O personagem principal do drama Los Territorios é ninguém menos que o próprio diretor, Iván Granovsky. O argentino, filho de um famoso jornalista, faz uma paródia de si mesmo, entre o documentário e a ficção, através de suas viagens ao redor mundo.
Iván entrevista grandes líderes mundiais, jogadores de futebol, especialistas em política estrangeira. Conhece o Brasil, a Palestina, a Grécia, a Espanha... Mas nunca deixa de criticar a sua própria dificuldade em fazer cinema (este é o seu primeiro filme terminado, após três tentativas frustradas) e sua dificuldade em superar o olhar do "menino burguês" cujas viagens são financiadas pela mãe rica.
O curioso projeto está em cartaz nos cinemas, e o AdoroCinema aproveitou para conversar com o diretor:
O filme tem sido muito discutido pela fronteira entre ficção e documentário. Esta divisão faz sentido para você?
Iván Granovsky: Se fizer sentido, eu prefiro dizer que é uma ficção. Porque é mentira: ele tem jeito de documentário, mas é uma ficção. Eu não gosto de colocar o filme em um gênero, mesmo que muitos críticos gostem de usar essa palavra nova: “híbrido”. O cinema é narração, narrativa, às vezes pode ser uma narrativa documental, às vezes pode ser uma narrativa de ficção - ou "híbrida". Mas no final é uma narrativa, então o que importa é como você joga os elementos na salada. Fiz uma ficção com elementos da realidade. Eu manipulei a realidade.
De que maneira a proximidade com seu pai ajudou ou atrapalhou o percurso?
Iván Granovsky: Ajudou 100%. Ajudou de um jeito prático, porque muitos contatos ocorriam por ele, ou através do Eduardo Febbro, que é o corresponde em Paris. No filme ele meio que substitui meu pai, e ele é realmente meu referencial. Através dele vieram muitos contatos, ainda mais do que pelo meu pai. Sempre que eu mencionava o sobrenome dele, as portas se abriam.
Meu pai não me atrapalhou nunca, ele nem tem uma opinião negativa sobre o filme. Como ele é muito conhecido na Argentina, as críticas de lá falam mais dele do que de mim, então ele ficou um pouco chateado por uma questão de exposição. Jornalista de jornal não está acostumado a ser ator. É verdade que na minha vida meu pai já fez críticas ao meu trabalho. Muitas vezes ele me disse que eu me preocupava muito com minha opinião, e pouco com os fatos. Ele me ensinou muito a não ser só um “opinólogo”, mas esta cena no filme é ficção, não ocorreu de verdade.
Você se expõe bastante, critica muito a sua própria visão de mundo e seus erros quando tentou fazer cinema ou jornalismo.
Iván Granovsky: Primeiro, um diretor de cinema é uma pessoa soberba, que sempre acha que sabe de tudo, tanto na ficção quanto no documentário. Ele acredita ser Deus. Por isso eu não acredito em Deus, nem em diretores de cinema. O filme precisava retratar minha crença de não ser tão soberbo. Na verdade, eu sou muito soberbo, mas não quando faço cinema. Então esse auto bullying ajuda a me tirar da posição do sujeito que sabe de tudo: sabe como fazer cinema, sabe como financiar cinema, sabe como falar de política etc. Para não ser soberbo, prefiro ser engraçado.
Às vezes o cinema é muito hipócrita querendo ocultar as coisas que existem. Não é verdade que minha mãe financiou o filme. Fui eu que financiei o filme, mas é verdade que minha mãe emprestou um cartão de crédito para eu conseguir ter gastos fora, e depois eu paguei de volta. Os argentinos chamam isso de “sincericídio”, ou seja, acabar com a sua reputação por excesso de sinceridade. Mas acho bom ser super sincero, especialmente com um filme tão pessoal.
O filme toca em diversos conflitos políticos, mas não podemos dizer que a política constitui o foco principal, certo?
Iván Granovsky: Não, o foco desse projeto é como o jovem de uma grande cidade, com uma educação de elite, olha para o mundo mais do que olha para o bairro. É mais sobre este caminho do que sobre a política, que acaba sendo apenas um tema de fundo. Tem filmes de descobrimento sexual, tem filmes de descobrimento político, e esse é um filme de autodescoberta - não sobre os meus ideais, mas de como entender minha posição aos 32 anos.
A guerra aparece como fetiche. Seu personagem tem muita vontade de ver uma guerra, de filmar o espetáculo da batalha. Esse é um ponto de contato entre o cinema e o jornalismo?
Iván Granovsky: Pode ser. Quando você lê um jornal, talvez as questões da guerra sejam as mais cinematográficas, e também as mais distantes para um argentino. Esse é o extremo da imaginação. O cinema, por ser imagem em movimento, é a arte que melhor representa a imaginação. Mas o meu fetiche pela guerra é menos cinematográfico do que o fetiche de uma experiência corporal que eu ainda não experimentei. É uma dívida que eu tenho na minha vida.
É um fetiche de menino burguês, como sinônimo de perigo. Às vezes as pessoas imaginam mais o épico do que o doméstico, porque posso ter perigo lá em Buenos Aires, ou aqui na Rua Augusta, mas o fetiche opera porque é distante. Então você junta muitas coisas: o perigo, a viagem para ter perigo em um lugar onde você não fala a língua... Quando eu ando pelas ruas em Buenos Aires é diferente: eu falo a língua, não preciso viajar para ir, então não é suficiente.
A guerra também traz uma ideia de virilidade. Você traz isso ao filme, e reforça o tema ao falar de todas as mulheres com quem flertou.
Iván Granovsky: É óbvio. Um problema é que muitas espectadoras mulheres acham que o filme é machista. Eu entendo porque elas pensam isso, mas tento explicar que o filme é sobre um perdedor, e que as mulheres são sempre mais inteligentes do que eu. Às vezes eu expresso mal no filme essa autocrítica, mas também não é uma questão central.
Mas falando da masculinidade, de bravura e valentia, acredito que em zonas de conflito você é obrigado a ser valente. Quando não tem obrigação de ser valente, o mais provável é que você não o seja. Na Palestina, por exemplo, eu não estive em uma zona de guerra, mas devido ao contexto, eu sentia que a única opção era ser corajoso. Isso é muito interessante, porque aí você entende que na maior parte da sua vida você não é valente. Eu sentia que, se tivessem tiros, eu ia proteger a minha equipe, não ia fugir. Isso é muito incrível. É algo masculino, e também burguês. Tudo fica muito simples quando se tem grana, e isso é mais interessante do que a masculinidade.
Como este tom autoparódico foi recebido pelo público?
Iván Granovsky: No festival de Roterdã, ele foi bem recebido. Mas o filme funcionou muito melhor com os latino-americanos do que com os europeus. Os europeus estão muito acostumados a miséria pornográfica, quando nós falamos dos nossos pobres, mas não gostam quando alguém fala deles. As coisas foram difíceis também com o público feminino, porque todos os entrevistados são homens. Mas isso tem uma explicação: quando você vai nos governos ou até nos movimentos de esquerda, são os homens que estão liderando. É uma síndrome.
Eu tive muitas discussões com espectadoras mulheres, porque o filme não é machista, ele revela que a maioria das pessoas defendendo o feminismo, ou mesmo a Palestina e as novas formas de governar, são homens. Às vezes houve polêmicas por causa isso, mas no final todos agradeceram muito a sinceridade do filme. O público não está acostumado a um diretor tão sincero. Então no final eles perdoaram os meus erros.