A segunda-feira, 19 de fevereiro, foi intensa no 68º festival de Berlim. Alguns dos filmes mais aguardados e controversos tiveram a sua primeira exibição à imprensa. O resultado, como se esperava, foi uma plateia dividida:
Para cantar a ditadura
Season of the Devil, de Lav Diaz, era um dos filmes temidos pelos jornalistas, por ser um musical de quatro horas de duração, em branco e preto, sobre as violações de direitos humanos cometidas pelos militares nas Filipinas. As canções são todas a cappella, ou seja, sem acompanhamento de instrumentos além da voz, e praticamente todas as frases são cantadas pelo elenco.
O resultado é único, e desafiador para a plateia. Embora metade dos críticos tenha abandonado a sessão antes do final, os restantes descobriram um projeto singular e pessoal para o diretor. É uma pena que, com estas características, a possibilidade de o filme ser exibido ao redor do mundo - no Brasil, inclusive - é pequena.
Troca de reféns
7 Dias em Entebbe é o novo filme americano de José Padilha (Tropa de Elite), com muitos brasileiros de peso na equipe técnica, incluindo o fotógrafo Lula Carvalho e o montador Daniel Rezende. A trama é inspirada do caso real dos anos 1970, quando um grupo de guerrilheiros pró-Palestina sequestrou um avião cheio de judeus para forçar a liberação de palestinos presos pelos israelenses.
O resultado é um suspense competente, com direito a algumas ousadias, incluindo um paralelo inesperado com a dança contemporânea. O posicionamento político desperta ressalvas - o filme se pretende equilibrado, embora penda para o lado israelense na história -, e o elenco tem algumas atuações fracas, como a de Rosamund Pike, mas o projeto vale a atenção.
Experimente o massacre em tempo real
U - July 22, de Erik Poppe, tem como ponto de partida o ataque de 22 de julho de 2011, quando um terrorista de extrema-direita foi a uma ilha repleta de jovens em férias e começou a atirar em todos eles, levando a 77 mortes. Após mostrar algumas imagens de arquivo, o cineasta recria um longuíssimo plano-sequência (imagem sem cortes) de 72 minutos, ou seja, o tempo real de duração do tiroteio.
O resultado é, no mínimo, controverso. Por um lado, ao se focar na adolescente Kaja (Andrea Berntzen) como personagem principal, o roteiro tenta humanizar as vítimas, conhecer os seus sofrimentos. Por outro lado, o filme transforma a garota fictícia numa heroína, e termina reproduzindo o "prazer" da perseguição sem realmente acrescentar nenhum comentário relevante sobre os fatos de sete anos atrás.
Apareceu o Urso de Ouro?
Em meio a tantas polêmicas, tantas vaias e aplausos misturados nas sessões, um dos melhores filmes da competição até agora passou despercebido. 3 Days in Quiberon, de Emily Atef, retrata a curta passagem de Romy Schneider (Marie Bäumer) por uma colônia francesa, tentando se livrar do álcool e dos remédios. No local, ela aceita ser entrevistada por um repórter sensacionalista, que faz perguntas cada vez mais violentas sobre a sua vida pessoal.
O filme tem uma construção clássica, com a imagem em scope e preto e branco, enquanto os personagens discutem as suas dores, seus amores, depois mudando de ideia e agindo de uma maneira diferente do que anunciaram. Trata-se de um projeto intimista, carinhoso, como o cinema contemporâneo faz cada vez menos. Um drama tão simples quanto complexo. Seria um forte candidato ao prêmio de melhor atriz, mas torcemos para que receba uma recompensa ainda maior - quem sabe o Urso de Ouro?
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