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    CineOP 2018: Dawson City - Tempo Congelado é um tesouro em forma de filme

    Longa do cineasta Bill Morrison é um dos principais trabalhos a integrar a mostra de cinema de Ouro Preto deste ano.

    Enterrados no chão, soterrados pelo tempo e esquecidos pelo curso da História, 533 rolos de filme. 372 obras, mais precisamente, espalhadas e abandonadas entre grades de ferro, garrafas quebradas e outros descartes do passado. Sim, esta é uma trama incrível, exatamente como decreta a primeira cartela de Dawson City - Tempo Congelado, uma das peças centrais da programação do CineOP 2018 e ousado documentário do cineasta Bill Morrison, que funciona tanto como um tratado de amor à fisicalidade do cinema, quanto como retrato subida dos Estados Unidos ao posto de nação mais poderosa do mundo.

    Para concatenar estas duas aparentemente desconexas veias narrativas, Morrison empreende uma estrutura dialética que, no fim das contas, prova ser o grande trunfo desta produção. Fazendo valer sua experiência como pesquisador e cinearquivista, o realizador se apropria dos materiais encontrados nos inúmeros filmes que hoje formam a coleção de Dawson e pinça cenas para ilustrar a agridoce e trágica história de ascensão e ocaso do vilarejo-título, uma sociedade inóspita que foi forçada a nascer, apesar de tudo: aqui, Morrison reconstrói o solo onde as películas foram enterradas - grão por grão e frame por frame.

    Este é um trabalho de paciência. Majoritariamente mudo e muito dependente da boa, ainda que ocasionalmente repetitiva, trilha sonora de Alex Somers, Dawson City - Tempo Congelado propõe um diálogo lento ao espectador acerca da preservação da memória e, por isso mesmo, perde o compasso em determinadas alturas - especialmente quando Morrison decide se afastar da espinha dorsal narrativa para embarcar em digressões e desvios rumo às pequenas histórias de alguns dos cidadãos de Dawson.

    Não que estas anedotas sejam necessariamente ruins; o ponto, de fato, é que elas soam mais cansativas do que pertinentes à trama central. Há, portanto, uma certa hiperatividade no câmbio de temas e searas narrativas que Morrison nem sempre costura com habilidade. A longa duração e a quantidade de pontos focais na pauta do cineasta, por sua vez, também não ajudam a aplacar a impressão de que Dawson City - Tempo Congelado nem sempre se derrama para os lados certos. Fosse mais enxuto, seria irretocável.

    De qualquer forma, por outro lado, é impossível negar a beleza da empreitada geral por si só e é igualmente inviável não se sentir tocado pela exploração afetiva de Morrison quanto à película cinematográfica e ao suporte analógico da sétima arte. Hoje, em um tempos em que se estima que 75% da produção do cinema mudo se perdeu durante a História do Cinema, ver este Tempo Congelado é se deparar com um testemunho nostálgico de uma época não vivida. E é justamente quando o cineasta foca na fisicalidade do cinema - uma arte potente e transformadora que durante seu primeiro meio século de vida foi impressa no mais volátil e combustível dos materiais - que o longa atinge grandes alturas.

    A partir da técnica - Morrison encontra tempo para explorar a transição da película de nitrato de prata, altamente inflamável e causadora de inúmeros incêndios no século XX, para a película de acetato, também conhecida como safety stock -, o diretor encontra o aspecto humano. Dawson City - Tempo Congelado, portanto, funciona muito melhor como o resgate da memória de um povo - de um fragmento de civilização e de sua relação única e intrínseca com a sétima arte - do que como uma simples denúncia das "ligações perigosas" entre o cinema e o capitalismo. Não há equívoco, enfim, que dilua a potência deste ato de recordação - e como Eduardo Galeano bem escreveu, recordar é "voltar a passar pelo coração".

    Defensor da beleza da decomposição da película - os filmes da coleção de Dawson carregam marcas de seu contato com a água que se tornaram inscrições belíssimas no corpo das obras, todas pré-Hollywoodianas -, Morrison faz refletir e e encanta, com direito a história e amor e tudo para fechar a conta. Muito como a corrida do ouro que ocorreu na cidade, este filme pode ser exaustivo no meio do caminho. Mas aguente: a recompensa final vale todo e qualquer "sacrifício". Debaixo dos destroços e do passado, os afetivos últimos 20 minutos de Dawson City - Tempo Congelado são um tesouro em forma de filme.

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