Saltos, paetês, jóias e o indefectível penteado sempre intacto: foi assim que uma geração se acostumou à presença solar de Hebe Camargo na televisão. Dona do título de Rainha da TV Brasileira, a artista viu praticamente tudo acontecer: estreou na primeira transmissão oficial do país, na Rede Tupi em 1950, e passou depois por Record, Bandeirantes e SBT até encerrar a carreira em full HD na RedeTV!.
Em meio à avalanche de biografias no cinema nacional, os quase seis anos do adeus da apresentadora parecem mais que suficientes para que um capítulo de sua história vá para a tela grande em Hebe - e depois para todas as outras telas. Desde o início a produção já previa se desdobrar também numa série para a Globo; ironicamente uma das poucas emissoras abertas em que ela não reinou.
Em visita ao set, o AdoroCinema pôde acompanhar uma tarde de filmagens e também conhecer os cômodos da deslumbrante mansão da artista, ou pelo menos da que veremos no cinema! Com direito a um jardim que mais parece um bosque, o casarão segue à risca o estilo “podre de chique” dos anos 80, erguido nas ladeiras do bairro do Morumbi, em São Paulo, e bem próximo à última residência de Hebe Camargo na vida real.
Numa varanda com piscina infinita e vista panorâmica para a Marginal Pinheiros e seus edifícios, acompanhamos uma cena delicada em que Hebe (Andréa Beltrão) e o filho Marcello (Caio Horowicz) discutem a relação do adolescente com o pai. De fato: no cinema veremos a “gracinha” de uma forma tão magnética quanto sensível, pelo menos no que depender do trabalho da atriz.
Andréa Beltrão impressiona não só pela energia que entrega à personagem mas também pela semelhança física. Da maquiagem ao figurino, toda caracterização lhe cai como uma luva: 80% das peças vêm do acervo da própria Hebe Camargo, incluindo saltos Fernando Pires feitos sob medida. Como destaca o figurinista Antônio Medeiros (Vai que Dá Certo), quase nada precisou de ajustes: “Quando eu a vi caracterizada pela primeira vez fiquei chocado. Não tem dúvida de que ali existe uma Hebe. Pode não ser a Hebe do imaginário das pessoas, mas ali tem uma Hebe, sim”.
Entre 1986 e 2010, o sofá da apresentadora no SBT foi cenário de depoimentos emocionados, discursos assertivos, entrevistas polêmicas e até mesmo distribuição de selinhos, cumprimento carinhoso que virou sua marca registrada. Provavelmente é assim que ela segue na memória do público, mas Hebe pretende focar no turbilhão de meados dos anos 80, momento em que ela dá adeus a certas convenções para falar o que pensa e se torna um modelo de mulher forte no país - isso num tempo em que o termo "empoderamento feminino" sequer ensaiava existir.
A roteirista e produtora Carolina Kotscho (Dois Filhos de Francisco, Flores Raras) explica: “O que mais me interessou em contar essa história é que ela falava com uma contundência que a gente não vê hoje. Não tinha redes sociais, não tinha Internet, mas tinha essa mulher com um microfone na mão falando ao vivo com uma coragem que pouca gente tem. Ela falava nos anos 80 coisas que a gente ainda precisa ouvir hoje”.
Com direção do veterano em TV Mauricio Farias (Tapas & Beijos, A Grande Família - O Filme), Hebe no cinema e na futura série devem proporcionar experiências diferentes para o espectador, além de se tratar de uma novidade na carreira do diretor: “Nunca fiz um projeto dessa forma, rodar um filme já sabendo que vai virar uma série. É um planejamento extremamente complicado e a Carolina [Kotscho] fez esse trabalho. A gente precisa entender onde aquela sequência de fatos está no filme e como estará na série porque isso tem implicações desde o tom dos atores até a roupa que ela está vestindo”.
E que roupa! Em nossa visita, o figurino de Andréa para cenas em casa era composto por um vestido de seda com estampa de pavão, casaco de pelos azul, fivela de strass controlando o cabelo e um salto médio, assim, “confortável”. Com esse mesmo look luxuoso, acompanhamos uma segunda cena dramática em que Hebe aconchega o filho em seu colo (foto acima) e os dois acabam discutindo a novela ao invés de ter uma conversa difícil sobre a situação familiar. O diálogo rende improvisos tão naturais entre os atores que até mesmo a equipe é pega de surpresa.
Como em diversas cinebiografias, há um grande exercício de pesquisa e criação em torno da vida íntima do retratado e é um desafio e tanto ir ao encontro do imaginário popular e ao mesmo tempo trazer uma visão fresca para a história. “Às vezes a cronologia está um pouco misturada, o fato ligeiramente alterado, mas, de toda forma, trazer a Hebe que o público não conhece é o que propõe o filme”, resume Farias.
A base histórica para os acontecimentos costurados no longa e na série está na biografia escrita por Artur Xexéo e publicada em 2017, mas entre os momentos marcantes que devem ser "reconstruídos" para a tela grande está o encontro entre Hebe Camargo e Silvio Santos (Daniel Boaventura). Afinal, que apaixonado por TV não gostaria de ser uma mosquinha para ouvir uma reunião entre esses dois? Tá aí uma coisa que só a ficção pode proporcionar.
Hebe ainda não tem previsão de estreia nos cinemas.