Às vezes, os jornalistas culturais têm a oportunidade de visitar um grande set de filmagem para acompanhar as produções dos principais estúdios e descobrir, ao vivo, o trabalho de atores e diretores de renome na indústria. O AdoroCinema viveu esta experiência em Alien: Covenant, Jumanji: Bem-vindo à Selva, X-Men: Apocalipse...
É ainda mais raro adentrar um gigantesco cenário natural e presenciar de perto os bastidores de um filme de terror. Especialmente um título tão aguardado quanto Cemitério Maldito, refilmagem do clássico de Stephen King sobre uma família que se muda para uma casa à beira de uma estrada, e após passar por mortes traumáticas, percebe que o cemitério de animais nas redondezas permite trazer os mortos de volta à vida.
A convite da Paramount Pictures Brasil, fomos ao Canadá para ver um dia das filmagens, conversar com os diretores Kevin Kölsch e Dennis Widmyer e com os astros principais, Jason Clarke e John Lithgow. A viagem em si foi uma atração à parte: hospedados em Toronto, cerca de 15 jornalistas do mundo inteiro foram conduzidos numa van até um lugar a uma hora de distância.
Conforme passava o tempo, o veículo se afastava das avenidas e dos carros para adentrar um lugar remoto, verde e silencioso. Entramos num gigantesco bosque privado, que inicialmente parecia uma floresta interminável. "É agora que somos sequestrados e roubam os nossos rins", brincou um colega. O cenário era perfeito para um filme de terror.
Fomos avisados para levar repelente de mosquitos e blusas por causa do frio à noite. "Preparem-se para voltar tarde. As filmagens serão de madrugada", alertou a equipe. A primeira parada ocorreu numa imensa planície onde dezenas de vans idênticas estavam estacionadas uma ao lado da outra. Na porta, uma placa indicava as funções: "Maquiagem", "Figurino", "Camarim do Sr. Lithgow", "Efeitos visuais".
Devidamente acomodados em carrinhos de golfe, adentramos a mata fechada, escura, sem qualquer indício de casas no horizonte. Aos poucos, começamos a ver cabos pelo chão, algumas máquinas aqui e ali, um ou outro técnico falando no walkie-talkie ("Os jornalistas estão chegando, avisa se for rodar") e imensos refletores instalados no alto das árvores fechadas - afinal, era preciso ter alguma forma de luz para indicar o caminho ali dentro.
"Vocês passaram mesmo repelente? Os mosquitos estão comendo a gente vivo", disse Jason Clarke enquanto passava por perto e cumprimentando os jornalistas. John Lithgow, com a pele envelhecida e cheia de marcas após um impressionante trabalho de maquiagem, caminhava concentrado, repetindo seu texto. Enquanto isso, fomos convidados a conhecer o cemitério de animais do título.
Esqueça os efeitos especiais: o local recriava um cemitério real, com uma minúcia impressionante nos detalhes: coleiras, bichos de pelúcia, bolinhas envelhecidas, caixinhas de areia, nomes de cães e gatos esculpidos nas cruzes de madeira. Todos os objetos foram trazidos por membros da equipe, e pertenceram a seus bichos de estimação reais, para trazer uma atmosfera mais realista (e sinistra, convenhamos) ao conjunto.
"Vocês têm dez minutos para andar à vontade e fazer anotações", precisou o nosso guia. Fotografias e telefones celulares não eram permitidos, para não estragar a surpresa do público com revelações. Com seus bloquinhos, os jornalistas anotavam freneticamente os nomes de detalhes, inspecionando as lápides e túmulos como detetives.
A luz estava perfeitamente arrumada para criar um ambiente sinistro, com sombras profundas em meio às árvores. Uma máquina de fumaça encheu o local de uma névoa espessa, enquanto mais refletores eram acesos para reforçar a iluminação. Técnicos de todas as áreas verificavam o som, a posição dos atores, a câmera, a continuidade, e Jason Clarke tirava suas últimas dúvidas com os diretores antes da gravar.
"Silêncio no set!". Todos se calaram para presenciar, ao lado do cemitério animal, a cena em que Clarke, no papel de um pai em luto, conduz o vizinho idoso (Lithgow) rumo a um segundo cemitério, atrás de montanhas e galhos secos, onde seria possível enterrar seres humanos e trazê-los de volta à vida.
A curta cena foi repetida ao menos dez vezes. Em cada versão, a câmera explorava um enquadramento novo, os técnicos de efeitos especiais regulavam a quantidade de gelo seco e Clarke aproveitava para variar a entonação e mudar levemente a sua fala. A praticidade de filmar dentro de um bosque se refletia nas cenas: o cemitério animal foi recriado ao lado do cemitério humano, e muito perto das casas que serviram de cenário para as famílias Creed e Crandall, as principais da trama.
Após o "Corta!", Lithgow se retirou rumo ao camarim, enquanto chegava do escuro das árvores outro homem idêntico a ele. O dublê era certamente muito mais novo, porém arrumado em roupas e maquiagem idênticos. De qualquer modo, no escuro, a diferença seria imperceptível. O sósia seria responsável pela cena fisicamente exigente em que os dois homens escalam o monte rumo ao cemitério escondido.
Com cabos presos ao corpo, a equipe garantiu a segurança do profissional caso escorregasse - mas sem problemas: o cabo seria retirado digitalmente na pós-produção. Clarke retomou as falas e caminhadas entre as árvores, para ajudar os editores, mas desta vez completou a cena com a subida junto do dublê. Em cada momento de pausa, um dos atores vinha até os jornalistas para responder a perguntas e tirar dúvidas.
"Eles vão repetir a escalada mais umas dez vezes. É melhor a gente ver a casa incendiada", precisou o nosso guia. De volta aos carrinhos de golfe, seguimos durante vários minutos por outra área sombria do bosque, até finalmente avistar algumas casas. Uma delas, em particular, estava em obras, com meia dúzia de marceneiros trabalhando em plena madrugada.
Logo descobrimos que aquela casa tinha sido usada para uma cena de incêndio. A equipe não ateou fogo de fato à casa - tudo seria acrescentado depois, com efeitos especiais - mas foi necessário sujar uma casa real com fumaça e fuligem, danificar parte da estrutura e descascar as paredes para sugerir a destruição.
Os produtores tiveram a sorte de encontrar uma casa já em estado de abandono, cujos donos planejavam uma reforma. Surgiu um acordo conveniente a ambos: os proprietários deixariam a equipe explorar e modificar a casa como quisesse, contanto que depois efetuasse toda a reforma e devolvesse uma casa nova. Terminada a filmagem naquele local, a reconstrução já estava em andamento.
Era talvez duas horas da manhã quando o grupo de jornalistas deixou do local. Permanecemos várias horas seguidas perdidos entre uma infinidade de cabos, máquinas, cadeiras armadas e luzes artificiais, cercado por mais de 50 técnicos, para observar uma filmagem que deve representar menos de um minuto no resultado final - prova do esforço necessário a produzir uma história desse porte, com imagens e efeitos capazes de impressionar o público.
Em breve, o AdoroCinema publicará a conversa com os atores e diretores. Mas a experiência de testemunhar um espaço deste porte, totalmente transformado para a necessidade de um filme de terror, com atenção a cada detalhe do suspense e da ambientação - as lápides, os nomes de animais mortos, o gelo seco - serviram para ilustrar a magnitude da indústria de arte, que mobiliza tantos empregos e tantas cabeças criativas ao mesmo tempo.
Além disso, a viagem serviu de teaser para a nova versão, com efeitos modernos e uma forma de filmar adaptada ao século XXI. Os fãs de Stephen King, e de terror em geral, agradecem. Cemitério Maldito chega aos cinemas brasileiros dia 4 de abril.