores -, enquanto outras deixaram a impressão de oportunidade perdida: como eu não tinha percebido aquela metáfora antes? Certamente, se eu escrevesse o artigo após essa conversa, o conteúdo seria outro, e a nota atribuída ao filme também mudaria. O texto ficaria mais rico, mas não conteria apenas ideias minhas. Ele perderia seu caráter afetivo, seu aspecto de resposta pessoal a impressões muito fortes, tornando-se uma reflexão embasada, fruto de um esforço coletivo e de conceitos provindos de uma fonte externa.

    Por um lado, talvez seja melhor para o leitor se deparar com um texto mais aprofundado, incluindo camadas suplementares de análise. Para a pessoa interessada em crítica, pode importar pouco de onde veio cada semente de interpretação. Além disso, o próprio crítico pode aprender com esses debates, abrindo-se a novas chaves de leitura para os próximos filmes que verá. Observando por este aspecto, seria melhor esperar os debates dos festivais, efetuar pesquisas na Internet e assistir a entrevistas com os diretores antes de se colocar em frente à tela branca do computador.

    Por outro lado, é possível que este pensamento coletivo favoreça o consenso sobre a criação - afinal, são raríssimas as dissonâncias em debates de festivais. O confronto violento sobre o drama Vazante durante o Festival de Brasília é relembrado justamente por romper a tradição de cordialidade e aceitação que impera neste tipo de encontros entre artistas e críticos. As ideias formuladas em conjunto durante um debate seriam deste modo reproduzidas com menos variação entre os veículos, conferindo aos textos uma característica menos pessoal, ou mais "oficial", por assim dizer.

    Beto Skeff / Divulgação

    A crítica urgente, aquela escrita logo após as sessões dos festivais e mostras, costuma ser desvalorizada devido ao impressionismo, ao invés da louvável análise a posteriori, elaborada com mais calma. No entanto, esses textos têm a vantagem de espelharem uma sensação, traduzirem o impacto preciso de um filme cercado por outros filmes, dentro do contexto específico de um festival. Em outras palavras, estas respostas no calor do momento tornam-se sintomas de suas épocas, traduzem o tempo em que foram escritas. É possível o próprio autor do texto releia seu artigo cinco anos mais tarde e discorde completamente do que disse antes. Mas este aprendizado dirá algo importante, tanto para o crítico, confrontado às variações em seu ponto de vista, quanto para o leitor, diante da inegável subjetividade da prática crítica.

    Considerando a crítica como gênero literário, enquanto manifestação autônoma - embora dependa, é claro, do objeto audiovisual analisado - é possível defender que ela nasça de uma interpretação única, pessoal e, portanto, menos impregnada das intenções verbalizadas de seus criadores. Isso levará a um resultado menos consensual, a possíveis análises fracas ou equivocadas. No entanto, estas são as regras do jogo arriscado da crítica, que lança suas propostas a qualquer um que deseje lê-las, seja para concordar ou discordar das mesmas. Nesse sentido, a crítica não difere tanto do próprio ato de dirigir um filme: quando se exibe o projeto nos cinemas, a interpretação não cabe mais ao criador. Agora, o filho foi colocado no mundo, e sua leitura será aquela que for feita dele, independentemente das intenções originais - vide, mais uma vez, as acusações de racismo a Vazante, que marcaram toda a trajetória comercial do filme.

    Por estes motivos, devo continuar com a tentativa kamikaze, sempre meio redutora e imediatista, de escrever uma crítica antes de conversar com a equipe ou pesquisar sobre os bastidores e processos de criação do filme. Compreendo bem o argumento contrário, e reconheço que muitos colegas críticos produzem textos excelentes após uma boa pesquisa. Mas neste caso, são formas diferentes de praticar a crítica: uma como forma de investigação de fora para dentro (do filme), e a outra, de dentro para fora. Ambas são possíveis, louváveis, e prefiro pensar que se completam. 

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