A trajetória de Paulo José nas telonas e telinas, agora em uma cinema perto de você. Já está em cartaz o documentário Todos os Paulos do Mundo, que retrata a trajetória do nosso eterno Macunaíma. O AdoroCinema conversou com um dos diretores do filme, Gustavo Ribeiro, sobre como foi o processo de criação do longa-metragem. Confira!
ADOROCINEMA: Em uma entrevista recente, a produtora Vânia Catani afirmou que a ideia de fazer um filme sobre o Paulo José veio dela. Como este projeto chegou até você e ao Rodrigo de Oliveira, diretores de Todos os Paulos do Mundo?
GUSTAVO RIBEIRO: A Vânia tem uma relação com o Paulo já muito antiga, ela é praticamente parte da família. Ela sempre quis fazer um filme sobre ele e já tinha sido sondada pelo Rodrigo, que é um grande admirador. Eles tinham tido uma conversa inicial de fazer alguma coisa, mas nunca houve uma tentativa real.
Um dia, estava vendo televisão e por acaso estava passando O Rei da Noite, que é um filme que o Paulo faz. Via todos os filmes dele e na hora falei: "Putz, quero fazer um filme sobre ele". Liguei pra Vânia, propondo fazer um filme só com material de arquivo e ela na mesma hora topou, só que disse que eu precisava conhecer o Rodrigo, porque ele também queria fazer um filme sobre o Paulo e achava que nós dois juntos tínhamos a ver. Aí o Rodrigo veio me conhecer e nos demos muito bem. Foi um filme feito em um período tempo muito curto, menos de um ano. Da hora em que eu fiz esse telefonema até o filme pronto, durou menos de um ano.
ADOROCINEMA: E por que essa decisão, essa ideia de fazer justamente um filme de arquivo com base nos filmes e nos trabalhos que o Paulo já tinha feito?
GUSTAVO: Olha, primeiro porque tanto eu quanto a Vânia e o Rodrigo somos grandes admiradores do cinema brasileiro, faz parte da nossa formação cinematográfica. Mesmo depois de conversar com o Rodrigo, um cara que conhecia mais a carreira do Paulo no cinema do que eu, percebi que como ele já tinha feito muitos filmes e muitos personagens, a gente facilmente ia encontrar ecos da vida pessoal do Paulo nos papéis que tinha feito. Isso sempre foi um destaque na gênesis do projeto, essa estrutura.
ADOROCINEMA: Algo que chama muita atenção no filme é que a partir da vida, dos trabalhos do Paulo José, é possível montar um certo retrato do que era o Brasil nos anos 60, 70. Isso, já no processo de edição, era intencional? Ou foi algo encontrado durante esse processo de edição?
GUSTAVO: Não, a gente já sabia. O Paulo fez quase 50 filmes, está na tela do cinema desde 1966. Ele é um dos poucos atores no Brasil que teve uma atividade cinematográfica muito intensa, desde que fez O Padre e a Moça até o último filme que ele fez, O Palhaço. São 50 anos dentro do cinema brasileiro, então a gente sabia que, fazendo um filme sobre ele, a gente faria um filme sobre o cinema brasileiro e também sobre o Brasil. Porque o cinema é uma arte que reflete o país como nenhuma outra.
ADOROCINEMA: O Paulo tem vários filmes que ficaram marcados na história do cinema nacional. Imagino que não tenha sido muito difícil escolher quais dar mais destaque, mas talvez tenha sido complicado selecionar as cenas específicas de cada um deles, de O Padre e a Moça, Macunaíma, Todas as Mulheres do Mundo. Como foi esse processo de escolher o que deveria entrar no filme e de que forma deveria entrar no filme, para criar uma narrativa dentro do próprio documentário?
GUSTAVO: A gente fez um rascunho, com os temas que queria tratar. Tinha infância, Dina Sfat, Leila Diniz. Então a gente ia selecionando as cenas que tinham a ver com algum daqueles momentos e, às vezes, cenas que não tinham a ver com o momento, mas que a gente gostava muito e queria usar. Foi um processo muito prazeroso, porque a gente tinha muitos filmes muito bons e um elenco genial, desde Fernanda Montenegro até o Selton Mello, de Marília Pera a Mariana Ximenes, Leila Diniz, Joana Fomm... Enfim, de certa forma a gente tinha os maiores atores dos últimos 50 anos do Brasil à nossa disposição.
ADOROCINEMA: Como foi a seleção dos textos escritos pelo Paulo que são lidos ao longo do filme e também da seleção de quem iria ler cada texto?
GUSTAVO: Foi meio por tema. Parecia muito natural chamar a Bel, Ana e Clara Kutner pra falarem sobre a relação do Paulo com a Dina [Sfat], porque elas eram as filhas. Chamar o Flávio Migliaccio pra falar sobre o período da televisão, porque eles iniciaram juntos. A Helena Ignez pra falar de O Padre e a Moça foi por assunto, a Mariana Ximenes pelo jeito que trabalhou com o Paulo quando ele estava com Parkinson, pra falar da doença. Teve um momento em que o Selton fala que o Paulo não gosta de interpretar velhos, ele gosta de interpretar pessoas que não têm a ver com ele, por exemplo, velhos de 80 anos, que é justamente a idade que tem hoje. Então não foi uma dificuldade, parecia que as coisas iam acontecendo e a gente só ia seguindo. Foi bastante harmônico.
ADOROCINEMA: Pelo filme, dá pra perceber muito claramente como era instigante esse movimento do cinema autoral nos anos 60 e 70, apesar das difiuldades decorrentes da ditadura militar, especialmente depois do AI-5. Como você vê esse cenário do cinema brasileiro independente hoje, nos dias atuais?
GUSTAVO: O cinema brasileiro independente hoje é muito fértil, tem muitos eventos de filmes que não têm uma divulgação maior. Por exemplo, agora mesmo está em cartaz Arábia, que é um filme absolutamente genial, muito cinematográfico, quem gosta de cinema precisa assistir esse filme. Mas existe um abismo ainda, entre o filme independente brasileiro e o público. Os filmes acabam circulando mais por festivais, que têm um acesso muito restrito, o que é uma pena.
ADOROCINEMA: Diante desse cenário, como você vê o futuro de Todos os Paulos do Mundo, que chega agora ao circuito?
GUSTAVO: A gente está sendo distribuído pela Vitrine Filmes, que faz um trabalho muito bom de divulgação, então o filme vai passar em mais de 20 cidades no Brasil inteiro, do Acre ao Rio Grande do Sul, a preço popular. Ou seja, a sessão mais cara a inteira custará 12 reais e a meia, 6 reais. O fato de estar em muitas cidades, ter um preço popular e ser sobre um cara que é muito famoso, que faz parte do imaginário brasileiro, ajuda. E tem os fãs do Paulo, claro!
ADOROCINEMA: De todos os personagens que o Paulo José já fez, pra você qual é o mais emblemático?
GUSTAVO: Se pudesse escolher um só, seria o Macunaíma. É um caso raro de que, se você pensa no livro, é muito difícil não pensar no filme. Geralmente tem aquele papo de que os filmes não são tão bons quanto os livros ou os livros não são tão bons quanto os filmes. E o Paulo personificou o Macunaíma, né? É um filme tão simples na realização, mas ao mesmo tempo de uma sofisticação que é muito raro de se ver.