Alberto Barbera e Thierry Fremaux, diretores do Festival de Veneza e do de Cannes, respectivamente, só têm mesmo em comum o fato de que comandam duas das mais prestigiadas e importantes mostras do calendário cinematográfico. Dentre as inúmeras diferenças que os separam, a que mais chamou a atenção - a partir da lista de títulos que compõem a Seleção Oficial de Veneza -, é o fato de que a Netflix parece ter carta branca no evento italiano: seis produções da gigante do streaming serão exibidas na La Serenissima.
Não há sombra de dúvidas de que Roma, aguardadíssimo novo filme de Alfonso Cuarón (Gravidade), será a joia da coroa da Netflix no tapete vermelho de Veneza. O drama do realizador mexicano, no entanto, não será o único destaque da companhia californiana no evento: The Other Side of The Wind, filme perdido de Orson Welles; e 22 July, novo suspense de Paul Greengrass (Jason Bourne) ajudarão a puxar o bonde da Netflix na edição 2018 da mostra do mediterrâneo, que vem sendo um palco internacional para a empresa de streaming desde 2015, quando Beasts of No Nation foi lançado no Festival de Veneza.
A presença massiva da Netflix - que ainda enviará para a Itália The Ballad of Buster Scruggs, minissérie dos irmãos Joel e Ethan Coen que será exibida como longa-metragem de 132 minutos; o suspense policial On My Skin; e They'll Love Me When I'm Dead, documentário de Morgan Neville (Best of Enemies) sobre Welles - torna-se ainda mais relevante quando relembramos a polêmica entre a empresa e o Festival de Cannes. O número expressivo de seis títulos é, por si só, uma conquista para a gigante do streaming, mas a quantidade salta ainda mais aos olhos por causa da participação nula da Netflix na Croisette, neste ano.
Pressionado pelos distribuidores tradicionais franceses, o Festival de Cannes decidiu mudar seu regulamento para apenas aceitar obras na disputa pela Palma de Ouro que fossem posterior e obrigatoriamente lançadas nas salas de cinema - e antes do lançamento digital on demand. O problema, entretanto, é que a deliberação francesa vai de encontro à estratégia padrão da Netflix, cuja distribuição é sempre voltada à sua plataforma de streaming. Assim, como nenhum dos dois lados cedeu na problemática, a Netflix decidiu retirar todos os seus títulos de Cannes, inclusive das mostras paralelas que não seriam afetadas pela nova regra.
A não-participação da Netflix na Croisette levantou todo tipo de questionamentos. Para além da agora já velha questão "filmes de streaming são cinema ou televisão?", o Festival de Cannes também saiu criticado por perder títulos como os supracitados Roma e The Other Side of The Wind, que estavam no radar de Fremaux e seriam escolhas extremamente compatíveis à "linha editorial" de Cannes. Por outro lado, ao passo em que a mostra francesa foi atacada por seu conservadorismo, Veneza e Barbera agora surgem como defensores de uma mentalidade mais progressiva em relação ao audiovisual - tradicional, de streaming ou em Realidade Virtual, tecnologia que parece ter lugar cativo na mostra italiana.
Sem o mesmo banimento a selfies no tapete vermelho imposto por Fremaux em Cannes, o Festival de Veneza ocorre entre os dias 29 de agosto de 8 de setembro.