A ativista e atriz Ashley Judd é uma das muitas mulheres que foram assediadas e, em seguida, tiveram suas carreiras permanentemente afetadas pela nefasta e negativa influência de Harvey Weinstein, um dos maiores predadores sexuais de Hollywood e símbolo do lado mais sórdido da indústria cinematográfica. Mas com a ascensão do movimento #MeToo, Judd - uma de suas principais líderes e porta-vozes -, conseguiu reunir força suficiente para denunciar e lutar contra o ex-produtor; e, agora, para além do processo que moveu contra Weinstein por difamação, a atriz e ativista também escreveu um longo artigo para a prestigiada revista Time em que celebra e reconhece a importância da prisão do predador sexual.
No texto, Judd descreve a prisão e o processamento formal de Weinstein pela polícia de Nova Iorque como um "momento divisor de águas", mas também lança um crucial olhar para o futuro e para o seu principal objetivo: a destruição completa do sistema que permitiu e incentivou a criação de criminosos sexuais como Weinstein, Kevin Spacey e James Toback, entre inúmeros outros predadores que foram denunciados e tiveram suas carreiras derrubados nos últimos meses após a revelação das décadas de abusos cometidos por Weinstein - durante anos, o ex-produtor utilizou sua influência e seu livre trânsito na indústria cinematográfica para fazer suas vítimas, se aproveitando da conivência de seus pares e de seu poder.
Apesar de ter se declarado inocente e de ter pagado US$ 1 milhão para aguardar seu julgamento em liberdade - o ex-produtor utiliza agora uma tornozeleira eletrônica -, Weinstein responderá às autoridades pelas acusações de estupro e abuso sexual perante o tribunal de Nova Iorque no próximo mês de julho; ele ainda segue sob investigação da polícia de Los Angeles e da Scotland Yard, no Reino Unido, por causa de inúmeras outras acusações. Também vale ressaltar que ainda há a possibilidade de que o julgamento de Weinstein seja transferido para a esfera federal nos Estados Unidos, jurisdição onde as punições são mais severas.
Leia abaixo a tradução do artigo de Judd na íntegra:
Quando saiu a notícia de que Harvey Weinstein se entregaria às autoridades por causa das acusações de estupro e abuso sexual, fiquei sem reação. Conforme conversei com outras pessoas para quem o chão também estava tremendo, percebi que meu sentimento era de que o fato de um predador sexual estar sendo legalmente acusado por seu comportamento criminoso é e devia ser normal, rotineiro e não particularmente digno de atenção da mídia. E também entendi porque esta é uma notícia retumbante.
Na verdade, ambas as reações são legítimas. O sistema de justiça criminal deveria funcionar de maneira eficiente e rápida, apreendendo e punindo todo e qualquer predador sexual, independentemente de seu status social ou de seu poder. E neste momento, nesta época, o fato de que um homem poderoso que prosperou e cresceu em uma cultura de impunidade seja preso e processado é incrivelmente significativo. É um momento divisor de águas, uma reviravolta irreversível da licença tácita e explícita para explorar para um contexto de leis mais rigídas e de esclarecimento, onde comportamentos intoleráveis não serão mais tolerados.
Tinha a esperança de que Harvey reconhecesse sua culpa, que sua rendição fosse verdadeira para que, além de sair de uma singular posição de desgraça, ele também pudesse surgir como o predador que reconhece sua culpa e trilha um novo caminho de humildade, introspecção, punição e reparação, assim liderando nossos homens e o país na necessária e inexorável trajetória da justiça restauradora. Mas parece que Harvey não será este criminoso, uma vez que ele se declarou inocente e ainda mantém, a despeito de todas as acusações, que todas as relações sexuais foram consensuais. Negação pode substituir "eu não consigo reconhecer que estou mentindo, e parece que é neste mundo que Harvey ainda vive.
Assim, conforme os próximos passos da justiça de Nova Iorque se desenrolarem, e o sistema cumprir seu necessário e importante trabalho, ainda estaremos à espera de um acusado que possa e deseje incorporar o que o movimento #MeToo e nossa sociedade precisam e desejam: alguém que possa navegar a dualidade de ter agredido e de reconhecer seu abuso de poder com integridade e culpa. A justiça restauradora também é dupla; para que as vítimas-sobreviventes e a sociedade possam acolher e restaurar os reformados, os reformados precisam ser genuinamente transformados, eliminando camadas da masculinidade tóxica, abandonando o show de desculpas/negação e ocupando um novo e coletivo espaço onde tanto a pessoa quanto a narrativa são reformadas e unificadas.