O que une países tão distintos entre si quanto Rússia, China, Estados Unidos, Brasil, México, Coreia do Sul e Índia? Vingadores: Guerra Infinita, o único elemento aparentemente capaz de inserir todas as nações supracitadas em um só fôlego, especialmente quando se considera o contexto político-econômico atual.
Após três semanas em cartaz, o épico da Marvel - maior bilheteria do Universo Cinematográfico do estúdio com US$ 1,7 bilhão acumulado até o momento e mais veloz filme a entrar no Clube do Bilhão em toda a história - é uma unanimidade em todos os idiomas e nos quatro cantos do mundo. E uma vez que o longa tornou-se o produto cinematográfico mais visto em terras tupiniquins em 2018 com mais de 12 milhões de espectadores e R$ 200 milhões arrecadados no Brasil, é hora de analisar o impacto perene e sem fronteiras do blockbuster, quarta maior bilheteria da sétima arte, nos 10 principais mercados estrangeiros de Hollywood (Dados coletados no dia 18 de maio de 2018 através do site Box Office Mojo).
BRASIL
A história do crescimento do Universo Cinematográfico Marvel confunde-se com a trajetória ascendente do interesse do público brasileiro em relação ao UCM. Conforme os longas do estúdio comandado pela Disney ganharam espaço no âmbito dos blockbusters, os espectadores tupiniquins responderam à altura. Assim, se na Fase 1 a média de arrecadação dos filmes da Marvel no Brasil girava em torno dos US$ 15 milhões, Os Vingadores, primeiro auge do UCM, elevou as apostas por aqui com US$ 63 milhões obtidos. Seis anos depois, Guerra Infinita não só já chegou à marca de US$ 44 milhões embolsados - e sem dar mostras de freio - por aqui como também tornou-se um gigante na história da audiência cinematográfica brasileira. Segundo filme mais visto no país em todos os tempos, atrás apenas do incomparável Titanic, que reuniu quase 17 milhões de espectadores nos idos de 1997/1998, Guerra Infinita mantém a hegemonia da Marvel - e da Disney - no Brasil: desde 2012, a companhia ocupa a primeira posição do ranking de público brasileiro (Os Vingadores, Homem de Ferro 3, o "primo" Malévola, Vingadores: Era de Ultron e Capitão América: Guerra Civil são os campeões de cada ano de 2012 a 2016, respectivamente).
MÉXICO
Nosso vizinho latino-americano é outro território essencial para a saúde financeira da Marvel e, principalmente, da Disney. Mesmo historicamente antagonizados pela mídia estadunidense e, mais recentemente, pelo xenófobo presidente Donald Trump, os mexicanos não deixa de apoiar as produções da casa de Mickey Mouse e de Hollywood como um todo; em 2017, o top 10 das bilheterias locais foi inteiramente dominado por produções estadunidenses. Ao analisar os dados, é possível perceber que as arrecadações mexicanas das produções do estúdio giram, aproximadamente, em torno dos mesmos valores que as bilheterias obtidas pela Marvel no Brasil. Guerra Infinita, no entanto, excedeu as expectativas no país do lado de lá da fronteira estadunidense: US$ 54 milhões arrecadados. Assim, fica ainda mais claro que Viva - A Vida É Uma Festa não foi produzido só porque o projeto de Lee Unkrich era genuinamente valioso de um ponto de vista narrativo: o atual campeão do Oscar de Melhor Animação também funciona tanto como uma forma da Disney fidelizar ainda mais o público latino - uma versão moderna da Política de Boa Vizinhança dos anos 1940 e 1950 - quanto como uma inequívoca declaração política contrária à agenda de Trump, cuja principal plataforma ainda é construir um muro na fronteira.
COREIA DO SUL
O caso do Tigre asiático, cujos espectadores nacionais renderam quase US$ 85 milhões aos cofres da Marvel considerando somente a arrecadação do épico em questão, é bastante peculiar e funciona como uma verdadeira via de mão dupla. De um lado, o governo asiático concede incentivos fiscais tão atraentes que o território da Coreia do Sul transformou-se em uma das principais locações para a Marvel - ou seja, as isenções são tão boas que os gastos que uma empresa estadunidense contrai para rodar uma produção bilionária do outro lado do mundo, a 10 mil quilômetros de distância, são imediatamente compensados -; do outro, a casa de Mickey Mouse faz com que os roteiros de suas obras encarem a Coreia do Sul como parada obrigatória: em Pantera Negra, o primeiro conflito direto entre T’Challa (Chadwick Boseman) e Ulysses Klaue (Andy Serkis) não é situado em solo coreano por acaso. O resultado é óbvio: os incentivos fiscais trazem a Marvel - Kevin Feige já mandou avisar que rodará mais cenas no país em 2019, seguindo as gravações de Era de Ultron e Pantera Negra -; a companhia atrai o público asiático com sequências importantes para a narrativa rodadas em localizações que lhe são familiares - mais especificamente cartões-postais da cidade de Busan como a praia Gwangalli e a ponte Gwangandaegyo; e, por fim, o constante interesse faz com que o Estado siga concedendo incentivos. O ciclo é perfeito.
AUSTRÁLIA
Por mais que a Austrália, diferentemente do Brasil e do México, entregue ocasionalmente hits de bilheteria como Mad Max: Estrada Fúria e Lion - Uma Jornada para Casa - que chegou em sétimo no ano passado no ranking australiano, tendo disputado espaço com obras como A Bela e a Fera e Star Wars: Os Últimos Jedi, as bilheterias locais também são majoritariamente dominadas por Hollywood - e pela Disney -, mesmo após a indústria estadunidense ter perdido 5% do mercado exibidor australiano. Nas terras dos cangurus e dos aborígenes, Guerra Infinita registrou números sólidos: US$ 40 milhões de bilheteria. Entretanto, a arrecadação ocêanica não seguiu os passos das arrecadações mundiais, uma vez que Vingadores 3 não derrotou seu "irmão mais velho", Os Vingadores, que segue como a maior bilheteria da Disney na Austrália com US$ 54 milhões.
EUROPA (ALEMANHA, FRANÇA E REINO UNIDO)
As bilheterias combinadas das potências europeias demonstram como os territórios gringos são importantes para a Marvel - diferentemente do que acontece com a franquia Star Wars, por exemplo, que é mais popular e rentável em solo doméstico do que nas localidades estrangeiras. De fato, desde 2011, quando foi lançado Thor - e exectuando o recente Pantera Negra -, o grosso das arrecadações do UCM vem da gringa; no caso de Guerra Infinita, as bilheterias domésticas do Reino Unido, da França e da Alemanha somadas totalizam US$ 157 milhões, quase 10% do montante total mundial. O formidável desempenho de Guerra Infinita também é um testemunho da potência da Marvel - e de seu departamento de marketing -, uma vez que o estúdio consegue triunfar em mercados bastante espinhosos por causa da qualidade e quantidade da produção local e de suas leis extremamente rígidas, como o da França e o da Alemanha - Guerra Infinita arrecadou US$ 39 milhões e US$ 36 milhões, respectivamente. Por outro lado, o Reino Unido é praticamente uma filial de Hollywood: além de Vingadores 3 ter obtido impressionantes US$ 82 milhões e ocupando o terceiro posto dentre os mais lucrativos territórios estrangeiros para Guerra Infinita, atrás apenas da China e da Coreia do Sul. Ano após ano, a bilheteria do Reino Unido bate recordes e isso é decorrente da avalanche de produções hollywoodianas que varre os rankings locais.
CHINA
1997 marcou a primeira vez em que as bilheterias internacionais superaram as arrecadações dos Estados Unidos por causa do sucesso de três filmes em solo gringo: Titanic, O Mundo Perdido - Jurassic Park e Homens de Preto - respectivamente, 70%, 63% e 57% das arrecadações destes blockbusters são provenientes dos mercados estrangeiros. Seis anos depois, em 2003, o apetite dos públicos estrangeiros viria a estabelecer os territórios para além dos domínios geográficos estadunidenses como os campeões de arrecadação, e a China tem grande "culpa" na geração deste contexto. É evidente que mais recentemente o Reino Médio tem produzido obras que são capazes de rivalizar com boa parte dos longas hollywoodianos em termos de bilheteria, tais como Wolf Warrior II (US$ 870 milhões), Operation Red Sea (US$ 579 milhões) e Detective Chinatown II (US$ 544 milhões). Como há alguns anos, a China atravessou o mesmo processo que em curso na Coreia do Sul atualmente, o investimento de Hollywood no público chinês só cresceu. O resultado, por sua vez, pode ser sentido diretamente na arrecadação de Guerra Infinita: em uma semana, o épico da Marvel arrecadou US$ 200 milhões só na China. Como Deadpool 2 pode não ser lançado no Reino Médio por causa dos censores chineses e Han Solo - Uma História Star Wars não deve ser uma ameaça por causa do limitado interesse do povo local pela saga Guerra nas Estrelas, Guerra Infinita ainda deve ter um bom e sólido mês pela frente para reinar sobre as bilheterias chinesas.
ÍNDIA
Tendo em vista as performances de seus filmes nas bilheterias indianas, a Marvel decidiu injetar ainda mais esforços para também triunfar no gigante do sudeste asiático. Nenhuma arrecadação de todos os longas do UCM haviam ultrapassado a barreira dos US$ 30 milhões até Guerra Infinita finalmente romper a marca e obter ainda mais do que o esperado: US$ 41 milhões, melhor desempenho do estúdio no país. Mesmo que as produções hollywoodianas estivessem em alta no território indiano, a Marvel ainda não havia conseguido atingir as mesmas alturas que costuma atingir em outras localidades - e a Índia é um mercado extremamente estratégico, tanto como líder local quanto como forte bilheteria, potencializada pelas produções de Bollywood, maior centro produtor cinematográfico de todo o mundo. Assim, triunfar na Índia é triunfar na região e conquistar espaço contra longas imensamente bem-sucedidos.
RÚSSIA
Dentre todos os grandes mercados, é possível que o da Rússia tenha sido o mais decepcionante para a Marvel até então quando se trata de Guerra Infinita. Ao contrário de Os Vingadores (US$ 43 milhões) e Era de Ultron (US$ 34 milhões), o terceiro longa dos Maiores Heróis da Terra não ultrapassou a barreira dos US$ 30 milhões, acumulando US$ 28 milhões até agora. No entanto, o filme só tem duas semanas em cartaz, uma a menos do que a maioria das localidades - portanto, é bem provável que o montante aumente nas próximas semanas. De uma forma ou de outra, o mercado russo é tão importante para a Disney que a companhia chegou a abrir uma filial no país comandado pelo controverso Vladimir Putin. Ainda, a estética dos super-heróis imposta pela casa de Mickey Mouse também deu origem ao peculiar e local Os Guardiões. Assim, mesmo que Guerra Infinita não exceda as expectativas do estúdio, a Disney certamente continuará trabalhando em proximidade com a Rússia, um dos territórios mais importantes e vitais para a companhia estadunidense apesar de todas as tradicionais rusgas entre o governo estadunidense e a administração russa.