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    CineOP 2018: Protestos políticos, Tropicália e homenagem a Maria Gladys marcam a efervescente noite de abertura

    Festival mineiro dá seu pontapé inicial com tocante tributo à atriz, pontuado por críticas ao governo de Michel Temer e do prefeito de Ouro Preto, Júlio Pimenta, ambos do MDB.

    Roberto Staino

    O Cine Vila Rica, localizado no centro de Ouro Preto, é daquelas salas charmosas que parece ter feito parte de um filme de Federico Fellini ou de Jean-Luc Godard e que é, ao mesmo tempo, um dos pontos principais da histórica e patrimonial cidade mineira. Tradicional palco do CineOP, a casa, por sua confluência de contrastes, tornou-se ainda mais perfeita para a abertura da 13ª edição da mostra, que celebra em 2018 o Tropicalismo através de uma de suas grandes figuras das telonas: Maria Gladys.

    Ainda que tenha se tornado mais conhecida pelo público contemporâneo por seus trabalhos com Miguel Falabella e também seja lembrada pela novela Vale Tudo, Gladys foi uma das grandes musas do Cinema Novo e do Cinema Marginal. Para além de ter protagonizado o clássico Os Fuzis, que rendeu o Urso de Prata de Melhor Direção a Ruy Guerra em Berlim, a homenageada do 13º CineOP ainda fez parte da trupe teatral de Domingos Oliveira e integrou o “maldito” grupo comandado pelo realizador “udigrudi” Rogério Sganzerla (O Bandido da Luz Vermelha).

    A parceria entre o cineasta e Gladys, aliás, rendeu pelo menos um tesouro: a inexplicável comédia experimental Sem Essa, Aranha, exibida em Ouro Preto como parte do tributo à atriz. Dividida em inúmeros planos-sequência, uma verdadeira proeza cinematográfica para as condições de produção à disposição de Sganzerla e cia., a obra marginal é uma crítica feroz à burguesia brasileira; pouquíssimo acessível, contudo, em decorrência de sua rejeição total a qualquer tipo de linearidade narrativa, Sem Essa, Aranha - protagonizado por um Jorge Loredo relendo seu icônico Zé Bonitinho como um selvagem magnata do jogo do bicho - é, de fato, mais relevante por trazer Gladys em todo seu esplendor cênico.

    Não é à toa que o diretor Neville D'Almeida (A Dama do Lotação), amigo pessoal da homenageada e responsável por entregar o troféu Vila Rica à atriz, tenha afirmado que ela é uma das mais importantes intérpretes brasileiras. Em Sem Essa, Aranha, Gladys demonstra uma versatilidade espetacular, indo da loucura à perturbadora calmaria em um piscar de olhos: seu domínio da arte do ator é ímpar. E o deslumbre provocado por sua performance ainda aprofunda-se quando observamos a atriz ao natural, ainda que por curtos 10 minutos, no documentário Maria Gladys, Uma Atriz Brasileira, dirigido por Bengell.

    Apesar da severa degradação da banda sonora da película de 1979, cuja única cópia em 35 mm sobrevivente foi restaurada especialmente para a noite de abertura do CineOP, mostra que tem a preservação fílmica como um de seus nortes, o curta-metragem ultrapassa vive por meio da bela colaboração entre Gladys e Bengell. Imbuído pelo afeto da cineasta por sua musa, Maria Gladys, Uma Atriz Brasileira é um retrato impressionista e fragmentado de uma das personalidades mais irreverentes, divertidas e impactantes da história de nossa cinematografia. Assim, ao lado de Sem Essa, Aranha, o curta exibido durante o pontapé inicial do CineOP 2018 é um testemunho patente da potência de Gladys.

    Porém, a dobradinha cinematográfica não se justificou apenas pelo tributo - combinados, os dois filmes também ajudaram a (re)colocar em evidência o motor principal do festival mineiro neste ano: a Tropicália, o movimento encabeçado por Gilberto GilCaetano Veloso que se alimentou de influências estrangeiras e do resgate de nossas raízes culturais para questionar as estruturas postas, subverter expectativas e contrariar diretamente o regime militar que tomou conta do país por 21 anos.

    Leo Lara / Universo Produção

    Convocado, o combativo espírito tropicalista surgiu prontamente na (climaticamente) amena e (politicamente) quente noite de junho que abrigou a abertura do CineOP. No momento em que o nome de Júlio Pimenta, do MDB e atual prefeito de Ouro Preto, foi anunciado nos alto-falantes do Vila Rica, o público irrompeu em vaias sonoras em meio aos gritos de "Fora Temer" - o presidente e o político mineiro pertencem à mesma legenda. Por outro lado, a plateia se desmanchou em aplausos como forma de honrar a memória da vereadora Marielle Franco, brutalmente executada há três meses no Rio de Janeiro.

    Gladys, por sua vez, retomou os pedidos pela liberação de Lula: o ex-presidente e líder do Partido dos Trabalhadores foi preso em abril e segue encarcerado em Curitiba, na sede da Polícia Federal. Além de causar revolta e ira, sua detenção agravou ainda mais as tensões e polarizações de uma nação que nunca encontrou tantas pedaços de si mesma pelo caminho. E assim, com o Tropicalismo e Gladys sob os holofotes, o CineOP iniciou seus trabalhos na velocidade máxima, refletindo uma sociedade fraturada, que é filha tanto da contracultura, quanto da ditadura.

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