Abraços apertados, debandada de público e as risadas mais intensas do festival até então foram alguns dos destaques da noite de sexta-feira (01), segundo dia da edição deste ano do festival Cine PE. A atriz Cássia Kis, que originalmente teria sido homenageada no ano passado, esteve no tradicional Cinema São Luiz, em Recife, para, agora sim, receber o Troféu Calunga de Ouro pelo conjunto de sua obra.
Em uma surpresa promovida pela organização do evento, o troféu foi concedido à artista por Gabriel Leone, que se aproximou de Cássia na série Os Dias Eram Assim e estava em Recife para as gravações da novela Onde Nascem os Fortes. Ao se dar conta da presença do ator, a atriz correu para abraçá-lo, visivelmente emocionada. "Eu amo o Gabriel como se ele fosse o meu filho", disse ela, na manhã do dia seguinte, em conversa com a imprensa. Os dois se aproximaram justamente interpretando mãe e filho na atração exibida pela Globo em 2017 e ambientada nos anos da Ditadura Militar.
"Desde antes de eu pensar em fazer teatro, de ter qualquer relação com a arte, eu te admirava. Quando eu te conheci, esse sentimento extrapolou, não só artisticamente falando, mas como pessoa", lisonjeou Gabriel. Ao tomar a palavra depois de assistir um vídeo que compilava atuações marcantes de sua carreira no cinema e na TV, Cássia refletiu sobre seu próprio ofício como intérprete. "Depois de 40 anos de profissão e 60 anos de vida, o que eu considero mais importante é a beleza. Sem beleza não tem sentido. Nós artistas precisamos da beleza que é o amor. É só quando fazemos as coisas de verdade que elas acabam tendo sentido. E dói. Mas a vida dói. A vida é um drama, não uma piada", disse a atriz de filmes como Redemoinho e Bicho de Sete Cabeças.
Christabel, filme de estreia do diretor Alex Levy-Heller como realizador de um longa-metragem de ficção, foi o debutante da Mostra Competitiva de Longas-Metragens do Cine PE deste ano. A obra é uma adaptação do poema inacabado de mesmo nome escrito pelo poeta romântico inglês Samuel Taylor Coleridge do início do século XIX. A ambientação é transferida da Grã-Bretanha para o cerrado goiano em uma temporalidade não especificidada e ambígua (pode ser no presente, pode ser no passado).
Na trama, a jovem Christabel (Milla Fernandez) é uma pessoa inocente e podada pela rispidez de seu pai (Julio Adrião), um lavrador que vive sozinho com ela desde que sua esposa, a mãe de sua filha, morreu no parto. A rotina na casa humilde dispensa à protagonista uma realidade de silêncios e submissão. Entretanto, a dinâmica do ambiente começa a mudar quando uma misteriosa forasteira, Geraldine (Lorena Castanheira, também produtora do filme), interrompe o pacato passar dos dias de pai e filha. Ela alega ter sido abusada e foi encontrada sozinha na mata à noite. Dona de uma presença intensa, a mulher traz em si a capacidade de magnetizar a atenção de Christabel — e outros poderes ocultos.
Tecnicamente bem realizado (especialmente quando se considera que o longa é uma produção totalmente independente), o filme se apresenta como um comentário sobre o amadurecimento de uma mulher em um ambiente repressivo. As questões sobrenaturais do poema original se fazem presentes no longa-metragem, que transpõe uma fantasia gótica para o Brasil rural. A mise en scène naturalista e a fotografia marcada por penumbras aproximam o espectador da atmosfera de mistérios. Apesar das belas imagens, alguns planos são longos demais e o filme tem um desfecho arrastado, especialmente por dar a entender que está para terminar diversas vezes. Vale o destaque para a atuação de Fernandez e sua composição tímida, repleta de olhares expressivos.
Em uma direção completamente oposta esteticamente, outro longa da mostra competitiva exibido na sexta-feira (01) foi Os Príncipes, do provocador diretor Luiz Rosemberg Filho. O filme transporta para os cinemas um roteiro que o cineasta escreveu ainda na década de 1970 sobre um grupo de personagens sórdidos envolvidos em situações violentas e extremas.
"Dois homens perambulam pela noite do Rio de Janeiro com duas prostitutas em busca de prazer e violência", resume a curta sinopse. O fiapo de trama é guiado de forma caótica e incômoda. O filme tira o espectador da zona de conforto, mas tem dificuldades em conjugar qualquer outra coisa que não seja o mero desconforto, esgotando o potencial mais crítico da obra. O filme também é atrapalhado pela trilha sonora onipresente. Como positivo, o roteiro tem momentos de brilhantismo em alguns dos monólogos sobre a natureza.
Entre os curtas, o grande destaque da noite foi o documental Uma Balada para Rock Lane, de Djalma Galindo, presente na Mostra PE. O filme começa tecnicamente simplório, até mesmo ingênuo, mas logo revela seu carisma ao se debruçar sobre seu personagem principal, um homem que viveu diversas tragédias na vida pessoal e encontrou refúgio no cinema, que foi, literalmente, sua casa por muitos anos. Por conta de sua paixão por filmes de faroeste, José assume a folclórica identidade de um caubói. O curta gerou as risadas mais intensas da plateia do Cinema São Luiz até então neste Cine PE. Os demais filmes do mesmo formato que foram exibidos foram Teodora quer dançar, de Samantha Col Debella, Balanceia, de Juraci Júnior e Thiago Oliveira, e Banco Brecht, de Tiago Aguiar e Marcio Souza.
Por conta do breve adiamento do Cine PE neste ano, o festival teve sua duração reduzida em um dia. Isso não alterou a lista de filmes presentes na programação, mas mudou o cronograma de exibição. Por conta disso, foram exibidos quatro curtas e dois longas. Some a isso o tempo para a homenagem e o cerimonial desnecessariamente longo antes das sessões (que não tem intervalos) e lá se vão mais de cinco horas dentro do Cinema São Luiz. Por conta da maratona ostensiva, muitas pessoas deixaram o cinema antes da sessão de Os Príncipes, a mais esvaziada do festival até então.
*O AdoroCinema viajou para o Cine PE a convite da organização do evento.